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terça-feira, janeiro 27, 2004




PERSONAGENS (VIII) poucas figuras na história romana foram tão controversas como Sila (Lucius Cornelius Sulla, 138 a 78 a.C.). Amado por alguns, odiado por muitos e temido por todos, Sila era senhor de uma personalidade extremamente contraditória, sendo capaz das maiores crueldades mas também de gestos da maior liberalidade e generosidade.

Nascido num ramo empobrecido da gens Cornelia, um dos mais ilustres clãs patrícios, o jovem Sila viu-se impedido pela miséria de ascender os degraus do Cursus Honorum. Cresceu e foi educado entre as classes mais baixas da sociedade romana, vivendo entre actores, prostitutas e agiotas. Teve uma existência miserável até aos trinta anos, altura em que recebeu duas heranças que lhe possibilitaram inscrever-se no censo senatorial. Este enriquecimento repentino não deixou de levantar dúvidas entre o meio político romano, pelo que surgiram boatos atribuindo origem criminosa à súbita riqueza do jovem Sila. Diziam as más línguas que ele teria assassinado as suas duas amantes – a própria madrasta, viúva do seu pai, e uma actriz grega com quem manteria uma relação – para lhes ficar com os bens. De qualquer modo, e não obstante este ingresso tardio no mundo da política, Sila cedo deu mostras de grande competência e habilidade.

Mas a sua oportunidade de ouro surgiu quando Caio Mário, comandante da guerra contra Jugurta, o escolheu para Quaestor do seu exército. Jugurta, que se apossara do trono da Numídia, continuava a resistir às legiões romanas que o Senado enviara contra si. Não obstante as importantes vitórias alcançadas por Mário – um dos melhores generais de todos os tempos - o astuto e brilhante rei númida dava mostras de grande capacidade de resistência. Mas Sila resolveria o assunto subornando elementos próximos de Jugurta, que assim foi capturado pela traição. A guerra terminou pouco depois, mas Mário nunca perdoou a Sila o facto de este lhe ter roubado a glória. Tal facto estaria, aliás, na origem dos posteriores desentendimentos entre os dois.

Nos anos que se seguiram, Sila afastou-se cada vez mais de Mário e aproximou-se dos boni (ou optimates), a facção conservadora do Senado. E, embora lentamente, ascendeu todos os degraus do Cursus Honorum. Quando em 89 a.C. despoletou a chamada Guerra dos Aliados, Sila conseguiu um comando no teatro de operações do Sul, onde agiu de forma extremamente eficaz. Reprimiu cruelmente as cidades rebeldes – em Nola, por exemplo, mandou degolar todos os indivíduos de sexo masculino – e esmagou os exércitos samnitas. Quando a guerra terminou, o caminho para o consulado estava finalmente livre.

Cônsul aos 50 anos (oito anos mais velho que a idade considerada “ideal”), Sila implementou leis que reforçavam o poder do Senado, em detrimento dos Equites (cavaleiros). Entretanto, o Senado incumbiu-o da guerra contra Mitrídates do Ponto, que invadira a Província Romana da Ásia; Sila preparou um exército e partiu para o Sul de Itália, de onde embarcaria para o Oriente. Mas notícias de Roma surpreenderam-no: Caio Mário, o velho general, conseguira que a Assembleia do Povo lhe atribuísse o comando da guerra, retirando-o a Sila. Foi então que este tomou um decisão crucial: marchar sobre Roma com o seu exército. Foi o primeiro a fazê-lo, abrindo um precedente perigosíssimo. E, com efeito, muitos o fariam daí em diante.

Surpreendidos pela decisão de Sila, Mário e os seus partidários fugiram da Urbs. Sila impôs a ditadura, mandando prender ou executar os principais líderes da facção de Mário, os chamados populares. Embarcou finalmente para a Grécia, pensando que a situação não se alteraria. Mas enganava-se: Mário regressou do exílio, com um exército de escravos e gladiadores, impondo o terror em Roma. O velho general - outrora chamado “o Terceiro Fundador de Roma”, pelas suas vitórias sobre os Cimbros e os Teutões – estava completamente louco. Centenas de pessoas foram chacinadas, entre as quais muitos senadores. O septuagenário Mário acabaria por morrer, vítima de um derrame cerebral, no décimo terceiro dia do seu sétimo consulado – um record até à altura – mas os marianistas (Sertório, Cina, etc), continuaram no poder até ao regresso de Sila, em 83 a.C.. E então o terror foi ainda pior: Sila retomou o poder pelas armas, mandando executar todos os opositores, incluindo o filho de Mário e outros líderes populares. Decretou depois milhares de proscrições, especialmente entre a classe equestre, de modo a poder financiar os cofres do estado. Os bens dos proscritos eram vendidos em hasta pública, mas claro que nesses leilões apenas licitavam os homens de Sila, e pelo mais baixo preço possível.

De acordo com Plutarco (“Vida de Sila”), no auge da matança um grupo de jovens senadores interpelou o ditador: "We are not asking you" he said "to pardon those whom you have decided to kill; all we ask is that you should free from suspense those whom you have decided not to kill". [versão inglesa]

Depois de implementar um conjunto de leis que reforçavam o poder do Senado e neutralizavam os Tribunos da Plebe e as assembleias (leis Cornélias), Sila acabou por abandonar a ditadura, no ano 79 a.C.. Retirou-se para uma villa da Campânia, onde viveu o resto dos seus dias numa existência dissoluta. Escreveu as suas memórias – em que descrevia a sua vida como uma longa sucessão de êxitos próprios de um “favorito de Fortuna” – e entregou-se a todo o tipo de vícios que sempre ocultara do público. Os milhares de veteranos que estrategicamente distribuíra pelo Império tranquilizavam-no quanto a retirar-se e viver em sossego. Contudo, o seu retiro durou pouco, pois no ano seguinte morria corroído por vermes.

Podemos ainda recordar um breve episódio a respeito deste ditador: quando Sila tomou o poder, o jovem Júlio César, sobrinho de Mário (que era casado com a sua tia Júlia), recusou-se a divorciar-se de Cornélia Cina, filha de um dos maiores inimigos de Sila. Por esse motivo – e pela altivez de César, que o irritava – Sila mandou matar o jovem patrício. No entanto, este conseguiu fugir, escondendo-se nas montanhas. Doente e acossado pelos sicários de Sila, a sua morte parecia iminente. Foi então que um grupo de patrícios – entre os quais vários amigos do ditador – intercedeu pela vida de César junto de Sila. Este acabaria por ceder após vários rogos e insistências, mas não sem antes ter proferido uma frase profética: “cuidado com o jovem César, porque vejo nele mil Mários”. E, com efeito, não se enganava.

Ironicamente, as leis de Sila acabariam por ser revogadas mais tarde por dois dos seus lugares tenentes, Pompeu e Crasso. Plutarco escreveu o seguinte a respeito do monumento em sua honra, no Campo de Marte: “His monument is in the Field of Mars and they say that the inscription on it is one that he wrote for it himself. The substance of it is that he had not been outdone by any of his friends in doing good or by any of his enemies in doing harm”. [versão inglesa]