respublica

sexta-feira, janeiro 30, 2004

RELATÓRIO HUTTON (II) Como o relatório Hutton ilibou Blair, não falta agora quem ponha em causa a imparcialidade do juíz. É a atitude típica de quem se acha dono da verdade, suprindo a falta de provas com teorias da conspiração criadas à medida. E de quem julga possuir superioridade moral sobre os seus semelhantes.

quinta-feira, janeiro 29, 2004




O MITO DE IFIGÉNIA Quando a bela Helena, esposa de Menelau, foi raptada por Páris, os princípes gregos organizaram uma poderosa expedição contra Tróia, liderada por Agamémnon, rei de Micenas e irmão de Menelau.

Transportado em mais de mil navios, o exército helénico preparava-se para partir de Aulis, na Beócia, onde se reunira. Mas Ártemis, despeitada com o sacrilégio de Agamémnon, que pouco antes abatera uma corça num dos bosques sagrados da deusa, suscitou uma súbita calmaria que impediu as naves de se fazerem à vela. Ártemis anunciou de seguida a Agamémnon que a sua cólera só ficaria aplacada com o sacrifício de Ifígénia, uma das filhas do rei. Só assim o exército poderia partir. Agamémnon, cuja crueldade e rapacidade eram sobejamente conhecidas, aceitou o preço determinado pela deusa, decidindo-se a sacrificar a própria filha.

Mas a deusa mudou de ideias no decorrer do ritual; Ártemis compadeceu-se de Ifigénia, substituindo-a por uma corça, sem que no entanto Agamémnon se desse conta da substituição. E entretanto, Artémis levou Ifigénia para a Táurida, onde se tornou sua sacerdotisa. Isto, contudo, sem que ninguém mais soubesse que ela ainda vivia.

Dez anos depois, Agamémnon regressou finalmente de Tróia. Mas Clitmenestra, mãe de Ifigénia, que jamais perdoara ao marido a morte da filha, estava desejosa de vingança. Com a ajuda do seu amante Egisto, planeou o assassínio de Agamémnon. E juntos, num episódio que a literatura grega imortalizou (Sófocles, Ésquilo, etc), mataram o rei quando este saía do banho. Cassandra, a princesa troiana irmã de Páris que Agamémnon recebeu como despojo de guerra, caíu também assassinada.

A tragédia da família Átrida ficou completa quando os filhos de Agamémnon e Clitmenestra, Orestes e Electra, vingaram a morte do pai assassinando a mãe e o amante.

Entretanto, Orestes ficou a saber que Ifigénia ainda vivia e que se encontrava na Táurida. Com a ajuda do seu amigo Pílades, libertou-a e levou-a para a Ática, onde se tornou sacerdotisa de Ártemis no santuário de Brauron.

Entretanto, encontrei o seguinte texto neste site:

"A despeito de seu relevante papel na lenda heróica, Ifigênia era primitivamente uma divindade pré-helênica, ligada à fertilidade da natureza e também à morte, e posteriormente foi assimilada a Ártemis e mesmo considerada uma de suas manifestações. Ifigênia também era confundida com Hécate, outra divindade associada a Ártemis e a seus aspectos mais sombrios.

Ártemis e Ifigênia eram cultuadas juntas em diversos santuários, especialmente em Brauron, na Ática, e em Mégara, perto do istmo de Corinto. Uma certa quantidade de imagens do sacrifício de Ifigênia e de seu resgate em Táuris chegaram até nós."

CRISTO, O RADICAL (II) ainda a respeito do texto do André Belo sobre o radicalismo social de Jesus, li no Voz do Deserto um interessante post que não resisti a aqui transcrever:

"(...) Uns dias Cristo faz-me ser cínico. Outros faz-me ser amável. Uns dias acerto. Outros nem por isso. Isto porque o sigo. O que crê divide-se atrapalhadamente entre o grito e o silêncio. Mas sabe que a propaganda pertence aos que clamam por Barrabás - os que nunca perdoaram Jesus por ter vindo por causa da alma e não por causa da política."

Ora nem mais. E aproveito para inserir ligação para esta Voz do Deserto.




A FRASE (IX) "I haven't failed. I've found 10,000 ways that won't work. " (Benjamin Franklin).

quarta-feira, janeiro 28, 2004




A PETIÇÃO PARA O REFERENDO foi entregue na Assembleia da República. Contém mais de 120 mil assinaturas de cidadãos que pedem a realização de um novo referendo sobre a liberalização do aborto.

Independentemente da minha opinião sobre a questão do aborto, não gosto desta mentalidade pseudo-democrática que, de resto, subverte a própria democracia: referenda-se até conseguirmos o que queremos, e depois não se fala mais do assunto.

É ainda aquela velha atitude de querer evoluir as pessoas à força, como se a humanidade estivesse dividida entre iluminados e obscurantistas. Não raras vezes, os que julgam pertencer à primeira categoria são precisamente os mais intolerantes.

O ESTADO NÃO É PESSOA DE BEM o caso da retenção de descontos da Segurança Social pelo Ministério da Justiça é verdadeiramente vergonhoso. Mais uma prova de que o Estado Português, além de ser o pior dos devedores e o mais exigente dos credores, impõe aos cidadãos regras que ele próprio não cumpre. Vergonha.

RELATÓRIO HUTTON a notícia não deve ter agradado à esquerda folclórica: o governo de Tony Blair foi completamente ilibado de responsabilidades na morte do cientista David Kelly.

CRISTO, O RADICAL O André Belo, do Barnabé, escreveu o seguinte:

"Não sou cristão. O meu cristianismo é inconsciente. O que admiro no exemplo de Cristo é o seu radicalismo. Social, por exemplo ('um rico dificilmente entrará no reino dos céus"). Mas não apenas: o radicalismo da sua crença e da sua missão. O mesmo que lhe fazia invectivar os que o seguiam quando duvidavam: "homens de pouca fé!". Sendo eu próprio um homem de pouca fé, considero-me no entanto mais perto do exemplo de Cristo (que não quero seguir conscientemente) do que o reaccionário que apenas usa o cristianismo como o adorno de que precisa para legitimar as suas concepções conservadoras da sociedade - e não ousa acreditar. O que este cínico carente de outra legitimação usa não é Cristo mas a exuberante aura estética de séculos de cultura cristã. Ao contrário da melhor desta arte, a estética está-lhe ao serviço da política, não da fé."

Pela sua magnífica prosa, o André Belo conquistou no autor destas linhas mais um leitor para o Barnabé. E, além disso, concordo com ele no que diz respeito aos pseudo-cristãos reaccionários que usam o cristianismo como "adorno de que precisam para legitimar as suas concepções conservadoras da sociedade".

No entanto, creio que o articulista está tão longe de Cristo como Paulo Portas, o ministro que se diz cristão ao mesmo tempo que expulsa imigrantes. A esquerda gosta muito de invocar o "radicalismo social" de Cristo, mas esquece completamente a moral sexual e familiar que Ele pregou. Bem sei que a doutrina cristã recebeu influências estóicas que ajudaram a moldar o pensamento cristão sobre as relações familiares e humanas; todavia, sabemos pelas Escrituras que Jesus defendia a indissolubilidade do matrimónio e a castidade.

A Esquerda deseja que a Igreja se remeta para o interior dos templos e dos corações, não interferindo na política e na sociedade. No entanto, rejubila quando o Papa toma posições contra o neo-liberalismo ou a política unilateral dos Estados Unidos, ao mesmo tempo que lhe censura o silêncio em relação a certas injustiças sociais. Afinal em que ficamos?

A Direita, por seu turno, apressa-se a invocar os valores cristãos da família, ao mesmo tempo que esquece aspectos do Cristianismo que lhe são incómodos, como a distribuição equitativa da riqueza, a justiça social e a fraternidade entre os homens.

Portanto, o que me parece é que tanto a esquerda como a direita invocam o cristianismo apenas quando lhes convém.

terça-feira, janeiro 27, 2004

OUTDOORS VANDALIZADOS o Barnabé referiu o facto de terem sido arrancados ou vandalizados muitos cartazes e outdoors a favor do referendo sobre o aborto.

Diz ele que "(...) A jornada de destruição massiva aconteceu ontem à noite e era já visível por toda a cidade. As letras que apelam à petição tapadas com tinta branca, a côr da pureza e da castidade. Já há dois anos acontecera o mesmo. A destruição de outdoors relacionados com a despenalização do aborto é já uma tradição e o crime segue sempre a mesma metodologia: na mesma noite, em quase toda a cidade, quase todos os cartazes são destruídos. É organizado e metódico, não é coisa de fedelhos inconscientes". E o Barnabé tem, em meu entender, toda a razão. Trata-se uma acção organizada e não de simples gandulagem. Tudo indica que se trate de um grupo organizado, constituído por pessoas que desonram a causa que dizem defender.

Mas a seguir diz ainda: "Que este bando de fanáticos viva mal com a liberdade de expressão e com a democracia, ora aí está uma coisa que não me espanta".

E é aqui me interrogo: quem é que "vive mal com a liberdade de expressão e com a democracia"? Os que arrancaram os cartazes, ou todos os adversários da liberalização? É que quando o Barnabé diz que isso é algo que "não o espanta", parece que acusa todos os "pró-vida" de serem anti-democratas organizados em milícias anti-propaganda abortista. Ao dizer que "não o espanta", quer dizer que já esperava que o tal "bando de fanáticos" vivesse mal com a democracia; e agora das duas uma, ou sabe quem são os elementos do referido bando, ou atribui as culpas a todos os opositores da liberalização que, forçosamente e em sua opinião, serão um "bando de fanáticos" que não sabe viver em democracia...

Ora esta atitude - insultar quem pensa de forma diferente - é tão anti-democrática como a dos indivíduos que andam a arrancar cartazes pela calada da noite.

Mesmo que fosse a favor da liberalização do aborto, seria contra este referendo. As consultas populares não podem ser utilizadas como arma política. Suponhamos que o referendo vai avante, e que desta vez vence o "sim". Que dirão os defensores do aborto quando os "pró-vida", por sua vez, recolherem as tais cem mil assinaturas e exigirem um novo referendo?




PERSONAGENS (VIII) poucas figuras na história romana foram tão controversas como Sila (Lucius Cornelius Sulla, 138 a 78 a.C.). Amado por alguns, odiado por muitos e temido por todos, Sila era senhor de uma personalidade extremamente contraditória, sendo capaz das maiores crueldades mas também de gestos da maior liberalidade e generosidade.

Nascido num ramo empobrecido da gens Cornelia, um dos mais ilustres clãs patrícios, o jovem Sila viu-se impedido pela miséria de ascender os degraus do Cursus Honorum. Cresceu e foi educado entre as classes mais baixas da sociedade romana, vivendo entre actores, prostitutas e agiotas. Teve uma existência miserável até aos trinta anos, altura em que recebeu duas heranças que lhe possibilitaram inscrever-se no censo senatorial. Este enriquecimento repentino não deixou de levantar dúvidas entre o meio político romano, pelo que surgiram boatos atribuindo origem criminosa à súbita riqueza do jovem Sila. Diziam as más línguas que ele teria assassinado as suas duas amantes – a própria madrasta, viúva do seu pai, e uma actriz grega com quem manteria uma relação – para lhes ficar com os bens. De qualquer modo, e não obstante este ingresso tardio no mundo da política, Sila cedo deu mostras de grande competência e habilidade.

