respublica

sexta-feira, fevereiro 27, 2004

DEIXA-ME RIR... o Departamento de Estado norte-americano criticou o sistema judicial português. É verdade que a nossa justiça é demasiado morosa, e que os tribunais portugueses usam e abusam da prisão preventiva. Mas não temos um campo de detenção ilegal nas Caraíbas, para além de termos sido um dos primeiros países a abolir a pena de morte. Já os nossos amigos americanos não podem dizer o mesmo. Quem tem telhados de vidro não devia atirar pedras...




ECCE HOMO (II) Visitei o site oficial do polémico filme "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson, onde encontrei o seguinte resumo:

"Por volta do ano 30 D.C, um obscuro carpinteiro judeu chamado Jesus de Nazaré começou a pregar em público e a proclamar, na província romana da Palestina, a vinda de um "Reino de Deus". Durante séculos, o povo judeu esperava a vinda prometida de um redentor conhecido como o Messias - um personagem que restauraria a sua antiga dignidade e que libertaria a sua pátria sagrada de todos os males e desesperos. Muitos acharam que Jesus era esse Messias. Além de doze discípulos que constituiam seu grupo mais íntimo, Jesus começou a atrair um grande séquito proveniente das classes populares da Galiléia e Judéia, que o aclamaram como seu Messias e rei. Entretanto, Jesus tinha também numerosos inimigos em Jerusalém. O Sinédrio, um órgão executivo composto dos principais sacerdotes judeus e de membros do grupo dos fariseus, conspiravam para matá-lo.

Com a ajuda de Judas Iscariotes, um membro do círculo mais íntimo de Jesus, o Sinédrio conseguiu prender Jesus, entregando-o para as autoridades civis romanas com a acusação insubstanciada de traição contra Roma. Apesar de Jesus afirmar consistentemente que o seu Reino era um do tipo celestial e espiritual, o procurador romano Pôncio Pilatos, temendo a possibilidade de uma revolta popular, ordenou que Jesus fosse levado para fora da cidade e crucificado como um criminoso comum."


Não encontro nestas linhas os traços de anti-semitismo primário de que o filme tem sido acusado, não obstante as referências a Caifás e ao Sinédrio. Mas claro que isto é apenas um resumo; costuma-se dizer que uma imagem vale mais que mil palavras e, de facto, as imagens do filme podem servir para o realizador acusar os Judeus de serem "blood-thirsty, sadistic and money-hungry enemies of Jesus", como referiram os responsáveis da Anti-Defamation League. A extrema violência do filme, por exemplo, certamente contribuirá para uma visão depreciativa do povo judaico.

Entretanto, a versão final da "Paixão" augura-se bem diferente da película original a que o Nuno Guerreiro assistiu há algumas semanas atrás. Mel Gibson tem procurado retocar o filme, de modo a não ferir susceptibilidades. A ver vamos. Desconhecia por completo que Gibson faz parte de uma seita católica ultra-conservadora (excomungada pelo Vaticano), e que o seu pai é um conhecido revisionista. É de lamentar.

Pessoalmente, é com alguma tristeza que assisto a toda esta polémica. Enquanto católico, queria apenas poder ver uma encenação da Paixão, o momento central da fé cristã. Trata-se do mais belo acontecimento narrado nos Evangelhos - talvez só superado pela Ressurreição - o momento em que Jesus voluntariamente se entrega para salvação de todos os Homens. Incluindo aqueles que O renegaram e mataram. Incluindo aqueles que ainda hoje teriam agido exactamente da mesma forma que Pilatos e o Sinédrio agiram, de modo a salvaguardar a tranquilidade pública e a estabilidade social. Se Jesus viesse agora ao mundo, que Lhe fariam? Internavam-No numa instituição psiquiátrica? Prendiam-No e condenavam-No como elemento subversivo? Ostracizavam-No e excluíam-No da sociedade?

Muitas pessoas de "bem", ao assistirem à "Paixão de Cristo", ficarão chocadas com o comportamento da populaça de Jerusalém, que insultou e apupou Jesus, enquanto Ele carregava a cruz. Mas não seremos todos nós um pouco como a populaça das ruas de Jerusalém? Quando troçamos da miséria alheia, quando julgamos os outros, ou quando nos recusámos a estender a mão aos que sofrem? Sempre que agimos assim, renegamos o próprio Cristo. "Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos pequeninos, a Mim o fizestes". (Mat. 25, 40)

Entretanto, não resisto a transcrever as palavras do José, do excelente blog Guia dos Perplexos :

