respublica

sexta-feira, abril 30, 2004




A LINGUAGEM DAS FLORES Graças à Helena fiquei a conhecer o Linguagem das Flores, onde encontrei o meu "signo floral":

"Dedaleira [na foto acima]: Esta flor nasce em forma de cachos e é fonte de alguns extractos medicinais. As pessoas nascidas sob o signo da Dedaleira são enérgicas, cheias de vida e boa vontade. Sonham vencer na vida e não se cansam de lutar pelos seus objectivos, mas às vezes perdem oportunidades valiosas simplesmente porque não aceitam curvar-se diante das regras impostas pelos superiores. Agem de maneira sempre gentil, calorosa e correcta. No amor, tendem a revelar um certo romantismo, embora nem sempre se mantenham fiéis a uma só pessoa."

O QUE É O AMOR? Dando continuidade à nossa discussão, a Gabriela interroga-se sobre uma "questão fundamental e irrespondível: (...) o que é o amor?"

Sem dúvida, uma questão difícil de responder, provavelmente porque existirão várias respostas, algumas delas nada mais que outras interrogações a que é ainda mais difícil dar resposta. Acho que cada um de nós tem a sua forma de ver o amor.

Para mim, o verdadeiro amor é partilha, entrega, desejo, companheirismo, união, preserverança, esperança e confiança.

NA TERRA DA ALEGRIA Em conjunto com outros ilustres bloggers, o meu amigo José, do Guia dos Perplexos, e o Miguel Marujo da Cibertúlia, lançaram agora um novo blog semanal, intitulado "Terra da Alegria". Claro está, recomendo vivamente a sua leitura, e já o acrescentei aos links.

MIÚDAS GIRAS O João Ricardo pede-me para comentar o seu "pensamento do dia": "Todas as raparigas bem arranjadas são sempre giras". Concordo, meu caro amigo, embora eu faça uma distinção entre "gira" e "bela". Acho que a verdadeira beleza física é uma característica "genética" de algumas (poucas) afortunadas, que tiveram a sorte de com ela nascer. Mas penso que uma rapariga pode ser "gira", ainda que a natureza não a tenha prendado com dotes excepcionais; um rosto agradável, uma postura simpática, um bom coração e uma conversa inteligente podem transformar uma rapariga "vulgar" numa princesa de contos de fadas... e claro, desde o inicío da civilização que as mulheres encontraram formas de se bem arranjarem, como diz o João Ricardo.

Aproveito ainda para dar as boas vindas ao Ricardo Manuel, também dos Meninos de Ouro, acabadinho de chegar do México, ao que parece com mil e uma histórias interessantes na algibeira.

quinta-feira, abril 29, 2004




(IN)FIDELIDADES A Gabriela cumpriu a “ameaça”, e escreveu sobre a forma como ela, ateia assumida, vê a religião. Com a sensatez e brio a que já nos habituou - e que fez de mim leitor assíduo do seu blog - escreveu um texto com o qual concordo quase em absoluto. Só algumas questões me suscitaram algumas dúvidas, sobre as quais gostaria de reflectir um pouco.

A Gabriela escreveu o seguinte:

“(…) Mas o que está errado, na minha opinião, é assumir que os casais, mesmo sendo católicos praticantes, vivam em absoluto de acordo com estes pressupostos, o que mostra um grande desconhecimento acerca do comportamento humano.”

Neste ponto, não estou de acordo com a Gabriela. O que a doutrina católica diz é que aquelas que a seguem verdadeiramente não precisam de usar preservativo, porque não têm vários parceiros sexuais. Mas se por alguma razão – a carne é fraca… - os católicos se virem numa situação em que, devido ao seu comportamento, coloquem em risco a sua vida ou a de terceiros, podem e devem usar preservativo, cometendo um grande pecado (no sentido estrito do termo) se não o fizerem. A este respeito a posição da Igreja é clara: se não se consegue evitar a promiscuidade sexual, use-se o preservativo, para que daí não resultem males maiores. Embora certos sectores da Igreja não façam grande alarde desta posição – que, na sua óptica, poderia ser entendida como uma incitação ao sexo extra-matrimonial – outros há que têm tomado a atitude corajosa de a defender publicamente, como foi o caso do ex-bispo de Setúbal. E note-se que, por o fazerem, não deixam de estar em comunhão com o Papa e a hierarquia da Igreja.

O texto da Gabriela levanta ainda outra questão: “(…) A experiência sexual com parceiros diferentes (contra os pressupostos de fidelidade católica) é um comportamento natural, assim como o próprio adultério, que tem até uma lógica reprodutiva, conforme defendem alguns investigadores. E o conflito promiscuidade/fidelidade não é um conflito religioso ou sequer moral, mas antes um conflito de desejos. A partir do momento em que lhe foi posto o carimbo moralista nunca mais dele se livrou.”

Acho que todas as facetas do comportamento humano se poderiam definir como naturais. Matar ou roubar, por exemplo, também são actos “naturais”, se os definirmos como inerentes à condição humana. Ainda hoje, na era das maravilhas tecnológicas e das sociedade civilizadas, há quem recorra à violência para sobreviver, para se impor aos seus semelhantes ou para ascender socialmente. Tal como sucedia no tempo do homem das cavernas. O catolicismo não nega que o adultério seja parte da natureza humana: mas condena-o, porque ao contrário dos demais animais, o homem tem a capacidade de distinguir o certo do errado (o tal “carimbo moralista”). Aliás, um dos pontos principais da doutrina cristã consiste no reconhecimento de que todos somos pecadores… quando Cristo salvou a mulher adúltera do eminente apedrejamento, recorrendo à célebre sentença “que quem nunca pecou atire a primeira pedra”, reconhecia isso mesmo.

Além disso, a vigilância sobre os comportamentos sexuais não é um privilégio exclusivo do cristianismo ou da nossa moral ocidental. Quase todas as grandes religiões estabelecem regras a este respeito, e condenam o adultério. Na Roma pagã, por exemplo, o adultério era também censurado, e inclusive se o faltoso fosse o marido (o que não deixa de ser curioso, numa sociedade rigidamente patriarcal como a romana). Penso que, então como agora, o que estava em causa era a sobrevivência da própria sociedade, assente como estava em gens solidamente estabelecidas. O controlo sobre a reprodução era essencial para manter a união e o poder da sociedade romana. Roma era as suas poderosas famílias (mas isto já é assunto para o Roma Antiga!).