Mas a sua oportunidade de ouro surgiu quando Caio Mário, comandante da guerra contra Jugurta, o escolheu para Quaestor do seu exército. Jugurta, que se apossara do trono da Numídia, continuava a resistir às legiões romanas que o Senado enviara contra si. Não obstante as importantes vitórias alcançadas por Mário – um dos melhores generais de todos os tempos - o astuto e brilhante rei númida dava mostras de grande capacidade de resistência. Mas Sila resolveria o assunto subornando elementos próximos de Jugurta, que assim foi capturado pela traição. A guerra terminou pouco depois, mas Mário nunca perdoou a Sila o facto de este lhe ter roubado a glória. Tal facto estaria, aliás, na origem dos posteriores desentendimentos entre os dois.

Nos anos que se seguiram, Sila afastou-se cada vez mais de Mário e aproximou-se dos boni (ou optimates), a facção conservadora do Senado. E, embora lentamente, ascendeu todos os degraus do Cursus Honorum. Quando em 89 a.C. despoletou a chamada Guerra dos Aliados, Sila conseguiu um comando no teatro de operações do Sul, onde agiu de forma extremamente eficaz. Reprimiu cruelmente as cidades rebeldes – em Nola, por exemplo, mandou degolar todos os indivíduos de sexo masculino – e esmagou os exércitos samnitas. Quando a guerra terminou, o caminho para o consulado estava finalmente livre.

Cônsul aos 50 anos (oito anos mais velho que a idade considerada “ideal”), Sila implementou leis que reforçavam o poder do Senado, em detrimento dos Equites (cavaleiros). Entretanto, o Senado incumbiu-o da guerra contra Mitrídates do Ponto, que invadira a Província Romana da Ásia; Sila preparou um exército e partiu para o Sul de Itália, de onde embarcaria para o Oriente. Mas notícias de Roma surpreenderam-no: Caio Mário, o velho general, conseguira que a Assembleia do Povo lhe atribuísse o comando da guerra, retirando-o a Sila. Foi então que este tomou um decisão crucial: marchar sobre Roma com o seu exército. Foi o primeiro a fazê-lo, abrindo um precedente perigosíssimo. E, com efeito, muitos o fariam daí em diante.

Surpreendidos pela decisão de Sila, Mário e os seus partidários fugiram da Urbs. Sila impôs a ditadura, mandando prender ou executar os principais líderes da facção de Mário, os chamados populares. Embarcou finalmente para a Grécia, pensando que a situação não se alteraria. Mas enganava-se: Mário regressou do exílio, com um exército de escravos e gladiadores, impondo o terror em Roma. O velho general - outrora chamado “o Terceiro Fundador de Roma”, pelas suas vitórias sobre os Cimbros e os Teutões – estava completamente louco. Centenas de pessoas foram chacinadas, entre as quais muitos senadores. O septuagenário Mário acabaria por morrer, vítima de um derrame cerebral, no décimo terceiro dia do seu sétimo consulado – um record até à altura – mas os marianistas (Sertório, Cina, etc), continuaram no poder até ao regresso de Sila, em 83 a.C.. E então o terror foi ainda pior: Sila retomou o poder pelas armas, mandando executar todos os opositores, incluindo o filho de Mário e outros líderes populares. Decretou depois milhares de proscrições, especialmente entre a classe equestre, de modo a poder financiar os cofres do estado. Os bens dos proscritos eram vendidos em hasta pública, mas claro que nesses leilões apenas licitavam os homens de Sila, e pelo mais baixo preço possível.

De acordo com Plutarco (“Vida de Sila”), no auge da matança um grupo de jovens senadores interpelou o ditador: "We are not asking you" he said "to pardon those whom you have decided to kill; all we ask is that you should free from suspense those whom you have decided not to kill". [versão inglesa]

Depois de implementar um conjunto de leis que reforçavam o poder do Senado e neutralizavam os Tribunos da Plebe e as assembleias (leis Cornélias), Sila acabou por abandonar a ditadura, no ano 79 a.C.. Retirou-se para uma villa da Campânia, onde viveu o resto dos seus dias numa existência dissoluta. Escreveu as suas memórias – em que descrevia a sua vida como uma longa sucessão de êxitos próprios de um “favorito de Fortuna” – e entregou-se a todo o tipo de vícios que sempre ocultara do público. Os milhares de veteranos que estrategicamente distribuíra pelo Império tranquilizavam-no quanto a retirar-se e viver em sossego. Contudo, o seu retiro durou pouco, pois no ano seguinte morria corroído por vermes.

Podemos ainda recordar um breve episódio a respeito deste ditador: quando Sila tomou o poder, o jovem Júlio César, sobrinho de Mário (que era casado com a sua tia Júlia), recusou-se a divorciar-se de Cornélia Cina, filha de um dos maiores inimigos de Sila. Por esse motivo – e pela altivez de César, que o irritava – Sila mandou matar o jovem patrício. No entanto, este conseguiu fugir, escondendo-se nas montanhas. Doente e acossado pelos sicários de Sila, a sua morte parecia iminente. Foi então que um grupo de patrícios – entre os quais vários amigos do ditador – intercedeu pela vida de César junto de Sila. Este acabaria por ceder após vários rogos e insistências, mas não sem antes ter proferido uma frase profética: “cuidado com o jovem César, porque vejo nele mil Mários”. E, com efeito, não se enganava.

Ironicamente, as leis de Sila acabariam por ser revogadas mais tarde por dois dos seus lugares tenentes, Pompeu e Crasso. Plutarco escreveu o seguinte a respeito do monumento em sua honra, no Campo de Marte: “His monument is in the Field of Mars and they say that the inscription on it is one that he wrote for it himself. The substance of it is that he had not been outdone by any of his friends in doing good or by any of his enemies in doing harm”. [versão inglesa]

MIKLOS FEHER (II) Concordo plenamente com o Abrupto, que se interroga se "(...) ainda há alguém saudável a quem enoje esta gigantesca encenação de masturbação da dor, em que fora de qualquer respeito, equilíbrio, genuína e recatada tristeza, se entrega o país sob o comando do espectáculo televisivo?"

segunda-feira, janeiro 26, 2004

NOVAS LIGAÇÕES inseri links para o Preceitos para Uso do Pessoal Doméstico e para o fantástico Serendipitous, de onde extraí a nova banda sonora do Respublica.




MIKLOS FEHER não era para escrever hoje sobre a trágica morte deste jovem jogador. Talvez amanhã escrevesse algo, com a cabeça fria. Irrita-me a morbidez dos media, repetindo até à exaustão as imagens do colapso do jogador. É uma falta de respeito gritante. Não deve haver nada mais íntimo que a morte, mesmo quando esta é presenciada por milhares de pessoas num estádio de futebol. O Feher merecia mais respeito e consideração. E acho que nada mais deve ser agora dito, a não ser que "only the goods die young".

O ÚLTIMO CARRASCO encontrei um interessante site sobre o último carrasco português, Luís António Alves dos Santos (1806–1873), o Negro.

Ainda muito jovem, Luís Alves dos Santos viu-se envolvido nas lutas entre absolutistas e liberais, militando nas hostes dos primeiros. Acossado pelos liberais vencedores, fez de tudo para sobreviver, incluindo defender-se com armas na mão, o que lhe valeu ser acusado de 18 crimes - entre os quais o homicídio de dois soldados que o perseguiam - e condenado à morte. Perante as súplicas da esposa, aceitou a única alternativa que a Justiça lhe apresentava: tornar-se executor da Alta Justiça Criminal, ou seja, carrasco.

O curioso é que, apesar de até aos fins da vida ter carregado com o estigma associado à sinistra figura de carrasco, Luís Alves dos Santos não chegou a executar qualquer sentença. Da única vez que tal lhe foi pedido, em Outubro de 1845, pagou ao seu imediato para o substituir! Ele, o abominável Carrasco, era contra a pena capital: "As minhas mãos estão puras, tenho-as immaculadas da forca".

domingo, janeiro 25, 2004

A UNIÃO IBÉRICA A entrevista de José Manuel de Mello ao Expresso caiu como uma bomba: um dos mais influentes empresários portugueses, com acesso privilegiado aos corredores do poder antes e depois da Revolução, manifesta-se a favor da união ibérica. É curioso lembrar que as élites económicas portuguesas sempre foram a favor da união com Espanha, como sucedeu em 1383 e em 1580, na esperança de virem a ganhar com isso. Mas quando tal não acontece, quando os nossos nobres se apercebem que têm mais a ganhar com a independência, empreendem revoltas como a de 1128 ou golpes palacianos como o de 1640.

Compreendo no entanto que se possa pensar numa união com Espanha, especialmente tendo em conta a classe política que temos. Ou tendo em conta os empresários que temos - a quem o velho magnata também não poupa críticas. Talvez Portugal não seja realmente um país viável. Talvez os ultras do antigo regime tivessem razão ao dizer que o Império era essencial para mantermos a nossa identidade e autonomia. Todavia, e independentemente destas considerações pragmáticas, não me agrada a ideia de voltar ao domínio espanhol. Antes sermos o país mais pobre da União Europeia, que a província mais pobre da União Ibérica.

sábado, janeiro 24, 2004

NOVAS LIGAÇÕES inseri links para o Opinion Desmaker, o Bloguítica, o Cidadão Livre, a Grande Loja do Queijo Limiano, e para o Liberdade de Expressão. Tudo grandes blogues.

sexta-feira, janeiro 23, 2004




O JUDEU NOS PAINÉIS DE S. VICENTE o Almocreve das Petas não concorda com a Rua da Judiaria, quando esta identifica a figura vestida com tons escuros, no canto direito, como Isaac Abramavel, ilustre judeu português do século XV. A imagem faz parte dos painéis de S. Vicente, e há mais de cem anos que intriga os investigadores. Ou melhor, admite que possa tratar-se de Abramavel (15º avô do conhecido apresentador de televisão brasileiro Sílvio Santos), mas levanta sérias dúvidas.

Diz o Almocreve das Petas que "(...) pode ser que sim, mas a longa controvérsia em torno dos "mistérios dos painéis" desde a publicação do ensaio inicial de Joaquim de Vasconcelos em 1895 não permite, com toda a segurança, afirmá-lo. Aliás tudo à volta do políptico de S. Vicente é absolutamente extraordinário. (...) De facto, a questão não é pacífica e requer um cabedal de conhecimentos, desde o domínio da cultura da época e a leituras e saberes iconográficos, mitológicos, cabalísticos mesmo, que não estão ao alcance de qualquer um. Como exemplo da dificuldade existente, refira-se a arrumação primitiva das tábuas, o patrocinador do trabalho, ao debate sobre o menino do gorro (Painel do Infante), à suposta confusão entre o Infante D. Henrique (que ainda hoje é representado nos livros de historia como aquele homem do chapéu grande, que se vê no Painel do Infante) pela figura de D. Duarte, etc.

Como exemplo da controvérsia, diga-se que ao suposto judeu que a tese oficializada defendia há ainda poucos anos, o Dr. Belard da Fonseca há muito a resolveu a partir da leitura do texto que o homem gordo mostra, e de pesquisas feitas, e que diz tratar-se do borgonhês Olivier de la Marche. O texto decifrado pode ser lido na obra Os Mistérios dos Painéis - O Cardeal D. Jaime de Portugal, de Belard da Fonseca, que depois o traduziu. A cruz referida na Rua das Judiaria seria a Cruz de Santo André, e a cor da loba e do barrete usado, verde escura, era a libré dos "pannetiers" da casa de Bergonha. Inútil explicar quem era Olivier de La Marche. Apenas se pretende referir que não é fácil ter certezas nesta questão. Ficaria assim posta de parte tratar-se da figura de Abravanel, alquimista, sábio, bibliófilo e conselheiro de D. Afonso V (...)"