"(...) Nesta altura, em que parece que querem que discutamos de novo quem são os culpados da morte de Cristo, parece também que estamos a deixar esquecer o essencial. É que Cristo podia ter evitado o seu sofrimento e morte. Por várias ocasiões ele podia ter suavizado ou relativizado a sua mensagem, a sua postura. Se o tivesse feito certamente que o não teriam morto pois naquela altura não era nada de grave ser-se chefe de mais uma seita judaica. Ao recusar fazê-lo, Cristo deixou-se ser morto, tornou-se também Ele responsável pela sua própria morte. E Ele que era Deus, sacrificou-se pela sua mensagem aos homens, para que ela hoje possa ainda viver nos corações de quem Nele crê".

quinta-feira, fevereiro 26, 2004

NOVAS LIGAÇÕES inseri links para o Causidicus, para o Hiperbólico, para o (Des)Humores (do meu estimado colega e amigo Rui Afonso), para o Miniscente, para o Bengelsdorff, e para o Guia dos Perplexos. Creio que são blogs de visita obrigatória, embora cada vez tenha menos tempo para a blogosfera, infelizmente.

quarta-feira, fevereiro 25, 2004




A ADOPÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS O Hiperbólico, interessante blog, comentou o meu post sobre este tema, escrevendo o seguinte:

“Uma posta do Filipe lembrou-me um dos maiores desafios da actualidade – a confrontação entre valores e direitos contraditórios: «O que está em causa não é o direito dos gays e lésbicas a adoptarem crianças, mas sim o direito das crianças a terem uma família normal.» O conceito de família fragmentou-se nos últimos 30 anos. Desconheço qual o padrão de família que o Filipe evoca como “família normal”. Não será, julgo, a família de pai trabalhador, mãe dona de casa e quatro ou cinco filhos em redor. A realidade portuguesa pouco tem a ver com os filmes Disney dos anos 50, com a Casa da Pradaria e, muito menos, com o Bonanza. A grande maioria das famílias actuais, em idade reprodutiva, vive num T2 nos subúrbios, máximo um filho, porque dois já é uma loucura. Os pais podem ter-se divorciado e a criança viver com a mãe, o padrasto e talvez um meio-irmão. Ou os pais juntaram os trapinhos, não pensam sequer em casar. Ter filhos, por razões de biologia, liga-se muito estreitamente à sexualidade. Por razões de sobrevivência à economia. Por motivos de socialização à família. E cada uma destas dimensões da vida das pessoas liga-se com as outras todas. E todas elas mudaram, são diferentes. Diferentes do que foram e diferentes de pessoa para pessoa. Não contesto que as crianças tenham direito a uma família normal. Só não sei o que é uma família normal. Será uma família média, essa monstruosidade estatística? Será a família mais frequente? Será um conjunto de meia dúzia de formatos aceitáveis entre os outros todos perigosamente minoritários? O critério de normalidade da família para decisão de adopção é, no mínimo, intratável, questionável e tendencialmente injusto. Pior! A decisão de aceitar um adoptante é sempre um risco que se corre, mas substituir esse risco por falsas seguranças não é solução. Que tal em vez de pensar em termos de normalidade da família, lembrarmo-nos verdadeiramente dos interesses da criança, que é melhorar a sua vida, ter oportunidades, ser feliz. A criança terá direito a uma vida saudável. E temos outras crianças cuja família é família nenhuma. E todas têm o direito de ter uma família saudável”.

É uma boa questão, essa de saber o que é uma “família normal”. Aliás, não sei se poderemos falar em famílias “normais”. O que é a normalidade? Existirá? Quando escrevi que o que o que está em causa não é o direito dos gays e lésbicas a adoptarem crianças, mas sim o direito das crianças a terem uma família normal, referia-me ao “normal” do ponto de vista biológico. E essa “normalidade” existe há milhões de anos. Não é por acaso que a reprodução se verifica exclusivamente entre um macho e uma fêmea (salvo algumas excepções no mundo animal, dirão alguns entendidos).

Não quero com isto repetir os velhos chavões homofóbicos, dizendo que as uniões gay são anti-natura, ou que a homossexualidade é uma doença. Não se trata disso, nem eu subscrevo tais opiniões. Aliás, creio que todo este debate tem fugido à questão central, que é a de saber que direito prevalece: o da criança, que tem direito a ter um pai e uma mãe, ou o do casal gay que tem direito a adoptar e educar uma criança.

Admito que dois homossexuais podem mesmo ser os melhores pais do mundo. Podem até ser os progenitores mais compreensivos, carinhosos e preocupados; mas não é isso que está em causa. Também não me interessa saber se a homossexualidade se “transmite” às crianças educadas por gays ou lésbicas. Em meu entender, não é isso que está em discussão.

O Estado é responsável pelas crianças que tem à sua guarda; e a todas deve conceder a oportunidade de ter um pai e uma mãe (e não dois pais ou duas mães), que lhe proporcionem uma família saudável.