Pessoalmente, acho que o que torna o adultério condenável é a mentira e a dissimulação que lhe são inerentes; também podíamos considerar “naturais” tanto uma como outra, mas nem por isso se tornam aceitáveis. Penso que quando temos um compromisso com alguém, devemos procurar honrá-lo – ainda que, como a Gabriela referiu, exista um “conflito de desejos”. Aliás, acho que é precisamente isso que dá valor ao matrimónio cristão: é que reconhecendo que todos somos humanos e que a carne está sujeita a todo o tipo de tentações e desejos, procuramos evitar faltar ao respeito e à confiança da pessoa que realmente amamos. Embora não pareça, o cristianismo sempre separou o amor do sexo, embora durante muitos anos tenha acabado por demonizar o segundo, esquecendo-se que a sexualidade humana é uma fantástica dádiva divina. É um dom de Deus, mas que deve ser utilizado no contexto próprio, com a pessoa que realmente amamos.

No entanto, não podemos esquecer que os valores morais (ou a falta deles) variam de pessoa para pessoa, e como tal devem ser encarados.

A Gabriela escreveu ainda: “(…) Por outro lado acho que a postura de abertura da Igreja em relação a outras questões, mais inócuas, só tem sentido numa lógica mercantilista da Igreja, isto é, vamos lá agradar ao povo para não perdermos adeptos. (…) de facto a Igreja em muitos aspectos está desfasada da realidade social (…).”

Não concordo; acho que a evolução da Igreja tem acompanhado a da sociedade, embora ao seu ritmo… com a dinâmica própria de uma velha e pesada estrutura com quase dois mil anos. Por exemplo, os apelos que o Papa tem feito em prol dos desfavorecidos e da paz mundial (penso ser esse tipo de coisas “inócuas” a que a Gabriela se refere): é o género de apelos que a Igreja sempre fez ao longo de toda a sua história, com as evidentes e tristes excepções de episódios como as Cruzadas ou certas colagens a determinados poderes políticos. E penso que a Igreja não está assim tão “desfasada” da realidade social, como à primeira vista parece (embora reconheça que o está, em certa medida). Simplesmente há coisas que a Igreja não pode aceitar, por uma questão de coerência e fidelidade à doutrina cristã. Dois mil anos de tradição são uma pesada - e por vezes incómoda - herança. E recordemos que, ao longo destes dois milénios, muitos foram os que anunciaram o naufrágio eminente da Barca de Pedro, por esta estar “desfasada”. Mas estavam rotundamente enganados, e o naufrágio acabou por surpreendê-los a eles mesmos. Por exemplo, há 30 anos o marxismo estava no auge da sua força; já então se falava no desfasamento da Igreja, e ninguém diria que, no longínquo ano de 2004, o cristianismo estivesse muito mais vivo e dinâmico que a doutrina de Marx. E isto apesar de todos os seus defeitos – que não são poucos - porque a Igreja é feita de homens e mulheres de carne e osso.

terça-feira, abril 27, 2004

NOVAS LIGAÇÕES Inseri novos links para o Loopings, da minha colega Helena (direitinha para a secção "Meninas Bonitas"), para o Simples, para o blog de Luís Silva, para o Farmina Curana e para o Idanhense.

TER OU NÃO TER FÉ, EIS A QUESTÃO... Via ”Cravo e Canela”, fiquei a conhecer o excelente blog ”What do you represent” (que aproveito para inserir nos “links”), onde encontrei um post intitulado “Domingo de Páscoa”… bem sei que é feio transcrever os textos dos outros, mas desta vez não resisti, até porque estou completamente de acordo com o autor:

“Um dos fenómenos que mais confusão me causa, é a ostentação bem disposta de ignorância religiosa por parte de alguns ateus e/ou agnósticos anticlericais, como se o desconhecimento que declaradamente exibem fosse um atestado de maioridade intelectual. Eu cá não sei nada disso – parece quererem dizer sempre que falam de algum aspecto da fé, sem que no entanto se coíbam em, de seguida, proferir juízos definitivos, sentenças irrecorríveis e comentários finais a esse propósito.

É um absurdo que aqueles que não acreditam tentem negar ou troçar (militantemente) de realidades que apenas são concebíveis para quem acredita. É tão absurdo que apenas se explica com uma compulsiva necessidade de atacar aquilo de que não gostam, nem que para isso vistam a fatiota de palhaços.

Diferentes, mas igualmente incompreensíveis, são aqueles que não fazendo parte da Igreja (não no sentido institucional mas no de comunidade), porque nela não acreditam, tentam a todo o momento definir as suas regras. Embora não reconheçam o papel eucarístico dos padres, querem que estes se possam casar; Embora não assistam à missa, exigem que as mulheres sejam ordenadas; embora não acreditem no mistério da fé (por não a terem), querem que os divorciados e os não baptizados possam comungar; embora não relevem a vinda de Cristo à terra, insurgem-se por um filme que retrata parte da mesma não mostrar (na sua óptica) amor mas só violência.

Qual amor? Qual é o amor que estas criaturas queriam ver no filme? Uma visão romântica da crucifixão? Uma versão asséptica da via-sacra? Mas porquê? Se para eles a vinda de Cristo, a Via-sacra e a crucifixão não representam nada além de alegados factos históricos. Atacar o filme de Mel Gibson por esta razão, para alguém que milita contra a religião cristã ou pura e simplesmente não acredita em Jesus Cristo, é mais ou menos o mesmo que alguém que não acredite na vida extraterrestre atacar um filme de ficção científica por o marciano ser verde.

Compreendo que se insurjam quando a doutrina da Igreja possa ter consequências fora da sua esfera religiosa – Se a Igreja quiser impor o que quer que seja a quem dela não faz parte, ou mesmo a quem dela faz parte, no caso de tais imposições serem indignas para quem as deve acatar. Percebo que reajam quando alguns dos membros da Igreja com responsabilidade perante um elevado número de pessoas, mesmo sem quererem impor, aconselham comportamentos potencialmente perigosos (estou a lembrar-me do desaconselhamento do uso do preservativo). Defendo que ataquem se e quando a Igreja tentar determinar aquilo que podem ver, ler, ouvir ou falar. O que não aceito é que aqueles que não acreditam, queiram impingir à Igreja da qual não fazem parte, as regras e costumes ‘lá de casa’, só porque, na sua concepção agnóstica do mundo, não simpatizam com os que nela vigoram.(…)”


Concordo plenamente.

sexta-feira, abril 23, 2004

O ATEÍSMO “CONFESSIONAL” Por motivos óbvios, está fora de questão discutir aqui a existência ou não de um Deus Criador (ou uma Deusa Criadora, uma vez que Deus é também Mãe, e não apenas Pai).