O Almocreve disponibiliza de seguida uma vasta bibliografia sobre o tema, pelo que vale a pena consultar o blog.

Pessoalmente, não disponho de muita informação sobre esta questão, mas estou mais inclinado para a hipótese de se tratar realmente de Abramavel, ou outro judeu influente na corte de Afonso V. O que me leva a pensar assim é o facto de o livro que ele segura ter caracteres indecifráveis (hebraico?) e, principalmente, o facto de o folhear da esquerda para a direita, como se pode ver aqui:




O Almocreve referiu, no entanto, que Belard da Fonseca terá traduzido os caracteres e que não seriam hebraicos. Vou investigar.

A propósito, acrescentei link para este interessante Almocreve das Petas.

AINDA O ABORTO o Alex respondeu ao meu post, não respondendo... diz ele que "(...)A igreja, o Filipe e o Paulo Portas não vão salvar nenhuma criança! Toda a vossa argumentação é completamente irrelevante! A questão não está em salvar crianças!" Pelo contrário, Alex. Ainda que se salve uma só criança já terá valido a pena. Mas concordo contigo quando dizes que a proibição, por si, não resolve o problema. Há que apostar no planeamento familiar e na implementação de medidas protectoras da maternidade. Os fetos são seres humanos, e como tal devem ser defendidos. Quanto à argumentação, é pena que muitos defensores do aborto se limitem a repetir chavões e não a argumentar! E porquê? Porque não conseguem provar que o feto não é um ser humano e que, como tal, não tem direito a viver.

O Alex continua, dizendo: "Acham que liberalizar o aborto vai provocar mais abortos? Porquê? As mulheres vão engravidar mais, de propósito, só para fazerem abortos? Ridículo." Claro que ninguém vai engravidar para fazer abortos de propósito. Mas a tendência em países como a Suécia, França e Holanda é no sentido de aumentar o número de abortos, talvez porque algumas pessoas o começam a ver como algo banal.

"Filipe, toda a gente é contra o aborto, toda a gente. Incluindo eu próprio e as mulheres (talvez uma em cada 3) que abortam. Ninguém aborta porque quer, mas sim porque tem de fazer. As que o fazem sabem de antemão que ficam com um peso na consciência, se é que não vão morrer, arranjar graves problemas médicos, incluindo ficar estéreis!"

Compreendo o sofrimento e a dificuldade que uma decisão dessas acarreta. Mas não admito que se mate um ser humano por este ser incómodo. Ou por os outros acharem que ele não vai ser feliz. Ninguém pode pôr termo à vida de outrém em função dos seus próprios interesses ou opiniões. E se todos são contra o aborto, então que façam algo no sentido de defender a maternidade e implantar medidas efectivas de planeamento familiar.

"Se não podemos salvar os fetos (óbvio), ao menos salvemos as mulheres."

Com certeza. Mas e porque é que não podemos salvar os fetos? É assim tão óbvio porquê? Já agora, legalize-se também o homicídio. Seria tudo muito mais cómodo, mais limpo e humano, se as pessoas fossem assassinadas com todos os cuidados médicos...

quinta-feira, janeiro 22, 2004




INDIA SONG ao ler na Natureza do Mal um post a respeito deste filme de Marguerite Duras, veio-me à memória uma velha história que li algures num jornal universitário...

Há cerca de 20 anos, um cineclube bracarense passou este filme de Duras. A sala encheu com estudantes e professores universitários, para além dos habituais intelectuais que não perdem este tipo de eventos, ainda que seja apenas para ficarem bem vistos.

As luzes desligaram-se para dar início à sessão. As primeiras imagens suscitaram o espanto da assistência. Extasiada, a nata académica minhota delirava com India Song... que ousadia! Que audácia cinematográfica! Duras tinha montado o filme ao contrário, começando no que era suposto ser o meio da película. No intervalo - naquele tempo ainda havia disso - todos comentavam os métodos inovadores e pioneiros da realizadora. Não faltava quem dissesse que já sabia que o filme era assim, que já o tinha visto à Paris e que era grande admirador da escrita e do cinema de Duras. E todos, claro, estavam ansiosos por assistir ao início do filme... sim, porque se começou no que era suposto ser o meio, significa que foi para intervalo no final. E depois dos quinze minutos para café, o filme recomeçaria no que era suposto ser o início e aquela soirée terminaria precisamente no que era suposto ser o meio. Uma volta de 360 graus, all around the clock! Que genialidade... cinema francês é outra coisa!

No entanto, e já de regresso à sala, os ilustres académicos foram surpreendidos por um pedido de desculpas da direcção do cineclube, pelo lamentável erro do projeccionista que, trocando as bobinas do filme, começara a projecção a meio... devem imaginar a cara de certas pessoas...

Nunca vi "India Song", mas espero ainda ir a tempo de o fazer. Talvez experimente começar a meio... quem sabe?

RESPOSTA A UM BLOGO CÉPTICO: "Writing is an acceptable form of schizophrenia" (E. L. Doctorow, in Cobra Cuspideira).

NOVAS LIGAÇÕES inseri links para A Natureza do Mal, para A Aba de Heisenberg, para a Klepsydra, para o Mar Salgado, para o Pequenas Histórias, e para o Terras do Nunca. Tudo grandes blogues.

LAICISMO RADICAL Depois da proibição do uso de sinais religiosos nas escolas, os legisladores franceses preparam-se para impor idêntica proibição a toda a função pública. O presidente Chirac diz que “devemos viver a fé no segredo dos nossos corações”, como se fosse uma falta de educação exprimirmos as nossas crenças. Olhando para a longa história do seu país, o governo francês devia saber que dá mau resultado o Estado interferir nas questões religiosas – seja para se servir da religião, seja para a perseguir, como é o caso.

Não deixa de ser curioso que seja agora mais condenável andar com um crucifixo ao peito que vestir uma mini-saia curtíssima ou um decote ousado. Nada tenho contra quem se veste de tal modo, mas não aceito que me possam impor restrições à minha fé, enquanto que em nome dessa mesma liberdade individual que me negam, permitam que outros façam o que bem entendem. Proíbam-se as procissões públicas, dizem os laicistas radicais! Impeçam-se os padres, rabinos e imãs de sair à rua com os respectivos paramentos! Proíbam-se os miúdos de andar com crucifixos ao peito!

É natural que o véu islâmico choque as consciências ocidentais. Mas a verdade é que ninguém é obrigado a usá-lo. As muçulmanas francesas não vivem no Afeganistão ou na Arábia Saudita. Se usam o véu - e salvo situações especiais – é porque assim o querem! Perseguir a sua fé só servirá para perpetuar esta situação. O véu passará a ser visto como um símbolo da resistência ao estado opressor, a grande Babilónia perseguidora das minorias.

É uma mentalidade bem jacobina que se esconde por trás das intenções do governo (não obstante este ser de direita...). É a vontade de fazer evoluir as pessoas, como se tal fosse legítimo e possível de ser imposto pelo Estado. Aliás, como se o Estado tivesse o direito de impor como as pessoas devem viver.

A atitude do governo francês é, por isso, condenável por duas razões: primeiro, porque restringe as liberdades individuais, que devem ser sagradas e invioláveis; segundo, porque dá ainda mais força ao fundamentalismo.

VALHA-NOS DEUS... concordo com o Mata Mouros, quando este refere o Possibilidade do Sentir como o "blog mais estapafúrdio" da net. A autora do dito blog será a jornalista Anabela Mota Ribeiro (será?), que diz coisas do género:

"Visto finalmente o último filme da trilogia "O Senhor dos Anéis," soube-me a pouco. Os efeitos especiais abundam e não têm falha que se lhes possa apontar mas e o resto? Será que um filme é como uma manta de retalhos dispendiosa em que cada retalho é um pixel de animação digital? E quanto à história, propriamente dita? Tanta referência ao triunfo dos homens bons e justos do Oeste perante os tiranos do Leste é obviamente uma referência ao mundo em que vivemos. E onde estão as mulheres? Relegadas para papéis secundários de serviçais e companheiras. Que Tolkien era misógino parece-me óbvio (sem desprimor para os bons amigos que tenho que são misóginos convictos) mas nesta adaptação contemporânea ao grande écran não terá sido possível usar-se a liberdade artística para o tornar mais adequado à nossa realidade? Pergunto-me, Aragorn não poderia ter sido mulher, mantendo ou potenciando a sua importância como personagem fulcral? E o mesmo vale para Gandalf, Frodo ou até Gollum. A respeito deste último, há algo a dizer. A sua representação no filme é, obviamente, uma evocação do aspecto que o corpo dos doentes com SIDA em estado terminal assume. A demonização era desnecessária, quanto a mim."

Goste-se de Tolkien ou não, este post contém tantos disparates que nem vale a pena comentar... mas Anabela não se fica por aqui, pois nos posts seguintes escreve que "(...) Tolkien é um autor menor. Digo-o sem quaisquer hesitações. Tenha os adeptos incondicionais que tiver (e são muitos até num país pouco dado a leituras como o nosso a julgar pela quantidade de impropérios com que me encheram a caixa de correio), isso não faz dele mais do que um escritorzeco de contos de fadas desprovidos da contextualização mítico-social que confere validade a esse género literário. De qualquer forma, fico positivamente satisfeita por ver que, afinal, há portugueses que lêem fora das classes ditas "intelectuais." Que leiam Tolkien, Harry Potter ou o Homem-Aranha tanto se me dá. Pelo menos, é um princípio e pode ser que um dia venham a descobrir o gosto pela literatura a sério". No entanto, reconhece "que não leu os livros porque tem as suas prioridades e há coisas mais urgentes a ler"...

Um conselho, cara Anabela: comece por ler uma biografia de Tolkien... e depois, se não lhe custar muito - não deve ser muito difícil, para alguém que diz ler Homero na versão original, sem perceber rigorosamente nada de grego! - experimente pegar na série do "Senhor dos Anéis". Vai ver que é muito mais profundo que a adaptação para cinema. Vai ver que Gollum não tem SIDA, que as mulheres desempenham um papel importantíssimo e que não se trata de uma metáfora sobre a Guerra Fria.

Nem sei se hei de rir, ou de chorar...

quarta-feira, janeiro 21, 2004

NOVAS LIGAÇÕES inseri links para o interessante Mata Mouros, e para o Homem a Dias,"o melhor blogue da blogosfera e arredores", segundo a Bomba.

SOFRIMENTO & ABORTO O Alex, estimado companheiro destas lides da blogosfera, citou e comentou dois posts meus, pelo que não posso deixar de responder às suas afirmações:

"Das duas uma: ou se é Cristão ou se é Papista, porque os papas anularam quase tudo o que de bom Cristo fez. A propósito do Sofrimento, desde quanto Cristo gostava dele? Cristo detestava o sofrimento. Quando via alguém doente, curava-o. Não fazia jejuns, comia e bebia bem, para grande escândalo dos fariseus. Gostava de se divertir e andava acompanhado de mulheres (incluindo Maria Madalena) para grande escândalo dos apóstolos, acostumados a que os homens não falassem com mulheres! Na cruz, é célebre a frase: - Pai, afasta de mim esse cálice. Quanto à igreja católica, mais afastada de Cristo não podia estar (pelo menos neste ponto)."

