respublica

quarta-feira, janeiro 28, 2004

CRISTO, O RADICAL O André Belo, do Barnabé, escreveu o seguinte:

"Não sou cristão. O meu cristianismo é inconsciente. O que admiro no exemplo de Cristo é o seu radicalismo. Social, por exemplo ('um rico dificilmente entrará no reino dos céus"). Mas não apenas: o radicalismo da sua crença e da sua missão. O mesmo que lhe fazia invectivar os que o seguiam quando duvidavam: "homens de pouca fé!". Sendo eu próprio um homem de pouca fé, considero-me no entanto mais perto do exemplo de Cristo (que não quero seguir conscientemente) do que o reaccionário que apenas usa o cristianismo como o adorno de que precisa para legitimar as suas concepções conservadoras da sociedade - e não ousa acreditar. O que este cínico carente de outra legitimação usa não é Cristo mas a exuberante aura estética de séculos de cultura cristã. Ao contrário da melhor desta arte, a estética está-lhe ao serviço da política, não da fé."

Pela sua magnífica prosa, o André Belo conquistou no autor destas linhas mais um leitor para o Barnabé. E, além disso, concordo com ele no que diz respeito aos pseudo-cristãos reaccionários que usam o cristianismo como "adorno de que precisam para legitimar as suas concepções conservadoras da sociedade".

No entanto, creio que o articulista está tão longe de Cristo como Paulo Portas, o ministro que se diz cristão ao mesmo tempo que expulsa imigrantes. A esquerda gosta muito de invocar o "radicalismo social" de Cristo, mas esquece completamente a moral sexual e familiar que Ele pregou. Bem sei que a doutrina cristã recebeu influências estóicas que ajudaram a moldar o pensamento cristão sobre as relações familiares e humanas; todavia, sabemos pelas Escrituras que Jesus defendia a indissolubilidade do matrimónio e a castidade.

A Esquerda deseja que a Igreja se remeta para o interior dos templos e dos corações, não interferindo na política e na sociedade. No entanto, rejubila quando o Papa toma posições contra o neo-liberalismo ou a política unilateral dos Estados Unidos, ao mesmo tempo que lhe censura o silêncio em relação a certas injustiças sociais. Afinal em que ficamos?

A Direita, por seu turno, apressa-se a invocar os valores cristãos da família, ao mesmo tempo que esquece aspectos do Cristianismo que lhe são incómodos, como a distribuição equitativa da riqueza, a justiça social e a fraternidade entre os homens.

Portanto, o que me parece é que tanto a esquerda como a direita invocam o cristianismo apenas quando lhes convém.