É uma questão de fé e nada mais. Há quem a tenha, e quem a não tenha. E não acredito que alguém seja mais inteligente por a ter, ou vice-versa; daí que considere como intolerantes aqueles que se intitulam senhores da verdade, considerando-se superiores aos que não pensam como eles. E isto aplica-se a crentes e não crentes. Acho que devemos ter a humildade de reconhecer que é tudo um grande mistério, que nada nem ninguém consegue explicar totalmente. Quer a Fé, quer a Ciência, não conseguem descobrir a verdade absoluta. E embora cada um tenha a sua crença – que aceitamos como a mais plausível e próxima da verdade – todos temos as nossas dúvidas interiores, que mais não são que a consciência e a certeza da nossa frágil humanidade. Se tudo soubéssemos, seríamos Deuses.

O André Esteves, do Diário de uns Ateus, escreveu o seguinte no meu sistema de comentários:

“(...) No entanto, todas as religiões se baseiam na construção de uma identidade, e o acto de extracção dessa identidade de um substrato social inicial é sempre doloroso e baseia-se mais no ódio e no sentido de diferença do que no amor.”

Concordo, evidentemente. A identidade constrói-se sempre em função da diferença, e muitas vezes no ódio. E isto aplica-se a religiões, ideologias, raças, culturas, nacionalidades, etc. Daí a necessidade de respeito e tolerância pela diferença para que, em paz, e na maior harmonia possível, possamos conviver uns com os outros.

Mas isto remete-nos para outra questão: então e aqueles ateus que se organizam em associações, que fazem propaganda ateísta com o intuito de converter a Humanidade à sua (des)crença? Não agem eles como uma religião instituída? Não pretendem eles intervir na sociedade, com a mesma avidez que censuram aos líderes religiosos?

Claro que, se toda a gente se convertesse ao ateísmo, esbater-se-iam as diferenças entre as pessoas, no que à religião diz respeito. Acabaria essa “identidade baseada no ódio e no sentido da diferença”. Mas o mesmo aconteceria se toda a gente se convertesse ao catolicismo ou ao islamismo... não é verdade?

De tudo isto tiro duas ilações: primeira, que o ateísmo “confessional” acaba por se comportar exactamente da mesma forma que as religiões que combate, organizando-se e construindo uma identidade própria, também ela baseada no “sentido da diferença” (e, por vezes, no ódio); segunda, que o ateísmo “confessional” pretende impôr-se na sociedade, fazendo prosélitos e convertendo todo o mundo à sua doutrina... tal como as grandes religiões monoteístas.

quinta-feira, abril 22, 2004




TOLERÂNCIA Diz o João Vasco (do “Diário de uns Ateus”) - e com razão – que a tolerância passa por saber ouvir as opiniões dos outros, por mais polémicas que estas sejam, sem as pretender silenciar. Concordo, obviamente. Todavia, creio que a tolerância só faz sentido se acompanhada de respeito pelos outros. E o respeito passa por aceitar a diferença, por mais absurda ou repugnante que esta nos pareça, sem recorrermos ao insulto, à mentira ou mesmo a uma atitude jocosa (ou condescendente) em relação aos nossos interlocutores, em função das suas crenças ou ideias. Mas a tolerância tem limites, evidentemente: não podemos tolerar aquilo que põe em causa os nossos valores civilizacionais e o conjunto de direitos humanos por eles consagrados, cujo reconhecimento foi tão arduamente conquistado nos últimos séculos. Tal como a democracia – que não pode deixar que se sirvam dela para a destruir – a tolerância também tem os seus limites.

Voltando ao “respeito”: considero que sem o necessário respeito pela diferença, a tolerância é apenas mais uma forma de “viver e deixar viver”, mas de costas voltadas, sem que haja uma verdadeira aceitação (e compreensão) da diferença do Outro. E, principalmente, o respeito é uma questão de boa educação. Por exemplo, e recorrendo à figura do Pai Natal – analogia tão do gosto do João Vasco – eu posso não acreditar na existência do velhinho vestido de vermelho que entra pelas chaminés na Véspera de Natal, mas por uma questão de respeito e boa educação não desato a insultar ou a rir-me daqueles que nisso acreditam, como se fosse eu o senhor da verdade absoluta. Posso dizer-lhes que, em minha opinião, o Pai Natal não existe, mas não tenho o direito de os julgar em função da sua crença. Nenhum de nós é dono da verdade.

A tolerância e o respeito têm o mérito de permitir a construção de pontes entre as diferentes formas de ver o mundo. Permite-nos dialogar e agir em comum naquilo que temos em comum, sem que por isso tenhamos que abdicar das nossas especificidades. Pelo contrário, podemos aprender uns com os outros. Afinal, não procuramos todos o mesmo? Não pretendemos todos compreender o Absoluto? O ódio religioso e ideológico, o fanatismo e a intolerância florescem precisamente nas épocas em que as pessoas vivem de costas voltadas umas às outras, certas das suas mesquinhas certezas, convictas da sua superioridade em relação aos outros, superioridade essa que lhes dará acesso – mas só a elas, às eleitas – ao Paraíso, seja este celestial ou terrestre.

Os ateus fundamentalistas, com toda a sua raiva à religião, acabam por imitar os inquisidores e os mullahs talibãs: arvorando-se em detentores da verdade absoluta, escarnecem, insultam ou perseguem os que não pensam como eles. Ou, quando detêm o poder político, procuram impôr o ateísmo de estado como religião oficial. Lembram-se de Estaline? Não causou ele, em nome da deusa Revolução – que também tinha os seus mártires, a sua liturgia e os seus dogmas - mais vítimas que toda e qualquer perseguição religiosa do passado?

Claro está, refiro-me aos ateus fundamentalistas. E fundamentalismos há em todas as religiões, doutrinas e ideologias, sem excepção. Na Igreja Católica também os há, infelizmente.

Creio que alguns autores do “Diário de uns Ateus” – com a agradável excepção do João Vasco, como bem referiu o meu amigo Jose – não conseguem defender os seus pontos de vista sem recorrer a insinuações, ironias e gozações veladas, além dos indisfarçáveis ares de superioridade moral e intelectual em relação aos crentes. Por exemplo, a forma como o André Esteves discutiu comigo e com o José no meu sistema de comentários: apelidou-me de um pouco de tudo, desde “pobre homem”, “elitista católico”, ou outras considerações menos simpáticas. Uma questão de estilo, poderá alegar o dito autor em sua defesa; ou então, que será essa a sua opinião a meu respeito, embora não me conheça de lado nenhum. Mas tudo bem, pois está no direito de a dar (embora, sinceramente, não a tenha em grande conta).