Claro que Cristo detestava o sofrimento, caro Alex. Tal como qualquer pessoa mentalmente sã. Mas quanto ao facto de Ele fazer ou não jejuns, deves com certeza lembrar-te dos quarenta dias de jejum no deserto, e de outras passagens bíblicas que referem os suas habituais jejuns e vigílias. Eram uma forma de estar mais próximo do Pai, desprendido de todas as questões terrenas.

Quanto à celebre frase "Pai, afasta de mim este cálice", não foi dita na cruz, mas sim na véspera da Sua morte, quando orava no jardim de Getsemani (salvo erro, é assim que se escreve...). O catolicismo não venera o sofrimento; simplesmente, aceita-o como algo inevitável e indissociável da condição humana. Se pudermos evitá-lo, tanto melhor, mas se tal não for possível, há que o aceitar e procurar aprender com ele. É a visão oposta ao hedonismo. Cristo pediu ao Pai para o livrar da morte; no entanto, submeteu-se-lhe, aceitando os tormentos que o esperavam. Mais uma vez se constata a vontade de querer escapar à dor, mas também a resignação perante um facto inevitável.

O Alex comentou ainda o meu post sobre o aborto, dizendo que "(...) ouvem-se pessoas ligadas à igreja a dizer que o "sim" significa a morte de todas as crianças e as pessoas, como na generalidade não usam o cérebro, acreditam piamente! Seria a matança dos inocentes!". Não sei quem ouviste dizer que seria a "morte de todas as crianças"; a mim não foi de certeza. Mas pela tua forma de dizer as coisas ("todas as crianças"), parece-me que admitiste inadvertidamente que um feto é uma criança, lendo-se nas tuas entrelinhas que com a liberalização do aborto morrem algumas crianças, mas não todas...

E já agora, porque não respondes às perguntas que coloquei aos defensores do aborto? Gostava de saber a tua opinião.




GRANDES PATIFES DA HISTÓRIA (I): CRISTÓVÃO DE MOURA com esta nova rúbrica pretendo lembrar personagens históricas célebres pelas patifarias que empreenderam. Claro que corro o risco de chamar patife a alguém que outros consideram herói, mas considero isso inevitável, pois a História - que na maior parte das vezes é escrita pelos vencedores - tem inúmeros exemplos de personagens controversas, que ainda hoje dividem a opinião pública e os estudiosos.

Não pretendo fazer juízos moralistas sobre as personagens que retrato; quero apenas narrar as aventuras e desventuras destes fascinantes vilões (ou não...), de forma objectiva e isenta, de forma a que os estimados leitores formem a sua própria opinião.

A primeira figura desta nova rúbrica é Cristóvão de Moura (1538-1613), 1º conde de Lumiares e 1º marquês de Castelo Rodrigo, chamado o "demónio do meio dia". Pende sobre esta personagem a ignomínia de ter sido o principal agente de Filipe II de Espanha durante a crise dinástica de 1580, tendo tudo feito para que o seu amo castelhano subisse ao trono português.

Filho de D. Luís de Moura, Cristovão de Moura Corte Real foi para Espanha ainda muito jovem, no séquito da princesa D. Joana, mãe de D. Sebastião. O fidalgo viveu quase toda a sua vida de adulto na corte de Filipe II de Espanha, de quem era amigo e conselheiro pessoal. Aliás, só voltou a residir em Portugal em 1598, ano em que faleceu o monarca ibérico. Foi depois Vice-Rei de Portugal, residindo em Lisboa e em Queluz, entre 1600 e 1603 e entre 1608 e 1612, sendo-lhe reconhecida a extrema competência, habilidade e sagacidade.

Durante a crise de 1580, Cristóvão de Moura conseguiu que a alta nobreza aderisse à causa de Filipe II. Além disso, subornou alcaides e governadores de fortalezas com ouro espanhol. Os seus inimigos chamavam-lhe "o demónio do meio dia", sendo visto como um fidalgo renegado e traidor da pátria.

Com a Restauração, a populaça destruíu o seu palácio em Castelo Rodrigo, tal era o ódio que a sua figura ainda inspirava, não obstante ter falecido há quase trinta anos. Os bens da família foram confiscados e os seus descendentes fixaram-se para sempre em terras espanholas. Cristóvão de Moura era ainda recordado como um símbolo do domínio espanhol e da Casa de Áustria, a que, diga-se, era mais dedicado que a qualquer conceito de pátria. A sua fidelidade era para com os áustrias e não para com Portugal ou Espanha.

No século XIX, com o romantismo e a emergência do sentimento nacionalista, a memória de Cristóvão de Moura foi ainda mais estigmatizada, de modo que os poucos relatos que hoje existem lhe são extremamente adversos. Foi votado a um esquecimento completo, sendo mesmo difícil encontrar referências directas a esta personagem nos compêndios históricos. E por exemplo, não encontrei qualquer retrato seu na internet. A imagem acima é da sua residência em Queluz, que mais tarde se tornou Palácio Real.

Nota: já agora, recomendo uma visita ao Cristóvão de Moura, um excelente blog.




CHARLIE, A PAPAGAIA de Winston Churchill, completou 104 anos de vida. E continua a repetir os mimos com que o velho Winston brindava Hitler e os Nazis...

terça-feira, janeiro 20, 2004




O ABORTO Sou contra um novo referendo sobre o aborto, nos próximos anos. Os referendos não podem usados como instrumentos de chicana política; passaram menos de seis anos sobre a última consulta popular. Se o referendo for avante, e se desta vez vencer o "sim", como reagirá a esquerda quando dentro de alguns anos os movimentos "pró-vida" recolherem, por sua vez, as tais setenta e cinco mil assinaturas para a realização de uma nova consulta popular sobre o aborto?

Gostava de colocar algumas questões aos defensores do aborto:

1. Se o feto não é um ser humano, o que é?

2. Se o feto é um ser humano – ainda que incompleto - tem direito a viver?

3. O feto, por não estar ainda completamente formado, tem menos direitos que a mãe?

4. Se o feto não está ainda totalmente desenvolvido, mas se tem "consciência de si", com o sistema nervoso formado – e sensações como a dor e o prazer, sendo mesmo capaz de receber e assimilar estímulos exteriores – tem menos direitos que os que "estão cá fora"?

5. Qual é a diferença, em termos de direitos, entre um bebé recém nascido e um feto de 4 ou 5 meses? Não estão ambos em evolução e crescimento? Poderá qualquer um deles sobreviver sem apoio materno?

6. Se mãe e filho são ambos seres humanos, porque é que os direitos da mãe se sobrepõem aos do filho?

7. É ou não verdade que em vários países onde o aborto é legal – França, Holanda, Suécia, etc – o número de abortos tem aumentado cada vez mais, contrariando o discurso dos movimentos pró-aborto, que afirmam querer combater o flagelo?

8. É ou não verdade que os partidos e movimentos pró-aborto nada fizeram para defender e promover a maternidade, inclusive quando o PS foi governo?

9. Quando existem tantos meios de planeamento familiar e prevenção da gravidez - acessíveis, apesar de tudo, à maioria da população, salvo algumas excepções - será lícito admitir o aborto?

10. Qual o caminho a seguir: apoiar a maternidade, educar as crianças para uma sexualidade saudável e responsável, ou liberalizar o aborto?


À falta de outros argumentos, os defensores do aborto recorrem ao insulto ou repetem os chavões do costume, como o que diz que Portugal está atrasado em relação ao resto da Europa. Portugal também tem uma legislação laboral mais rígida que o resto da União... também estaremos atrasados neste domínio?

Eu sei que muitos dos pretensos "pró-vida" são precisamente os mesmos que se opõe a medidas de protecção à maternidade no emprego, por exemplo. Ou que nada fazem para implementar a educação sexual das escolas. Mas também sei que muitos dos que defendem o aborto também nada fazem para defender a maternidade; até porque sabem que se o Estado realmente apoiasse e protegesse a maternidade, perderiam um bom pretexto para defender o aborto. A sociedade civil tem desempenhado um importante papel neste campo (Ajuda de Mãe, etc); o Estado deve procurar apoiá-la devidamente, ou seguir-lhe o exemplo.

Os defensores do aborto acusam-nos de querermos impôr as nossas convicções aos outros, restringindo a liberdade das mulheres de dispôr livremente do seu corpo. Não percebem que o que está em causa não é a liberdade das mulheres, mas o respeito pela vida humana. E é dever de qualquer um de nós defendê-la, ainda que isso vá contra o politicamente correcto ou as modas da nossa época. A vida é sagrada, quer queiram quer não, por mais incómoda que seja.




AS GUERRAS CIVIS PORTUGUESAS permanecem algo esquecidas. Aliás, e paradoxalmente, as menos recordadas são precisamente as mais recentes. Refiro-me, como é evidente, à guerra entre Liberais e Absolutistas (1832/1834), às guerras que se seguiram entre as diferentes facções liberais, e à chamada "Monarquia do Norte" (1919). Nos próximos dias, escreverei alguns posts sobre estas lutas esquecidas, que tanto contribuiram para a construção do Portugal moderno.




IMAGENS (III) esta é uma foto da Mesquita de Al Aqsa, em Jerusálem. Construída no local do antigo Templo de Salomão - do qual apenas resta o célebre Muro das Lamentações - é o mais importante santuário do Islão, a seguir a Meca. Os muçulmanos acreditam que o Profeta Maomé aqui ascendeu aos céus.




A BATALHA DO CABO MATAPÃO foi a última grande batalha naval de importância internacional travada pelos portugueses. Em 28 de Abril de 1717, largou de Lisboa uma esquadra portuguesa composta por sete naus de guerra, dois brulotes e dois navios auxiliares, num total de 526 canhões e 3840 homens de guarnição. O seu destino era o Mar Egeu, onde se deveria reunir às esquadras veneziana, papal, florentina e maltesa, para em conjunto enfrentarem a poderosa armada turca que então ameaçava a Itália.

O Papa e a Sereníssima República de Veneza, ameaçados pelas poderosas forças do Sultão, pediram ajuda à França, Espanha e Portugal. Mas apenas D. João V respondeu ao pedido de ajuda do Pontífice, na esperança de assim conseguir títulos honoríficos para si e para o clero português.

Estrategicamente, a batalha de Matapão saldou-se por um empate entre turcos e cristãos; no entanto, a esquadra portuguesa cobriu-se de glória, tendo mesmo evitado a derrota - que possibilitaria uma eventual invasão de Itália pelos turcos - conforme se pode ler neste relato da batalha:

(...) Logo que começou a soprar a aragem de SSW é natural que Bellefontaine a tenha querido aproveitar para reorganizar a formatura, criando as condições necessárias para que toda a armada cristã pudesse tomar parte na batalha. Com esse fim é provável que tenha feito o sinal para virar em roda a fim de meter os dez navios que constituíam a retaguarda da armada no alinhamento da esquadra de Veneza, que, como foi dito, já tinha efectuado essa manobra da parte da manhã. Lentamente a São Lourenço e todas as demais naus que seguiam à frente da de Bellefontaine viraram em roda e foram colocar-se no alinhamento das naus de Veneza com a proa a SE. Mas com as naus que seguiam atrás dele as coisas passaram-se de maneira diferente. A Nossa Senhora do Pilar, almiranta de Portugal, de que era capitão Manuel de Távora da Cunha, conde de São Vicente, ou porque não tivesse compreendido o sinal, ou porque entendesse que não recebia ordens de Bellefontaine, ou muito simplesmente porque achasse que seria uma desonra afastar-se deliberadamente do inimigo, não virou de bordo, continuando em frente! As três naus portuguesas e a veneziana que navegavam nas suas águas seguiram-lhe o exemplo. Daí resultou terem ficado quatro naus portuguesas e uma veneziana isoladas a barlavento da coluna cristã, combatendo com quinze turcas!