Dizerem que os crentes vivem “alienados”, ou que são “supersticiosos” não constitui, em minha opinião, um insulto, embora não concorde com tais afirmações; mas dizerem que as religiões e respectivos fiéis são criminosos, que a Igreja é anti-semita e violenta, e outras coisas do género, não fica nada bem aos autores do “Diário de uns Ateus”. Ou porque tais ditos não correspondem à verdade histórica e actual, ou porque se baseiam em generalizações injustas que muito ofendem os por ela visados, ou seja, todos os católicos.

Claro que os autores podem invocar o direito a escrever o que quiserem, até porque o seu conceito de “insulto” será muito diferente do meu. Mas se assim é, também eu posso dar a minha opinião sobre o blog “Diário de uns Ateus”.

E se é de opiniões que falamos, reitero a minha: com algumas excepções, os textos publicados no “Diário de uns Ateus” são marcados pela intolerância e por erros de análise histórica ideologicamente motivados. Não pretendo insultar ninguém: apenas dou a minha opinião sincera.

Em resposta ao desafio lançado pelos autores do “Diário de uns Ateus”, pretendo escrever ainda sobre os seguintes temas, na medida da minha disponibilidade: as “contradições” dos textos bíblicos, referidas pelo André Esteves; o “ateísmo confessional”; a Igreja e o Anti-Semitismo, no passado e no presente; a Religião e o Estado. Se me estiver a esquecer de alguma das questões em discussão, é favor dizerem.

segunda-feira, abril 19, 2004

O ATEÍSMO É UMA CRENÇA? (II) os mesmos autores consideram injusta a acusação de intolerância.

Pois bem, meus senhores. O vosso blog limita-se a recorrer a frases feitas, inverdades históricas e chavões demagógicos. Li um pouco de tudo no vosso blog: que a Igreja é anti-semita, criminosa, violenta, que é "o maior mal do mundo", entre outras coisas próprias de pessoas tolerantes. Aqui ficam algumas citações:

"A violência não é um privilégio católico, acontece com o induísmo, o islão, o judaísmo e várias formas de protestantismo. Acontece sempre, e aumenta quando se agrava o proselitismo, mas a ICAR [Igreja Católica Apostólica Romana] tem um passado assustar ao esforçar-se por exercer a soberania religiosa sobre a humanidade."

"O anti-semitismo cristão não pode justificar-se com o sionismo agressivo de Sharon, vem do primeiro século e está longe de ser erradicado."

"A igreja católica é ferozmente anti-semita: Na Polónia católica, na Hungria e Eslováquia, predominantemente católicas, o anti-semitismo, proibido pelos regimes comunistas, reapareceu recentemente no domínio público e a ICAR (igreja católica apostólica, romana) é o instrumento desse desvario, suportado no Novo Testamento, esquecida da sua cumplicidade na eliminação dos judeus pelos regimes nazi-fascistas. "

"Segundo a jurisprudência de Nuremberga «a pertença voluntária a uma organização criminosa é, em si mesma, um crime», culpa jurídica que ninguém se atreve a formular contra uma religião."



Mas vocês acham mesmo que o anti-semitismo e a violência no mundo se devem à religião católica? Que análise simplista, além de falaciosa! Seria o mesmo que dizer que o terrorismo da Al Quaeda se deve à própria existência do Islamismo (como se a religião não fosse apenas um pretexto). E isto para não falar dos erros de análise histórica que se encontram em vários dos vossos posts.

Não compreendem que existem patifes e facínoras em todas as religiões, governos ou correntes filosóficas? Que isso faz parte da condição humana? Porventura esquecem-se dos crimes cometidos pelos regimes ateus, ao longo do último século?

Acham que um crente se sente bem ao ser apelidado de "pertencente a uma organização criminosa"?? E isto escrito por pessoas que certamente ficariam chocadas, se entretanto surgisse um blog dito "católico" a ameaçar os ateus com as chamas do inferno. Claro, porque elas são tolerantes.

Meus caros: o maior mal do mundo não é a crença em Deus ou as religiões instituídas. O maior mal da Humanidade é a intolerância que gera ódio e violência. E isso não surgiu com a religião.

O ATEÍSMO É UMA CRENÇA? Levantou-se uma questão interessante, devido aos meus anteriores posts sobre o ateísmo. Algumas pessoas consideram que, ao contrário do que escrevi, o ateísmo não é uma crença.

Antes de mais, importa esclarecer que eu não disse que o ateísmo é uma crença religiosa. Disse apenas que é uma crença. Os ateus acreditam que Deus não existe. Claro que não se trata de uma crença religiosa, mas de uma crença absoluta na não existência de uma Divindade. É que os distingue dos agnósticos, que acreditam que o Homem não tem capacidade para conhecer o Absoluto.

E seguindo o conselho dos autores do referido blog, consultei um dicionário para saber com exactidão o significado dos diferentes termos em questão (a negrito estão os significados que considero relevantes neste contexto):

"Ateísmo: do Gr. a, não + Theós, Deus; s. m., doutrina que consiste na negação da existência de Deus; descrença."

Realmente, ateísmo é sinónimo de "descrença", no contexto religioso. Todavia, é também uma "doutrina".


E o que é uma "doutrina"?

"Doutrina: do Lat. doctrina; s. f., conjunto de princípios básicos, fundamentais, de um sistema religioso, político ou filosófico; catequese cristã; opinião de autores; norma, regra, preceito."

Portanto, sendo uma doutrina filosófica, o ateísmo possui um conjunto de princípios básicos na qual os ateus acreditam. Logo, existe uma determinada crença filosófica (acreditar=crer).


E o que é uma "crença"?

"Crença: do Lat. credentia; s. f., fé, lei religiosa; convicção; pendor para certa pessoa, desejo amoroso; credencial, crédito diplomático; pop., desconfiança, birra."

Sendo o Ateísmo uma doutrina que consiste na negação da existência de Deus, com um conjunto de princípios filosóficos fundamentais, nos quais os ateus acreditam com convicção, julgo poder dizer que se trata de uma crença.

domingo, abril 18, 2004

ARREPIANTE Para quem ainda tinha dúvidas sobre as intenções dos terroristas islâmicos e da gravidade da ameaça que representam, aqui ficam alguns excertos da entrevista ao suposto líder da Al Quaeda britânica, na edição de hoje da revista "Pública":

"(...) ainda hei-de ver a bandeira do Islão sobre o número 10 de Downing Street"

"Deus diz: Pensam que vos criei para nada? Eu criei-vos com um propósito. Para se submeterem. Para obedecerem ao meu comando. Se o fizerem têm garantido o paraíso. Se não, espera-vos o fogo do Inferno. É simples."

"Não podemos reconhecer aos homens os atributos de Deus. Alá é o único legislador. Eu só reconheço a lei divina. Quem reconhece a alguém atributos divinos é apóstata. Deve ser excluído da comunidade islâmica."

"Exactamente. Pois se a religião é a vida e a política também... E se nós vivemos nesta vida... Como se pode separar? Nós não somos hipócritas. As leis da democracia e da liberdade são as leis da hipocrisia."

"O profeta Maomé disse: "Deus mandou-me para lutar contra as pessoas. A menos que digam que não há nenhum Deus além de Alá e que Maomé é o seu profeta. Que rezem, jejuem e obedeçam ao comando. Ou então que estabeleçam um pacto de segurança com os crentes."

"O terrorismo é a lei do século XXI. É legítimo."

"Nós não fazemos a distinção entre civis e não civis, inocentes e não inocentes. Apenas entre muçulmanos e descrentes. E a vida de um descrente não tem qualquer valor. Não tem santidade."

"Há uma diferença: nós não somos hipócritas. Não dizemos: "Desculpem, foi engano". Dizemos: "Vocês mereceram". Assumimos que o objectivo é matar o maior número de pessoas, para provocar o terror"

"O terror é a linguagem do século XXI. Se quero alguma coisa, aterrorizo-te, para o conseguir"

"Todo o muçulmano é terrorista, mas todo o não-muçulmano também. Há épocas em que isto é necessário. É o "tempo dos assassinos", está previsto no texto divino."

"Os seculares dizem que "o Islão é a religião do amor". É verdade. Mas o Islão também é a religião da guerra. Da paz, mas também do terrorismo. Maomé disse: "eu sou o profeta da misericórdia". Mas também disse: "Eu sou o profeta do massacre". A palavra "terrorismo" não é nova entre os muçulmanos. Maomé disse mais: "Eu sou o profeta que ri quando mata o seu inimigo". Não é portanto apenas uma questão de matar. É rir quando se está a matar."

"P. O que pretende a Al-Qaeda? R. O terror. Estão empenhados numa jihad defensiva, contra os que atacaram o Islão. E a longo prazo querem restabelecer o estado islâmico, o califado. E converter o mundo inteiro."

"P. Os EUA podem negociar com a Al-Qaeda? R. A Al-Qaeda é por natureza uma entidade invisível, não é um Estado, por isso não pode dialogar com um Estado. O seu projecto é derrubar os governos corruptos dos países muçulmanos, substitui-los por governos islâmicos e reconstituir o califado. Nessa altura, como Estado, poderão negociar com os EUA, de igual para igual. Primeiro, tentarão um pacto de segurança com eles. Dirão: nós fornecemos o petróleo e viveremos em paz, mas na condição de podermos divulgar livremente o Islão no Ocidente. Se os americanos não permitirem isto, então o califado terá de lhes declarar guerra."


Assustador. Não é tempo de hesitações e divisões. O Ocidente tem que enfrentar esta ameaça.

sábado, abril 17, 2004

MÁ EDUCAÇÃO Cada vez vejo menos televisão. A televisão portuguesa é deprimente. Pouco se aproveita, tirando alguns filmes e documentários que, na maior parte das vezes, passam em horários pouco próprios. De resto, reina a mediocridade.

Exemplo disso é o novo programa da SIC, "Uma mulher de sonho". Mais lixo televisivo, como se já não tivéssemos que chegue. "Uma mulher de sonho" segue a linha do "Ídolos"; um júri mal encarado (e mal educado!) avalia as candidatas, que se sucedem em catadupa, desfilando em frente das senhoras e senhores que dizem de sua (in)justiça.

Há dois aspectos que me indignam neste novo programa da SIC: primeiro, as mulheres são tratadas como objectos - o único mérito que se pede à "mulher de sonho" é possuir um determinado código genético, como se só valesse a pena viver sendo bonita e elegante. Em segundo lugar, a má educação com que o júri se dirige às candidatas menos afortunadas. Podiam usar expressões cordiais e minimamente educadas, como "lamentamos, mas não preenches os requisitos. Obrigado por teres participado"... mas não; as senhoras e senhores do júri (cujo aspecto físico, já agora, também deixa muito a desejar!), têm que humilhar as concorrentes, rir-se na cara delas, fazê-las sentir-se mal com elas mesmas... Por um lado dizem-lhes que têm de ter determinado aspecto para serem felizes; por outro, humilham-nas em directo na televisão.

A primeira coisa que se pede a um júri de avaliação, seja ele de que tipo for, é boa educação e respeito pelas pessoas. Mas isso, hoje em dia, é coisa de cotas.

FALSA QUESTÃO surgiu em torno das declarações do Ministro da Administração Interna a respeito da eventual retirada da GNR do Iraque. E é pena que o Governo, em vez de esclarecer as coisas, contribua ainda mais para a confusão - e o PS, mais uma vez pela voz de Ana Gomes, jogou muito baixo...

A GNR desempenha uma função de natureza policial no Iraque. Mas obviamente que, se as coisas ficarem feias, degenerando num verdadeiro cenário de guerra, os nossos guardas não estarão à altura das circunstâncias.

MISSÃO o Alex comentou o meu recente post sobre as declarações do primeiro ministro estónio, dizendo que os termos "missão" e "dever moral" remetem para um contexto religioso. Parece-me um disparate. Quanto ao dever moral, creio que tanto os que se opõem à ocupação como os que lhe são favoráveis consideram que devem atender a um determinado dever moral em relação aos iraquianos (quer dizer, alguns acham que eles estavam melhor com Saddam, mas enfim...)... não vejo, por isso, qual é o problema de falar em "dever moral".

Quanto à "missão", e sem me querer alongar mais, lembro ao Alex o significado daquele termo:

"Missão: s. f., acto de enviar; incumbência; comissão diplomática; série de sermões doutrinários; estabelecimento de missionários; os missionários; obrigação; encargo; s. m., ant., enviado, postilhão, correio."

E já agora, Alex, os filmes da série "Missão Impossível" são de cariz religioso?

NOVAS LIGAÇÕES inseri links para o interessante Abre Latas e para a Bloguida, e para o excelente Dicionário do Diabo.