Pela mesma altura a armada turca virou também em roda, ficando com a proa a NW, o que a fez aproximar da cristã. Reduzida a distância de tiro, embora sem permitir ainda o uso da mosquetaria, o duelo de artilharia redobrou de intensidade. Durante mais três horas a Nossa Senhora do Pilar, a Fortuna Guerreira, a Santo Rosa, a Nossa Senhora da Conceição e a Nossa Senhora da Assunção bateram-se galhardamente contra um adversário muito mais numeroso e igualmente determinado, provocando a admiração entre as guarnições dos navios que não estavam em acção. A dada altura, o conde de São Vicente, no desejo de se aproximar ainda mais do inimigo, começou a orçar, dando ideia de se querer bater sozinho com toda a armada turca! O conde de Rio Grande teve de lhe fazer sinal para regressar à formatura.

Durante esta fase da batalha, a mais intensa de todas, dada a menor distância que separava os dois adversários, é natural que tenham aumentado consideravelmente os danos e as baixas sofridos por ambos. A fim da tarde é muito provável que os principais navios turcos, em resultado dos dois combates que haviam travado anteriormente com os venezianos e do fogo nutrido que tinham feito durante todo o dia, já estivessem a lutar com falta de munições. O certo é que puxaram tudo para a orça e começaram a afastar-se para o mar. Aos olhos da armada cristã era como se estivessem a bater em retirada, corridos pelas quatro intrépidas naus portuguesas e pela sua companheira veneziana.

O grosso da armada cristã, encontrando-se no interior da enseada de Hapan com muito pouco vento não pôde, de imediato, lançar-se em perseguição dos turcos. Quando conseguiu sair dela já estes iam longe. Os navios portugueses, de um modo geral, ficaram com o aparelho muito danificado e tiveram, por junto, cerca de cinquenta mortos e cento e cinquenta feridos. Os danos e as baixas sofridos pelas duas naus de Malta devem ter sido menores, uma vez que estiveram durante menos tempo envolvidas em combate. Os navios venezianos pouco ou nada devem ter sofrido. Quanto aos turcos, constou que tinham tido um navio afundado pelo tiro da artilharia e outro incendiado por acidente, o que não é confirmado pelas testemunhas oculares. Disse-se também que tinham sofrido para cima de seis mil mortos, o que parece francamente exagerado. O mais natural é que tenham sofrido danos e baixas sensivelmente iguais aos dos cristãos. (...) Sob o ponto de vista estratégico, a batalha do cabo Matapão não teve qualquer repercussão sobre o desenrolar da guerra, continuando os Turcos, como anteriormente, senhores absolutos do mar Egeu."


Desde então, armada portuguesa não voltou a participar em combates desta importância, nem a desempenhar um papel tão decisivo no desenrolar de um conflito, próprio de uma grande potência marítima.

A título de curiosidade, refira-se que, graças ao nosso honroso desempenho em Matapão, D. João V foi agraciado pelo Papa com o título de "Majestade Fidelíssima" e o bispo de Lisboa recebeu o de Patriarca.

VOTAR AOS 16? Mais uma vez, a Juventude Socialista (JS) enveredou por um discurso populista e panfletário, com uma proposta no sentido de alargar o direito de voto aos cidadãos de 16 anos. Esta proposta é quanto mais inadequada quando se sabe que, hoje em dia, a adolescência se prolonga até cada vez mais tarde. Além de irresponsável, esta é uma proposta demagógica e anti-democrática. Mas claro que para a JS o que interessa é conquistar mais eleitorado, para que possa apresentar medidas importíssimas para o destino deste país, como a legalização das drogas leves ou a liberalização do aborto.

segunda-feira, janeiro 19, 2004




ABORTO & EUTANÁSIA descobri um interessante site sobre estas questões. Claro que o "interessante" depende do ponto de vista... e o pior cego é aquele que não quer ver.

Neste site encontrei também a Encíclica Evangelium Vitae, de onde transcrevo as seguintes linhas:

"(...) Tudo isto fica agravado por uma atmosfera cultural que não vê qualquer significado nem valor no sofrimento, antes considera-o como o mal por excelência, que se há-de eliminar a todo o custo; isto verifica- -se especialmente quando não se possui uma visão religiosa que ajude a decifrar positivamente o mistério da dor. Mas, no conjunto do horizonte cultural, não deixa de incidir também uma espécie de atitude prometéica do homem que, desse modo, se ilude de poder apropriar-se da vida e da morte para decidir delas, quando na realidade acaba derrotado e esmagado por uma morte irremediavelmente fechada a qualquer perspectiva de sentido e a qualquer esperança. (...) Com efeito, quando prevalece a tendência para apreciar a vida só na medida em que proporciona prazer e bem-estar, o sofrimento aparece como um contratempo insuportável, de que é preciso libertar-se a todo o custo. A morte, considerada como "absurda" quando interrompe inesperadamente uma vida ainda aberta para um futuro rico de possíveis experiências interessantes, torna-se, pelo contrário, uma "libertação reivindicada", quando a existência é tida como já privada de sentido porque mergulhada na dor e inexoravelmente votada a um sofrimento sempre mais intenso."




A SUPERIORIDADE MORAL da Europa sobre os Estados Unidos é hoje muito apregoada por certos intelectuais da nossa praça. Para estes senhores, a Europa é superior em tudo: civilização, cultura, sistema político, económico e social. Manifestam-se contra o poderio militar americano, quando é de todos sabido que sem tal poderio a Europa não poderia gozar da paz e prosperidade de que usufrui há mais de cinquenta anos. Criticam o sistema político americano com a habitual soberba dos iluminados, mas esquecem pormenores como este: nos EUA, os candidatos à presidência são escolhidos directamente pelo povo e não por máquinas partidárias que de democráticas não têm nada.

Com certeza que o sistema político e económico americano tem os seus defeitos (desigualdades sociais, neo-liberalismo galopante, etc); mas será o nosso assim tão perfeito?




A BATALHA DE ALCÂNTARA permanece algo esquecida. Travada em 25 de Agosto de 1580, a batalha de Alcântara terminou com a vitória do Duque de Alba, general de Filipe II de Espanha, que facilmente desbaratou as milícias de Lisboa lideradas por D. António, Prior do Crato. Duzentos anos depois de Aljubarrota, eis que os espanhóis conseguiam finalmente conquistar Portugal.

Com o desaparecimento de D. Sebastião em terras da mourama, sucedeu-lhe no trono o seu tio avô, o Cardeal D. Henrique. Não tendo este descendência, abriu-se uma grave crise dinástica que pôs em perigo a independência nacional. Existiam sete pretendentes ao trono, cada um com o respectivo partido: D. Catarina de Bragança, filha de D. Manuel I; Filipe II de Espanha, neto de D. Manuel por via feminina; o duque de Sabóia, também neto do referido monarca por via materna; D. António, Prior do Crato, filho natural do infante D. Luís, igualmente filho de D. Manuel; e o duque de Parma, por ser neto, por sua mãe, do príncipe D. Duarte, filho também de D. Manuel. Além disso, existiam ainda dois outros pretendentes, cujos "direitos", no entanto, eram muito discutíveis. Eram eles Catarina de Medicis, rainha de França, dizendo-se descendente de D. Afonso III, e o Papa, que desejava suceder ao Cardeal Rei, por se considerar herdeiro natural dos cardeais da Igreja. Como seria de esperar, os três candidatos mais fortes eram Filipe II, D. António e D. Catarina. E deste triunvirato, o monarca castelhano era obviamente o mais rico e poderoso.

Fazendo uso dos bons ofícios do célebre Cristóvão de Moura - o demónio do meio dia - Filipe II conseguiu a adesão ao seu estandarte da maioria da alta nobreza (os mesmos que, sessenta anos depois, expulsariam os espanhóis!). D. António nada pôde contra isto, não obstante ter sido aclamado rei em Santarém e de contar com o apoio da maioria dos burgos portugueses. Em Alcântara, as suas mal preparadas milícias não estiveram à altura do mais poderoso exército do mundo de então.

O Cardeal Rei contribuiu muito para este triste estado de coisas, recusando reconhecer a legitimidade dinástica de D. António. Os ressentimentos de D. Henrique tinham origem no abandono da carreira eclesiástica por parte do seu sobrinho. E tais ressentimentos mesquinhos ditariam o triste fado de Portugal, entregue doravante ao domínio filipino.

D. António viveu ainda mais alguns anos, nunca desistindo da sua causa. Quanto a Filipe II, foi aclamado rei de Portugal, governando um império onde o sol nunca se punha.

Encontrei um relato da batalha de Alcântara, onde se pode ler:

"Passa-se a noite de 24 a 25 em cuidado no campo português, alarmado por falsos prenúncios de ataque, ordenados pelo duque. Ao romper do dia 25 está êste nos Moinhos da Estrangeira, seu local de comando, escolhido em frente do extremo flanco direito de D. António. Falha-lhe, porém, o ataque simultâneo, unitário que preparara. Próspero Colonna avança isolado e é repelio. Pede reforços ao duque... Êste, porém, não se perturba. E a manobra, implacável, prossegue sôbre a nossa direita donde, parece, tropas haviam sido, pouco antes, retiradas para refôrço da ponte, no extremo oposto. Enfraquecido o flanco defensivo português, organizado ao sul da ravina dos Sete Moinhos e desprovido também, cremos, de patrulhas avançadas que prevenissem da ameaça iminente, da infantaria de Sancho de Ávila - é êle julgamos, tomado fácilmente, por quási de surprêsa. E logo essa infantaria, em breve reforçada pela cavalaria de D. Fernando de Toledo, marcha em combate frente ao sul, correndo ao longo da nossa linha de batalha. Formada face a oeste, ccomo poderia esta, em dez ou vinte minutos, improvisar, por uma conversão de noventa graus ao norte, uma nova frente de combate ? Não resistem à prova nóssas milícias ; não resistiria ainda um exército de profissionais, mesmo mais numeroso."

E remata o cronista:

"Porém já iniciada a debandada, ainda no outro flanco tropas há que, pela coragem fria com que se mantêm, lembram Aljubarrota e anunciam Montes-Claros, vitórias gloriosíssimas que, quando outras não houvera, redimiriam tôdas as derrotas."

UM INTERESSANTE SITE com biografias de dezenas de personagens históricas... uma pérola para os aficionados.




A FRASE (VIII) "Forget injuries, never forget kindnesses" (Confúcio).

sexta-feira, janeiro 16, 2004




A MULHER VISTA PELOS MEDIA O Salto Alto, blog "com interesses no feminino", tem reflectido sobre a forma como os media falam das mulheres, como espelho da importância que elas possuem na nossa sociedade. Um post de Joana Pinto, minha estimada colega de curso, chamou-me a atenção por referir que "(...) as mulheres são muitas vezes notícia em Portugal, embora por motivos que maioritariamente lhes conferem uma imagem negativa. É raro ser uma mulher a ganhar um Prémio Nobel ou a ser reconhecida por ter construído por exemplo alguma coisa importante, mas é bastante comum ler-se num jornal, numa revista, numa publicação on-line, assistir-se na televisão ou ouvir-se na rádio notícias sobre prostituição feminina, mães solteiras, violações ou violência doméstica, entre muitas outras". Concordo plenamente. E a articulista prossegue, afirmando: "Sem me querer contradizer, devo salientar que a mulher não é abordada pelos Media de uma forma exclusivamente negativa. No entanto, é necessário frisar que a maioria das notícias que dão voz ao sexo feminino são depreciativas para esse mesmo sexo. Não sei se será necessário mudar a forma como se escreve sobre as mulheres, mas penso que uma mudança de atitudes dentro da nossa sociedade, na forma como estas são tratadas, poderá ajudar nos substancialmente a ter outra visão deste sexo e isso levará progressivamente a outras formas de escrita sobre o "sexo fraco", que afinal tem muita força". De facto, todas as formas de violência e discriminação contra as mulheres são deploráveis e inaceitáveis numa sociedade democrática, e como tal devem ser combatidas.

Mas a questão que agora coloco é outra, com base nesta afirmação da Joana: "(...) não sei se será necessário mudar a forma como se escreve sobre as mulheres". Deveria existir discriminação positiva a favor das mulheres, no discurso dos media? Deveriam estes procurar evitar passar esta imagem "depreciativa" das mulheres?

Em minha opinião, não. E por duas razões: primeiro, por duvidar da eficácia das chamadas medidas de discriminação positiva. Segundo, por não considerar legítimo que os media "embelezem" propositadamente a realidade. Embora reconheça que os jornalistas não são meros mensageiros, não acredito no jornalismo de causas, por mais justas que estas sejam.

Não acredito na eficácia das medidas de discriminação positiva, independentemente do contexto em que sejam postas em prática. Penso que, na verdade, acabam por perpetuar e escamotear as situações de desigualdade que seria suposto combaterem. Por exemplo, as quotas mínimas obrigatórias para mulheres nas listas candidatas à Assembleia da República não se traduzem num aumento da participação das mulheres na vida política, quando sabemos que as chefias partidárias escolhem apenas as candidatas que lhes convém. Podem existir mais mulheres no Parlamento, mas existirão melhores mulheres? Ou melhores pessoas? Neste caso concreto, e recorrendo ao exemplo referido pela Joana do facto de existirem poucas mulheres que tenham recebido o prémio Nobel, seria justo e apropriado que os media dessem mais atenção a uma mulher agraciada com o dito prémio - pelo simples facto de ser mulher - que a um cientista homem que, por exemplo, descobrisse a cura contra a SIDA?

O Jornalismo e Comunicação citou recentemente um artigo de José Vítor Malheiros, segundo o qual "os jornalistas não são mensageiros porque o seu papel não consiste em transportar de um lugar para outro - das folhas de um processo para as páginas de um jornal, por exemplo - uma dada mensagem. Um jornalista não é um estafeta reduzido a um papel de mero transporte, nem um pé de microfone. (...) os jornalistas, sendo mediadores porque estabelecem uma mediação entre leitores e sociedade, são produtores de informação e possuem o dever de escolher, filtrar e validar as notícias que dão - a partir da informação que recolhem activamente ou que recebem passivamente - e até de traduzir, descodificar, explicar, enquadrar ou mesmo comentar as notícias que o exijam. São os autores das notícias".

Embora não seja ninguém para concordar ou discordar com o cronista - sou apenas um estudante de comunicação! - devo dizer que sim, que penso de igual forma. No entanto, o facto de os jornalistas não serem meros mensageiros, e de fazer parte das suas funções a selecção, validação e explicação das notícias, não significa que devam escolher as notícias em função de determinados objectivos políticos ou ideológicos, como sejam, neste caso, a melhoria da imagem das mulheres aos olhos do público.

Creio que o jornalismo deve estar apenas comprometido com duas ideias chave: dizer a verdade (ainda que isso signifique falar de temas incómodos e depreciativos), e a defesa do sistema democrático, sem o qual o próprio jornalismo perderia a sua razão de ser.

quinta-feira, janeiro 15, 2004

D. SEBASTIÃO E ALCÁCER QUIBIR (II) o Jorge do Cobra Cuspideira, a quem agradeço e retribuo as simpáticas palavras que me dirigiu, publicou um interessante post sobre a aventura africana de D. Sebastião. O texto do Jorge completa e dá continuidade a um recente post meu sobre este mesmo assunto, pelo que recomendo a visita.

SONS (II) "I Hope That I Don't Fall In Love With You", de Emiliana Torrini:

"Well, I hope that I don't fall in love with you.
'Cause falling in love just makes me blue.
When the music plays and you display your heart for me to see.
I had a beer and now I hear you calling out for me.
And, I hope that I don't fall in love with you.

Well, the room is crowded, people everywhere.
And I wonder should I offer you a chair.
Well, if you sit down with this old clown, take that frown and break it.
Before the evening's gone away, I think that we could make it.
And, I hope that I don't fall in love with you.

Well, the night does funny things inside a man.
This old tom-cat feelings you don't understand.
Well, I turn around to look at you, you light a cigarette.
I wish I had the guts to bum one, but we've never met.
And I hope that I don't fall in love with you.

I can see that you are lonesome, just like me.
And it being late, you'd like some company.
Well, I turn around to look at you, and you look back at me.
The guy you're with has up and split, the chair next to you is free.
And I hope that you don't fall in love with me.

It's closing time, the music's fading out.
Last call for drinks, I'll have another stout.
Well, I turn around to look at you, you're nowwhere to be found.
I search the place for your lost face, guess I'll have another round.

And I think that I just fell in love with you."





"AUGUSTO" passa hoje na RTP1 o primeiro episódio de uma mini-série sobre o imperador Augusto. O spot promocional deixou-me com a pulga atrás da orelha: "a história de um homem justo e poderoso". Poderoso sim, mais do que ninguém até à altura. Mas justo? Tenho as minhas dúvidas! Basta pensar nas proscrições que ordenou. E diz ainda o spot: "um dos maiores imperadores romanos"... porque não dizer o "primeiro dos imperadores"?




A FRASE (VII) "Aquele que não consegue viver em sociedade, ou aquele que disso não necessita por se achar auto-suficiente, ou é um animal ou um deus" (Aristóteles)





PIO XII E O NAZISMO (II) Conforme referi num post do passado dia 7, tenho lido o polémico "O Papa de Hitler", de John Cornwell. Não fiquei convencido com a argumentação do autor, embora admita que ele possa ter razão em alguns aspectos. Cornwell analisou a vida e a carreira de Eugénio Pacelli, futuro Pio XII, pesquisando nos arquivos da Santa Sé.

1. A personalidade de Pio XII: o autor descreve psicologicamente Pacelli baseando toda sua a argumentação em meras conjecturas pessoais, ignorando completamente os testemunhos das muitas pessoas que privaram com o Papa. Assim sendo, Cornwell descreve a personalidade de Pacelli da forma que melhor convém à sua tese, sem dispor de provas sólidas para tal. Por exemplo, acusa Pacelli de anti-semitismo, fazendo uso de uma carta do então Núncio na Baviera, datada de 1919, em que este relatava o assalto da sua casa por um grupo de “judeus bolcheviques”. A expressão “judeus bolcheviques” seria, na opinião de Cornwell, uma prova dos sentimentos anti-semitas de Paceli, esquecendo-se que naquela época era muito comum – dentro e fora da Igreja - a associação entre judaísmo e bolchevismo. Além disso, era normal fazer referência à religião das pessoas; se os assaltantes fossem protestantes, talvez Pacelli se referisse a “luteranos bolcheviques”. Mas isso não significa que o Papa odiasse os luteranos ou fosse a favor do seu extermínio! Outro argumento utilizado como pretensa “prova” do anti-semitismo de Pacelli é o facto de ele em criança ter tido um professor anti-semita. Nada mais estúpido; também tive professores comunistas e salazaristas, e não sou uma coisa nem outra.

2. A política das concordatas: o autor é especialmente crítico da política de concordatas que Pacelli pôs em prática enquanto diplomata e secretário de estado da Santa Sé. Está no seu direito. Eu, contudo, compreendo que a Igreja procure defender os seus interesses. É perfeitamente legítimo.

3. A neutralização do Partido do Centro: o autor acusa Pacelli de, enquanto Secretário de Estado (durante o Pontificado de Pio XI), ter celebrado uma concordata com Hitler que permitiu aos nazis alcançarem o poder absoluto. Pelos termos desta concordata, os interesses da Igreja seriam respeitados pelo regime nazi, em troca da dissolução do Partido Católico do Centro, então um dos principais partidos políticos alemães (percursor do actual CDU). Segundo Cornwell, Pacelli permitiu a dissolução do Partido do Centro porque a Santa Sé “não o conseguia controlar”; ora se assim era, porque é que o Partido do Centro aceitou as “ordens” do Vaticano para se dissolver? Se era assim tão independente do Vaticano, porque é que se dissolveu quando o Papa ordenou? Parece-me que Pacelli percebeu que a tomada do poder pelos nazis era uma questão de tempo, e que provavelmente Hitler recorreria à violência contra a oposição - incluindo o Partido do Centro. Assim sendo, capitulou perante Hitler mas não sem antes negociar condições vantajosas para a Igreja. Vista agora, esta atitude pode parecer-nos covarde e hipócrita; mas ninguém conhecia ainda a verdadeira natureza do nazismo.

4. O silêncio perante o Holocausto: esta é a principal acusação que Cornwell move contra Pio XII, desvalorizando os testemunhos da época que referem os esforços do Papa para salvar o maior número possível de vidas. A sua oposição pública ao Holocausto não foi além de uma breve alusão, na mensagem de Natal de 1942, em que recordou "as milhares de pessoas destinadas ao extermínio, por questões raciais". O autor considera esta alusão insuficiente e ambígua. Talvez tenha razão, e o Papa tenha substimado a sua força e a da Igreja. Mas o próprio Cornwell reconhece que Hitler tinha planos para raptar Pio XII e eliminar o catolicismo. Essa seria, aliás, a sua "última tarefa" - não podemos esquecer que o nazismo alemão e o fascismo italiano, ideologias neo-pagãs, eram também inimigos da Igreja e do Cristianismo. Assim sendo, parece-me lógico que se o Papa tivesse criticado abertamente o regime nazi teria posto em perigo a vida de milhões de católicos. Ao mesmo tempo, o autor desvaloriza as provas dos esforços que o Papa terá empreendido em privado para salvar o maior número possível de vidas, sem no entanto apresentar argumentos sólidos que as contrariem.


Podemos discordar da orientação política de Pio XII, e do rumo que ele deu à Igreja, reforçando o poder papal e olhando com desconfiança a democracia. O mesmo se passa em relação às suas concepções morais que, contudo, devem ser analisadas à luz daquela época. Mas daí a acusá-lo de pactuar com o nazismo...

Creio que a obra de Cornwell peca essencialmente por dois aspectos: baseia-se demasiado nas suposições e no "talvez" e, ao mesmo tempo, esquece os testemunhos da época - quer das milhares de pessoas que conheceram o Papa, quer da opinião pública italiana e internacional. Em minha opinião, Pio XII era um diplomata brilhante, que defendia os interesses da Igreja acima de tudo. Talvez tenha acabado por negociar com o diabo em pessoa, mas o livro de Cornwell não é suficientemente conclusivo a esse respeito.

quarta-feira, janeiro 14, 2004




IMAGENS (II) já devem ter reparado que ando muito oriental, muito turco/bizantino. Esta é uma foto do interior da célebre igreja de Santa Sofia ("Hagia Sofia" - ou seja, "Santa Sabedoria"), em Istambul, antiga Constantinopla. Construída pelo imperador Justiniano no século VI (ver rúbrica Personagens - VI, neste blog), foi o maior templo da cristandade até à conquista turca de Constantinopla, em 1453, na sequência da qual foi transformada em mesquita. Em 1932, contudo, Kemal Ataturk transformou-a em museu. Uma verdadeira maravilha.