ATEÍSMO FUNDAMENTALISTA (II) no mesmo blog li também o seguinte texto, com o título "Alá é grande":

"(...) Aliás, o islamismo é um plágio do cristianismo a que falta o tempero da cultura helénica. Nem sequer foi contaminado pelo direito romano, bastando-lhe a boçalidade dos mullahs a interpretar o Corão."

É falso. O Islão não é um plágio do cristianismo; é verdade que recebeu influências cristãs (por exemplo, ao venerar a memória de Jesus), mas também as recebeu do judaísmo. Aliás, na época do Profeta, a região de Meca e Medina (o Hedjaz) estava repleta de colónias hebraicas, e o judaísmo era uma religião em expansão (talvez o nosso amigo Nuno Guerreiro possa dizer mais e melhor a este respeito). Maomé teve que enfrentar as poderosas tribos judaicas na sua luta pela unificação da Arábia. E descobrem-se muitas influências hebraicas na doutrina islâmica. De qualquer modo, o Islão não é um plágio nem do Cristianismo nem do Judaísmo.

Além disso, não podemos confundir o islão fundamentalista praticado em certas regiões do globo com a crença genuina; nem tão pouco esquecer o período áureo do Islão, em que a tolerância religiosa era ponto de honra da política dos Califas - aliás, pondo em prática os preceitos do Corão.

E continua:

"A história ensina-nos que, sempre que um Estado se liga a uma religião, esta tende a apoderar-se daquele. É preciso proteger o Estado da religião e, sobretudo, esta de si própria, para preservar a democracia."

Eu diria mais: não obstante o interesse de certos sectores da Igreja em se colarem ao Estado, é preciso proteger a religião do Estado; porque sempre que o poder temporal se pronuncia em questões de religião, imiscui-se em assuntos que não lhe dizem respeito e tenta manipular em seu proveito as consciências dos crentes. Além de, obviamente, desrespeitar os direitos daqueles que não o são. Por isso disse em tempos um cardeal renascentista: «A Igreja teme mais os Constantinos que os Neros!».

E o autor prossegue:

"As religiões têm o monopólio da rede de transportes que conduzem ao Paraíso. É urgente que ninguém seja obrigado a percorrer tais caminhos. Os lacraus segregam veneno, as religiões produzem a fé. O ateísmo é a vacina que pode libertar a humanidade."

E não é o ateísmo também uma crença? Ao quererem impôr uma "vacina" à Humanidade - ou seja, a sua própria forma de ver o mundo - os ateus fundamentalistas são tão intolerantes como os tribunais da Santa Inquisição ou os Mullahs talibans.

Só a tolerância e o respeito podem vacinar a humanidade.

ATEÍSMO FUNDAMENTALISTA Conheci, via o excelente blog Guia dos Perplexos, os Diários de uns Ateus. Penso que o ateísmo fundamentalista - absolutamente convicto das suas certezas, virulento e agressivo para com os crentes - faz tanta falta a este mundo como o catolicismo fanático: nenhuma. Ao contrário do agnosticismo, o ateísmo é também uma forma de crença. E as crenças devem-se respeitar umas às outras; gostava de ver a reacção de certas pessoas se agora surgisse um blog dito "católico" a insultar aqueles que não o são.

Não é a ideologia que me deixa de pé atrás, mas sim o tom deste Diário. Além disso, e não obstante os seus autores demonstrarem possuir alguns conhecimentos históricos, parece-me que não compreendem a verdadeira essência do cristianismo. Este pequeno excerto é disso exemplo:

"(...) Os Evangelhos foram escritos algumas décadas depois da morte de Jesus e reflectem o racismo e preconceitos que alimentavam a rivalidade com o judaísmo, no fim do séc. I, quando a separação estava consumada. Querem os cristãos renunciar ao livro que julgam revelado por Deus ou manter-se fiéis, continuando a perseguir os judeus? Esse é o dilema de milhões de crentes para quem o anti-semitismo bíblico não é acessório, mas fundamental, e não pode ser expurgado, sob pena de deixarem Deus mal colocado."

É verdade que, no passado, a Igreja teve posições e atitudes anti-semitas. Durante séculos, por exemplo, o baixo clero acicatou o ódio e o ressentimento popular contra os judeus, acusando-os de serem os assassinos de Cristo e de viverem da usura e da extorsão. Expressões populares como a nossa "fazer judiarias" são ainda provas disso. Mas, ao mesmo tempo, certos sectores da Igreja sempre protegeram as comunidades hebraicas, em especial o Papado (com algumas excepções, evidentemente).

Além disso, o anti-semitismo não era privilégio exclusivo da Igreja ou do Cristianismo. Até há algumas décadas atrás, por exemplo, muitos intelectuais europeus eram anti-semitas. Muitos regimes políticos também o foram, e nem sempre por motivos ou pretextos ligados à religião.

Já lá vai há muito o tempo em que nas Igrejas se rezava pelos "pérfidos judeus". O anti-semitismo não só não é política da Igreja, como é por ela condenado. E estou convencido que a esmagadora maioria dos católicos e dos cristãos em geral não quer "perseguir os judeus".

Quanto ao anti-semitismo de certos livros do Novo Testamento, há que entender o contexto em que foram escritos.

sexta-feira, abril 16, 2004

LUCIDEZ Juhan Parts, primeiro-ministro estónio, em entrevista ao "Público" de hoje:

"(...) Na Estónia, e talvez também em Portugal, só se fala dos americanos e dos estónios. Mas a verdade é que estão lá 15 dos 25 países da União Europeia alargada. Porque é que estamos lá? Em primeiro lugar, porque sentimos o dever e a obrigação de apoiar os nossos aliados. Um dever moral. Mas também pensamos - e este é o ponto mais importante para nós - que hoje a segurança tem de ser global, não é algo que possamos dividir. E consideramos que temos o dever de contribuir para essa segurança global. Além disso, temos a clara noção de que a missão no Iraque não pode falhar, porque isso seria um enorme desastre para todos e, sobretudo, para os iraquianos."

quinta-feira, abril 15, 2004

PARADOXO Chamaram-me a atenção dois posts do Alex, a respeito do futuro do Iraque, e em especial os seguintes excertos:

"Não é preciso fazer futurismo para adivinhar que os Americanos vão abandonar o Iraque à sua sorte, basta ouvir o que diz Bush." (post 1067)

"(...) o que temos nós a ver com isso? Não há dezenas de países em guerra? Deixemo-los em paz que é o melhor. Claro que se se formar um estado religioso no Iraque, as mulheres terão menos Liberdade do que tinham, mas quando se fala de Direitos Humanos, esquecem-se sempre dos Direitos da Mulher..." (post 1069)

Afinal em que ficamos, Alex? Deve o Ocidente ajudar o Iraque a caminhar para a democracia ou deve retirar-se imediatamente? Creio que, mais uma vez, o que está em causa é o facto de serem os americanos a agir. Se fossem os franceses ou os alemães a intervir ninguém se queixava.