VÍTOR DE SÁ José Pacheco Pereira, no seus blogues Abrupto e Estudos sobre o Comunismo, assinalou o recente óbito de Vítor de Sá. Gerou-se entretanto uma polémica entre JPP e os familiares do falecido líder comunista, devido a algumas observações menos simpáticas do primeiro. Todavia, não pretendo entrar em tal discussão, uma vez que não conheci pessoalmente Vítor de Sá. Aliás, nem era nascido à data dos acontecimentos em questão.

O que me leva a escrever sobre Vítor de Sá é o facto de admirar profundamente todos aqueles que, em defesa das suas convicções, têm a coragem de enfrentar os poderes instituídos. Sendo um homem inteligente e trabalhador, Vítor de Sá podia ter escolhido o caminho mais fácil; entrando no sistema, teria certamente alcançado a elevada posição própria do seu mérito e capacidades. Mas não. Vítor de Sá escolheu o caminho mais difícil, pagando cara a sua oposição ao fascismo.

A minha orientação política é diferente da de Vítor de Sá. Mas não posso deixar de admirar a coerência, a coragem e determinação de um homem que toda a vida lutou por aquilo em que acreditava. Há poucos assim em Portugal.




SÍSIFO, O CONDENADO no mesmo site encontrei uma narração do mito de Sísifo, personagem que encarnava a astúcia e rebeldia do homem frente aos desígnios divinos:

"(...) a sua audácia, no entanto, motivou exemplar castigo final de Zeus, que o condenou a empurrar eternamente, ladeira acima, uma pedra que rolava de novo ao atingir o topo de uma colina, conforme se narra na Odisséia. Sísifo é citado na Ilíada de Homero como filho de Éolo (iniciador da estirpe dos eólios). Rei de Éfira, mais tarde Corinto, é tido como o criador dos Jogos Ístmicos celebrados naquela cidade e como o mais astuto dos homens. Em relatos posteriores a Homero, aparece como pai de Ulisses, que teria gerado com Anticléia. A lenda mais conhecida sobre Sísifo conta que aprisionou Tânato, a morte, quando esta veio buscá-lo, e assim impediu por algum tempo que os homens morressem. Quando Tânato foi libertada, por interferência de Ares, Sísifo foi condenado a descer aos infernos, mas ordenou à esposa, Mérope, que não enterrasse seu corpo nem realizasse os sacrifícios rituais. Passado algum tempo, pediu permissão a Hades para regressar à Terra e castigar a mulher pela omissão e não voltou ao além-túmulo senão muito velho. Sua punição final reafirma uma provável concepção grega do inferno como lugar onde se realizam trabalhos infrutíferos."




O MITO DE NARCISO Navegando ao acaso pela internet, aportei num interessante site sobre mitologia grega. Entre outras histórias, encontrei uma narração do mito de Narciso, que vale a pena recordar:

"A lenda de Narciso, surgida provavelmente da superstição grega segundo a qual contemplar a própria imagem prenunciava má sorte, possui um simbolismo que fez dela uma das mais duradouras da mitologia grega. Narciso era um jovem de singular beleza, filho do deus-rio Cefiso e da ninfa Liríope. No dia de seu nascimento, o adivinho Tirésias vaticinou que Narciso teria vida longa desde que jamais contemplasse a própria figura. Indiferente aos sentimentos alheios, Narciso desprezou o amor da ninfa Eco - segundo outras fontes, do jovem Amantis - e seu egoísmo provocou o castigo dos deuses. Ao observar o reflexo de seu rosto nas águas de uma fonte, apaixonou-se pela própria imagem e ficou a contemplá-la até consumir-se. A flor conhecida pelo nome de narciso nasceu, então, no lugar onde morrera. Em outra versão da lenda, Narciso contemplava a própria imagem para recordar os traços da irmã gêmea, morta tragicamente. Foi, no entanto, a versão tradicional, reproduzida no essencial por Ovídio em Metamorfoses, que se transmitiu à cultura ocidental por intermédio dos autores renascentistas. Na psiquiatria e particularmente na psicanálise, o termo narcisismo designa a condição mórbida do indivíduo que tem interesse exagerado pelo próprio corpo."




PERSONAGENS (VII) o que me fascina na figura de Agostinho de Hipona (354 a 430 d.C.) é a intensidade com que este filósofo e Padre da Igreja viveu a sua longa vida. Nascido em Tagaste, na província romana de África, o jovem Agostinho cedo adoptou uma vida boémia e despreocupada, com jogo, copos e mulheres q.b.. Professor de retórica em Milão, converteu-se ao maniqueísmo. Mais tarde, por instâncias de sua mãe e de Ambrósio, Bispo de Milão, acabou por se converter ao Cristinianismo. Mesmo assim, demorou a mudar de vida; é célebre uma sua oração pela qual pedia ao Criador para o "fazer casto, mas não já".

Todavia, Agostinho foi ordenado sacerdote em 391, sendo investido Bispo de Hipona quatro anos depois. Sendo homem de paixões intensas, revelou pelo cristianismo o mesmo fervor e intensidade que anos antes colocara na busca dos prazeres carnais. Como resultado, produziu uma extensa obra, em que procurava conciliar o cristianismo com o platonismo. Quando morreu, durante a conquista vândala de Hipona, em 430, era já reconhecido como um dos principais pensadores cristãos. Foi declarado Doutor da Igreja e canonizado. Daí que muitos o conheçam como Santo Agostinho.




O BEM E O MAL Faço minhas as palavras do Ricardo, dos Meninos de Ouro, a respeito da distinção entre o Bem e o Mal. Diz ele que "(...) no mundo conturbado em que vivemos, cada vez mais pessoas esclarecidas procuram uma distinção nítida entre Bem e Mal, para que todas as nossas energias e vontades sejam aplicadas na direcção certa, e para que cada um possa ser responsabilizado sobre as escolhas que faz na sua vida". Não podia estar mais de acordo.

O relativismo moral - segundo o qual tudo é relativo, incluindo o certo e o errado - conduz ao desnorte e à perda de referências. E no mundo conturbado em que vivemos, estas referências são cada vez mais necessárias.

terça-feira, janeiro 13, 2004

NOVAS LIGAÇÕES inseri links para o Avatares de Desejo e para o Jaquinzinhos.




D. SEBASTIÃO E ALCÁCER QUIBIR existe ainda muita discussão em torno desta batalha que ditou a perda da nossa independência, e cujas consequências ainda estaremos a pagar. O que levou D. Sebastião a empreender tão trágica empresa? Seria louco, ingénuo ou simplesmente obcecado pelo ideal cristão de cavalaria? Talvez de tudo um pouco. No entanto, creio que ele não era muito diferente de outros conquistadores da História, com a diferença que, por um enorme azar, falhou nos seus intentos. Se D. Sebastião viu frustradas as suas ambições, a verdade é que a vitória esteve por um triz. Aliás, se em Alcácer Quibir o dia fosse ganho pelos portugueses - o que não aconteceu apenas por um mísero mal entendido - talvez D. Sebastião fosse agora visto como um dos maiores reis da nossa história. E isto independentemente dos erros estratégicos que o jovem rei tenha cometido no desenrolar da campanha, até ao dia da batalha.

O Prof. Queirós Veloso, no seu livro "D. Sebastião", descreveu a batalha, destacando-se aqui o mal entendido que constituiu o momento de viragem que levou à vitória muçulmana:

"Os aventureiros mais audazes conseguem apoderar-se de dois estandartes de Abde Almalique. Vêem-no descer do cavalo, convencidos de que um tiro de arcabuz tangerino o matara. Soltam-se lo gritos : "Vitória! Vitória! O maluco é morto!" Mas os elches e os azuagos, que formavam a retaguarda, acodem rápidamente a preencher o lugar dos fugitivos ; uma bala fere então, numa perna, o capitão Álvaro Pires de Távora. O sargento-mor, Pedro Lopes, manda-o conduzir para uma das liteiras, que havia na bagagem; e certamente, com receio de que a retirada se tornasse difícil, ordena que se detenham, dando a celebrada voz : "Ter! Ter!" O entusiasmo, que os impelia, esmorece. Hesitam, e quando decidem de retroceder, encontram-se cercados. O avanço que levavam aos seus companheiros, fora ocupado pelos inimigos? Os intrépidos aventureiros da vanguarda ficavam assim abandonados. o que se passou depois não foi um combate. Foi a inglória luta de três ou quatro centenas de bravos, vendendo cara a sua vida."

Perante a derrota iminente, os fidalgos pedem ao rei que retire:

"Atraidos pelo estandarte real, centenas de mouros de cavalo acometem-no de todos os lados. Fernando Mascarenhas pregunta-lhe : "E agora, Senhor, que havemos de fazer com tanta multidão ?" - "Fazer o que eu faço", responde o rei ; e, com o costumado ímpeto, rompe os inimigos, derrubando os mais próximos."

A morte do soberano português é narrada da seguinte forma:

"Depois de quatro horas de luta, terminara a batalha. Apenas D. Sebastião e um pequeno grupo de fidalgos seguiam combatendo. Nem a bandeira, nem o guião real, chamavam já a atenção dos mouros sobre o monarca ; e talvez a esta circunstância devesse não ter sido ainda morto. Mas era um fim previsto. Cristóvão de Távora suplica-lhe que se renda. D. João de Portugal acrescenta : "Que pode haver aqui que fazer, senão morrermos todos?" Respondeu D. Sebastião: "Morrer, sim, mas devagar". D. Nuno Mascarenhas chegou a arvorar um lenço, na ponta da lança ou da espada. D. Sebastião, porém, não se rendeu; e travando-se combate, foram mortos o conde de Vimioso, Cristóvão de Távora e alguns fronteiros de Tânger. Os restantes ficaram prisioneiros. Mais adiante, foi o soberano português cercado dum grupo de alarves que o mataram, com profundos golpes na cabeça e algumas arcabuzadas no tronco."

JUDEUS PORTUGUESES NA AMÉRICA o blog Rua da Judiaria publicou um interessante post sobre os judeus de origem portuguesa nos Estados Unidos.




O CONTO DOS SÁBIOS OTOMANOS De forma a escapar à censura, era costume dos homens de letras da França do século XVIII situarem as suas histórias em ambientes orientais, para assim melhor criticarem as opressões a que estavam submetidos. Montesquieu, por exemplo, atingiu a celebridade imediata com as suas Lettres persanes (1721), uma corrosiva exposição dos costumes franceses.

Voltaire seguiu-o mais tarde, entre outros, com um pequeno artigo intitulado De l´horrible danger de la lecture ("Do horrível perigo da leitura"), para satirizar os que perseguiam a Encyclopédie e o partido dos filósofos. Para tanto, explorou os arraigados preconceitos que os europeus tinham em relação ao Império Turco-Otomano, velho inimigo dos cristãos e símbolo, segundo eles, da aliança do despotismo com o obscurantismo.