Por exemplo, criticam os EUA por ter apoiado Saddam no passado (e outros torcionários de má memória), e ao mesmo tempo criticam os EUA por derrubar esse mesmo Saddam. Não se percebe.

EXECUÇÃO OU ASSASSINATO? O Público é, seguramente, o melhor jornal diário português. Mas isso não impede que, por vezes, contenha determinadas incorrecções. Por exemplo, li hoje o seguinte texto, numa notícia da edição online daquele jornal, referente ao bárbaro assassínio de um refém italiano por rebeldes iraquianos:

"(...) Fabrizio Quattrocchi tinha sido sequestrado, com outros três italianos, por um grupo que se auto-intitula Brigadas Verdes de Mahoma. Ontem, o grupo enviou um vídeo para a cadeia de televisão do Qatar Al-Jazira, que mostrava a sua execução, com um tiro na nuca (...)"

Mas Fabrizio Quattrocchi foi "executado" ou assassinado? No dicionário encontrei a seguinte definição da palavra "execução":

"Execução: do Lat. executione; s. f., acto ou efeito de executar, de levar a efeito; realização; cumprimento de sentença, depois de transitada em julgado."

Ora o infeliz italiano não foi julgado nem condenado por crime algum. Foi barbaramente assassinado por um bando de covardes. Os media têm que ter cuidado com estes pequenos pormenores, que são mais importantes do que aparentam à primeira vista.

quarta-feira, abril 14, 2004




NATION BULDING Num recente editorial do "Público", Manuel Carvalho escreveu o seguinte: "(…) o conceito de "nation building" não passa de uma ideologia extremista, uma combinação perigosa de messianismo com voluntarismo, que é completamente destituída de qualquer sentido da História."

Queria o jornalista com isto dizer que o Ocidente não tem o direito de impor ao resto do mundo o seu sistema político e os seus valores de democracia, liberdade, tolerância e desenvolvimento.

Este tem sido um dos principais argumentos dos que se opõem à ocupação do Iraque.

É curioso, contudo, que muitas dessas pessoas que entendem que um país não deve interferir nos assuntos de outro - ainda que se trate de derrubar um regime brutal como o de Saddam - tentem mudar o mundo à sua maneira, à feição das suas ideologias. São contra a imposição do modelo democrático ao resto do mundo, mas defendem formas de luta internacionais em prol de causas que, igualmente, não têm fronteiras. E, ao mesmo tempo, fazem uso de todas as vantagens e progressos trazidos pela própria globalização. Por exemplo, os grupos anti-mundialização que se servem das novas tecnologias - possíveis apenas graças à própria globalização - para se organizarem à escala mundial, ou os partidos da esquerda radical que despudoradamente se servem dos mass media para melhor passar a sua mensagem, adaptando-a ao discurso próprio das televisões, fazendo uso de slogans demagógicos (por exemplo, «Francisco "Ecrã" Louçã"»). O mesmo se poderia dizer do internacionalismo operário que, ao lutar pela revolução mundial, pretendia impôr ao resto do mundo a ditadura do proletariado.

Pacheco Pereira escreveu recentemente no seu Abrupto: "[...] O intervencionismo político em nome de diversas variantes de “nation building” era (e é) considerado “natural”, desde que não tenha a mão do “império”, ou seja entendido contra o “império”, ou seja, os EUA. Hoje, a linha de demarcação de tudo é o americanismo / anti-americanismo, principalmente este último. Cada vez é mais importante esta demarcação, forma rediviva de nacionalismos e pós-comunismos, sob o “albergue espanhol” da anti-globalização. E quando se juntam “direitas” e “esquerdas”, quase sempre debaixo de mantos nacionalistas, ou “anti-imperialistas”, o conjunto é poderoso.

Porque “nation building” é o terminus de muito daquilo que é hoje a ideologia das relações internacionais. O “intervencionismo humanitário”, por exemplo. A guerra do Kosovo, por exemplo. A intervenção no Ruanda, na Serra Leoa, por exemplo. Se recuarmos ao passado, o que era o “internacionalismo proletário”, o programa revolucionário mundial, senão uma reconstrução do mundo feita pela revolução?"


Concordo plenamente. Creio que o Ocidente tem não só o direito como o dever de fazer uso de todos os meios ao seu alcance para construir um mundo mais estável, pacífico, equilibrado e democrático. Fui contra a guerra do Iraque, por entender que existiam outras formas de lidar com a questão; mas uma vez abertas as hostilidades, qualquer cedência à barbárie ou desistência face ao terror será mil vezes pior - para todo o mundo, entenda-se - que os custos humanos e materiais da invasão do Iraque. Quer seja a Coligação Anglo-Americana, quer seja a ONU a ocupar e estabilizar o Iraque, o Ocidente não pode desistir.

Com todos os seus defeitos - e são bastantes - a democracia representativa é o mais perfeito sistema político jamais concebido. Como dizia Churchill, "a democracia é o pior sistema de todos, se excluírmos todos os outros". E áqueles que dizem que não nos devemos arrogar ao direito de dizermos que o nosso sistema é melhor que o dos outros, respondo que a melhor prova dessa superioridade consiste no facto de a democracia representativa ser o único sistema político que permite ao seus opositores exprimirem-se livremente. E entre estes, claro, incluem-se aqueles que pregam a revolução e a educação das massas...

A democracia prega a liberdade do indivíduo; os radicais, por seu turno, pregam a subordinação do indivíduo aos interesses colectivos, suprimindo as liberdades individuais em nome de uma determinada ideologia. Não aceito, por isso, lições de democracia da parte de quem não defende a liberdade. Os estados existem em função das pessoas, e não vice-versa. Daí que muitos países, incluindo o Iraque de Saddam, não sejam estados verdadeiramente soberanos.

Isto remete-nos para outra questão: o porquê da existência dos estados e das respectivas fronteiras. Vejo algumas pessoas falaram das fronteiras e da "ordem jurídica internacional" como coisas eternas, sagradas e imutáveis. E isso sim, é não ter qualquer sentido da História.

sexta-feira, abril 02, 2004




SPARTACUS Revi recentemente o épico "Spartacus" (EUA, 1960), realizado por Stanley Kubrick. Baseado na obra homónima de Howard Fast (1958) - cuja leitura recomendo vivamente - o filme narra a história da célebre revolta de escravos liderada por Spartacus, no ano 73 a.C..

Servido por um excelente elenco (Kirk Douglas, Laurence Olivier, Peter Ustinov, Tony Curtis, etc), o filme é inovador em vários aspectos, como por exemplo a forma realista como foram filmadas as cenas de batalha. Embora contenha várias incorrecções históricas (acerca de Crasso e César, por exemplo) que não existem no livro, penso que o filme está muito bem conseguido. Além disso, “Spartacus” ficou para a história como o filme que reabilitou o argumentista Dalton Trumbo – por insistência de Kirk Douglas – que havia sido ostracizado e perseguido pelo Maccarthismo.

Embora seja considerada uma obra menor do mestre Kubrick (que com grande facilidade saltava de um género para outro), creio que se trata de um filme obrigatório. Não só pela sua qualidade enquanto película, mas também pelos valores que promove: esperança, coragem e honra. É um filme que, à semelhança da obra que o inspirou, constitui um belíssimo hino à liberdade. E ensina-nos que mesmo que enfrentemos inimigos invencíveis e a derrota esteja eminente, a verdadeira vitória consiste em combater até ao fim na defesa daquilo que acreditamos. E se acreditamos na Liberdade, mais vale morrermos como homens livres que vivermos como servos.

É impossível não sentir simpatia pela figura de Spartacus, o escravo que liderou uma revolta contra o mais poderoso império do mundo. Durante dois anos, o gladiador liderou um exército de dezenas de milhar de escravos, esmagando todos as legiões que o Senado enviou contra si. Até que, depois de uma resistência desesperada, acabou por perecer em combate contra o astuto Marco Licínio Crasso – que, ao contrário dos anteriores generais romanos, não caiu no erro de subestimar a inteligência do trácio.

Se na história real não se sabe o que sucedeu o Spartacus (crê-se que tombou em combate), no filme o gladiador é feito prisioneiro pelos romanos que, no entanto, desconhecem a sua identidade. E a cena final tornou-se célebre. Spartacus e os poucos companheiros que escaparam vivos à batalha são reunidos no sopé de uma colina, onde escutam o arauto do Senado anunciar que as suas vidas seriam poupadas, na condição de identificarem Spartacus, entre os mortos ou os prisioneiros. Ora quando o trácio se preparava para se entregar aos seus algozes, eis que os seus companheiros se levantam um por um, bradando corajosamente: “eu sou Spartacus!”. E abraçando voluntariamente o suplício, foram crucificados ao longo da Via Ápia, entre Cápua e Roma. Seis mil cruzes adornaram as bermas daquela via durante meses, como exemplo para a multidão de escravos que servia o Império.

Os historiadores marxistas, entre outros, viram Spartacus como um combatente da liberdade, o mentor da única genuína revolução social de toda a história romana. Da minha parte, contudo, creio que Spartacus pretendia a liberdade para si e para os seus, e não propriamente fazer uma revolução. Ainda que detestasse o sistema esclavagista, sabia que não conseguiria derrubar a ordem estabelecida. Fugir de Itália era a única solução, mas infelizmente tal não lhe foi permitido.

Erich Gruen, no seu "The Last Generation of the Roman Republic" (University of California Press, 1974), escreve o seguinte a respeito da revolta de Spartacus:

“(...) It was not the governing class alone that would react in horror to the prospect of a slave insurrection. Whatever the grievances of men disenfranchised and dispossessed by Sulla, they would have found unthinkable any common enterprise with Thracian or Gallic slaves. It causes no surprise that Marxist historians and writers have idealized Spartacus as a champion of the masses and leader of the one genuine social revolution in Roman history. That, however, is excessive. Spartacus and his companions sought to break the bonds of their own grievous oppression. There is no sign that they were motivated by ideological considerations to overturn the social structure. The sources make clear that Spartacus endeavored to bring his forces out of Italy toward freedom rather than to reform or reverse Roman society. The achievements of Spartacus are no less formidable for that. The courage, tenacity, and ability of the Thracian gladiator who held Roman forces at bay for some two years and built a handful of followers into an assemblage of over 120,000 men can only inspire admiration. The Roman reaction was tardy and ineffective. . . . Error of judgment induced the Senate to treat the uprising too lightly at the outset. By the time Rome took firm steps, Spartacus' ranks had considerably swelled and the state's finest soldiers were serving abroad. But Crassus' efforts obtained full support, and the revolt was wiped out in 71.”

Dentro em breve escreverei mais sobre a fascinante personagem que foi Spartacus, no blog Roma Antiga.

CEGUEIRA Não tive ainda tempo para escrever sobre os disparates proferidos pelo nosso "nóbel", José Saramago, a respeito da democracia. Conto fazê-lo em breve, e para já deixo-vos um pequeno excerto de um texto publicado no excelente blog Ilha Perdida, que tomei a liberdade de aqui transcrever, e ao qual nada tenho a acrescentar:

"(...) [Saramago] Vem com aquelas teorias super interessantes, acarinhadas por tantos intelectuais de esquerda, sobre a necessidade de educarmos a sociedade, usando esta maravilha de frase: "A educação pressupõe a existência de um educando e de um educador. Esta sociedade não tem condições para nos dar lições". Curiosidade: seremos nós dignos que esta alma iluminada dispenda um pouco do seu escasso tempo a livrar-nos do nosso estado de osbcuridão?

Esta atitude paternalista, tão típica de quem se arroga o direito de definir o que está bem ou mal, independentemente do que as pessoas e a sociedade que de facto existem possam pensar ou desejar, é a responsável por tantas e tantas barbáries que se cometeram no século que acabou de passar. Nós não somos mais que um obstáculo a ultrapassar para o verdadeiro objectivo - a sociedade ideal (?) - ser atingido.

Podemos pensar que Saramago é mais um utópico, inconformado, sonhador irredímivel. É uma perspectiva. Mas atenção, ainda existem sítios onde vale a pena viver. Ficamos mais descansados. Este senhor, que recusa a democracia e apela ao voto em branco, por alegadamente o sistema estar bloqueado e não funcionar, é o mesmo que de vez em quando faz umas viagens a Cuba e não poupa elogios para descrever o que encontra á sua volta. Outra curiosidade: qual é concretamente o aspecto na democracia que Saramago fazia questão de mudar? o pormenor da expressão da vontade através do voto? O pior dos cegos, é aquele que se recusa a ver."