Tudo começa, na historieta de Voltaire, quando Joussouf Cherébi, mufti do Império Otomano, dá a resposta, numa data imprecisa, a uma solicitação interrogante feita por um ex-embaixador da Sublime Porta na França. O dignatário viera do Ocidente, maravilhado pela presença da imprensa, e queria saber dos grandes sábios do reino turco a opinião deles sobre aquele invento. Consultaram-se então os irmãos cádis e os imãs da cidade imperial de Istambul, sobretudo os faquires "conhecidos por seu zelo contra o espírito", que não demoraram em propôr a condenação, proscrição e anatematização do infernal engenho.


Os Argumentos dos Sábios Otomanos

"1. Ela, a imprensa, é perigosa porque facilita a comunicação dos pensamentos, tendendo evidentemente a dissipar a ignorância que, afinal, é a guardiã e a salvaguarda dos Estados bem policiados.

2. É especialmente temível que cheguem, entre os livros que aportam vindos do Ocidente, alguns que tratem da agricultura e sobre os meios de aperfeiçoar-se as artes mecânicas, obras que podem, a longo prazo (o que não agradaria a Deus), revelar o gênio dos nossos cultivadores e dos nossos manufatureiros, exercitando-lhes a indústria, aumentando-lhes a riqueza, inspirando-lhes assim a elevação das suas almas e um certo amor ao bem público, sentimentos que são opostos à sã doutrina.

3. Chegará por fim o tempo em que teremos livros de história descomprometidos com o maravilhoso, o que sempre entreteve a nação numa feliz estupidez: haverá nesses livros a imprudência de fazer justiça às boas e às más ações e de recomendar a equidade e o amor à pátria, o que é visivelmente contrário aos nosso direitos locais.

4. Logo chegará a vez dos miseráveis filósofos que, sob pretextos especiosos, mas puníveis, irão querer esclarecer o homem comum e tentar fazê-los melhores, ensinando-lhes virtudes perigosas as quais o povo jamais deve tomar conhecimento.

5. Argumentando que têm enorme respeito por Deus, eles, os pensadores, terminarão imprimindo escandalosamente, fazendo por diminuir os peregrinos a Meca, provocando um grande detrimento da saúde das suas almas.

6. Sem dúvida chegará o momento em que, à força de ler os autores ocidentais que tratam das doenças contagiosas e da maneira de preveni-las, ficaremos felizes por nos garantirem contra as pestes, o que seria um grave atentado contra a Providência."



Quantos, na nossa sociedade dita democrática e pluralista, pensam ainda como os sábios otomanos do conto de Voltaire?

segunda-feira, janeiro 12, 2004




IMAGENS (I) "Tea for the dreamer" (pode ser encontrado aqui).




A QUEDA DE CONSTANTINOPLA foi um acontecimento marcante na história da Europa e da civilização ocidental. Foi, aliás, convencionado que a Idade Média terminou naquele ano de 1453, quando o Sultão Maomé II conquistou a capital do Império Romano do Oriente.

Fundada por Constantino Magno no século IV, sobre a antiga cidade grega de Bizâncio, Constantinopla tornou-se capital do Império Romano, substituindo Roma. Aliás, o seu estatuto de "Nova Roma" fez com que o imperador para lá transferisse muitas famílias senatoriais romanas e italianas.

Com a divisão do Império, em 395, Constantinopla tornou-se capital do Império Romano do Oriente, também chamado "bizantino". Com o tempo, e especialmente após a queda do Ocidente, Bizâncio tornou-se um império greco-asiático. O latim deixou de ser usado, e o próprio sistema político aproximou-se cada vez mais dos despotismos orientais anteriores à conquista romana. A este sistema político autocrático juntou-se a crença arreigada numa vocação universal que Bizâncio teria, no sentido de conquistar e evangelizar todo o mundo. E, com efeito, os missionários bizantinos evangelizaram todo o Leste Europeu. E o Cisma de 1054, pelo qual as igrejas ocidental e oriental se separaram para sempre, daria origem ao actual panorama religioso na Europa.

Até 1204, Bizâncio foi o estado mais rico, desenvolvido e poderoso da Europa Cristã. No entanto, nesse ano os cavaleiros da 4ª Cruzada conquistaram Constantinopla. O império nunca recuperou desse golpe, embora a cidade tenha sido reconquistada pelos gregos algumas décadas mais tarde. O ressentimento em relação aos ocidentais era tal, que nos últimos dias de Bizâncio não eram poucos os que preferiam "o turbante turco à mitra latina".

Para quem quiser saber mais sobre a queda daquele império milenar, encontrei um relato da conquista turca, onde se narram os dramáticos últimos momentos de Bizâncio.

Com a conquista da cidade, Constantinopla passou a chamar-se Istambul, designação que ainda conserva. Muitos sábios bizantinos refugiaram-se em Itália, dando um importante contributo para o Renascimento das letras, das artes e das ciências no Ocidente.




O MISTÉRIO DOS KHAZARES a História Universal esconde ainda muitos segredos. Um deles é o que envolve o reino perdido de Khazar, um misterioso povo que habitou nas margens do Mar Negro e nas planícies da Citia (actual Ucrânia e Sul da Rússia), entre os séculos VII e XI.

O que mais intriga os investigadores é o facto de os Khazares serem judeus! A crer em vários autores da época (bizantinos, persas, árabes), os Khazares ter-se-iam convertido ao Judaísmo ainda durante o século VII, o que significa que o seu país foi o estado judaico que mais tempo durou em toda a História.

Os esforços dos arqueólogos centram-se agora na busca da capital do império dos Khazares, a mítica cidade de Itil. Para saber mais, cliquem aqui.

sexta-feira, janeiro 09, 2004

RENOVAR O ASSOCIATIVISMO Chamou-me a atenção um artigo de António Gonçalves na edição de hoje do Público, a respeito do desinteresse dos cidadãos pelo associativismo e pela política. Tomei a liberdade de transcrever uma parte do dito artigo, com o qual, diga-se, concordo plenamente:

"(...) Estruturas fechadas - onde o recém-chegado é visto como o intruso interesseiro (nem pensar isso dos que lá estão...) - com rotinas e escolhas pré-definidas, debates inexistentes e uma sucessão de "caudilhismos" ditados pelos líderes locais. O confronto de ideias, quando existe, é olhado de soslaio e inovar a intervenção é tabu assumido. Há alguns anos, um cronista escrevia que havia necessidade de um dado partido abrir as janelas de forma a ser possível o arejamento. Uma dica caída em saco roto, nesse e nos outros partidos que insistem num modelo desajustado aos tempos que correm. Haja esperança que o mal não dure para sempre"




AS FRASES (VI) trantando-se do velho Winston, abro uma excepção e transcrevo várias frases suas que me fazem pensar:

"One ought never to turn one's back on a threatened danger and try to run away from it. If you do that, you will double the danger. But if you meet it promptly and without flinching, you will reduce the danger by half."

"Success is the ability to go from one failure to another with no loss of enthusiasm."

"When the eagles are silent, the parrots begin to jabber."

"Never give in--never, never, never, never, in nothing great or small, large or petty, never give in except to convictions of honour and good sense. Never yield to force; never yield to the apparently overwhelming might of the enemy."

"I have always felt that a politician is to be judged by the animosities he excites among his opponents."

"I like pigs. Dogs look up to us. Cats look down on us. Pigs treat us as equals."




ILUSTRAÇÕES VITORIANAS Encontrei um interessante site com postais, papéis de parede e outras ilustrações vitorianas, algumas delas muito belas.





A ANTIGUIDADE CLÁSSICA E OS E.U.A. (II) De facto, as semelhanças entre a América e a Roma Antiga vão para além da numismática. Em meu entender, podemos apontar várias semelhanças entre os dois "impérios":

- Império da lei: na Roma Antiga, as leis eram levadas muito a sério. Mesmo ditadores como Sila ou César agiam sempre dentro das leis (alterando-as a seu favor, se necessário...). Mesmo déspotas sanguinários como Calígula ou Domiciano revestiam os seus actos de todos os necessários aspectos legais (mesmo quando o primeiro atribuiu ornamentos consulares ao seu cavalo!). Isso acontecia porque desde a fundação de República que os cidadãos eram reconhecidos como iguais perante a Lei (ainda que os patrícios mantivessem certos privilégios). A Lei constituía a única defesa dos cidadãos contra a tirania e o abuso de poder, sendo importantíssima num sistema político que tudo fazia para evitar a concentração do poder nas mãos de uma só pessoa. Existe por isso uma grande semelhança com a realidade norte-americana, uma vez que o primado das leis é também um dos alicerces do sistema político americano. Aliás, é um ponto central da própria vida social. Já Tocqueville, viajante e pensador francês de meados do século XIX, referia que os "americanos vão para tribunal por tudo e por nada".

- Conquista da hegemonia: ao contrário do que vulgarmente se pensa, as primeiras conquistas romanas não se deveram a uma qualquer atitude "imperialista", como hoje se diz. Antes de mais, estava em causa a necessidade de sobreviver e/ou proteger os seus interesses comerciais. Vencida Cartago - velha rival que chegou a pôr em risco a sua própria existência - Roma tinha interesse em manter a estabilidade e o status quo em todo o Mediterrâneo; as guerras contra os Macedónios, os Selêucidas, o Ponto, os númidas e os egípcios foram motivadas por essa necessidade e não pela vontade de conquistar novos territórios. O sistema de dominação romana, nesta altura, era baseado numa rede de alianças com estados "amigos e aliados", ou seja, vassalos (Bitínia, Numídia, Judeia, Egipto, Síria, etc), com os quais o Senado e o Povo de Roma mantinham vantajosas relações comerciais. A ocupação militar e a anexação eram o último recurso, até porque a opinião pública romana era muito desfavorável a estas aventuras no exterior. A vocação "universal" de Roma só surgiu no século I a.C., com o advento do cesarismo e do Principado. Aliás, os adversários de César censuravam-lhe as campanhas na Gália, que consideravam uma "guerra ilegal", por ser ofensiva e nâo defensiva (mais uma vez, a importância das leis). Além disso, várias províncias foram legadas a Roma por testamento dos respectivos soberanos (Bitínia, Pérgamo, Cirenaica, etc). As semelhançaas com os Estados Unidos são notórias: por exemplo, a intervencão dos EUA em defesa das democracias europeias, na 2ª Guerra Mundial, e a supremacia que alcançou no fim da guerra, foi muito semelhante à campanha do cônsul Flamínio contra a Macedónia, em socorro das cidades gregas, por volta do ano 200 a.C.. Expulsos os macedónios, o cônsul decretou solenemente o "restabelecimento das liberdades gregas", mas foi obrigado a ocupar militarmente o país, devido aos conflitos que entretanto surgiram entre as cidades-estado helenas.

- Supremacia Militar: o exército romano era o mais poderoso do seu tempo, tal como o é hoje o americano. No entanto, creio que o génio militar romano estava muito acima do americano; os EUA vencem todas as guerras porque têm meios colossais ao seu dispôr. Roma, pelo contrário, combatia quase sempre em inferioridade de homens e de meios. Era a táctica dos comandantes, a moral e preparação dos soldados que lhe dava a vitória, e não apenas a logística. Aliás, um historiador militar (Ferryl) disse mesmo que o exército romano foi a mais eficaz máquina militar de sempre, só igualada pelo exército alemão das duas guerras mundiais.

- élite dirigente: tal como a Roma republicana, os EUA sempre foram dirigidos por uma oligarquia industrial, mercantil e latifundiária.

Há outras semelhanças que se poderiam referir. Talvez o Marcos possa ajudar!