É claro que este é um tema muito complexo, para o qual talvez não exista apenas uma resposta. Talvez sejam várias respostas, várias verdades. Admito que assim possa ser. No entanto, e até porque, como todos sabemos, as opiniões a este respeito entre os psicólogos divergem, não será preferível seguir os ditames da Natureza?

AVE! Obrigado aos Meninos de Ouro, pelas simpáticas palavras que me dirigiram, a respeito do novo blog sobre a Antiga Roma (que infelizmente, devido aos meus muitos afazeres diários, ainda não está operacional). Espero que este novo blog se torne um espaço didáctico e informativo de interesse para todos, e para tal conto com a vossa ajuda.

A SEXUALIDADE DE CRISTO o Alex voltou a este assunto, escrevendo o seguinte:

"(...) a Virgindade era uma coisa vergonhosa entre os judeus, tendo dado como exemplo o episódio bíblico da filha de Jefthe (post nº 321) e o apócrifo da Virgem (post nº 333). Ora bem, se a virgindade era uma vergonha para as mulheres, para os homens ainda o era mais (lembro-me de aos 10 anos os meus colegas, todos, dizerem que não eram virgens). No tempo de Cristo, pior ainda. Assim sendo, como poderia Jesus Cristo ser “casto”? Não deveria ser virgem aos 15, nem aos 20 e muito menos aos 30!"

A respeito da filha de Jefté, dá que pensar o facto de ela ter ido "chorar a virgindade" antes de morrer, e não perdê-la. Se era assim uma vergonha tão grande para ela, não faria mais sentido que quisesse perder a virgindade antes de morrer? É verdade que para as raparigas judias a virgindade era um opóbrio, mas a tradição dizia que deveriam casar virgens.

O Alex escreveu ainda:

"Que horror! Jesus Cristo foi acusado de beber bem, comer bem, andar na companhia de mulheres e de pecadores, mas nunca, nunca, jamais foi acusado de ser casto! Jamais foi acusado de ser solteiro!"

Mas porque é que havia de ser "acusado"? E aqui és traído pelo teu próprio discurso, Alex. Ao dizeres que Ele era acusado de andar na "companhia de mulheres", admites que a sociedade da época censurava esse tipo de comportamentos. Ou seja, que os coetâneos de Jesus não viam com bons olhos que um homem andasse na companhia de mulheres "pecadoras".

"Jamais o acusaram de ser contra-natura, de não obedecer ao mandamento de “crescei e multiplicai-vos”, etc. Se Jesus Cristo não tivesse vida sexual, seria uma vergonha! Se Jesus Cristo não tivesse vida sexual, também não teria vida religiosa, porque seria um proscrito, um excluído socialmente. O que concluir daqui?"

Mas ele ainda tinha idade para vir a casar e cumprir o mandamento do "crescei e multiplicai-vos". Logo, porque é que haveria de ser excluído?

Parece-me que temos de ter em conta que a sociedade da época valorizava muito mais a virgindade das mulheres que dos homens. Aliás, concordo com o Alex quando ele diz que a virgindade era uma vergonha para um homem (um pouco à semelhança do que sucedia não há muito tempo na nossa própria sociedade). Todavia, temos que ter em conta o que o próprio Jesus disse sobre o assunto. E para isso cito o meu anterior post sobre este mesmo tema, uma vez que o Alex não chegou a responder:

"Não gosto deste tipo de discussão, citação contra citação. Todavia, neste caso não tenho alternativa. Vamos, então, por partes.

A respeito do matrimónio e da virgindade:

"Ora, eu vos declaro que todo aquele que rejeita sua mulher, exceto no caso de matrimônio falso, e desposa uma outra, comete adultério. E aquele que desposa uma mulher rejeitada, comete também adultério. 10Seus discípulos disseram-lhe: Se tal é a condição do homem a respeito da mulher, é melhor não se casar! 11Respondeu ele: Nem todos são capazes de compreender o sentido desta palavra, mas somente 12Porque há eunucos que o são desde o ventre de suas mães, há eunucos tornados tais pelas mãos dos homens e há eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do Reino dos céus." (Mat. 19, 9 - 12)

A respeito da castidade:

"(...) Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. 28Eu, porém, vos digo: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração. 29Se teu olho direito é para ti causa de queda, arranca-o e lança-o longe de ti, porque te é preferível perder-se um só dos teus membros, a que o teu corpo todo seja lançado na geena." (Mat. 5, 27-30)

Há ainda muitas outras passagens bíblicas que poderiam ser citadas. Por exemplo, Mat. 05, 32; Mat. 19, 18; Mc 10, 12; Mc 10, 19; Lc 12, 18; Lc 18, 20; Jo 8,4.

É óbvio que o cristianismo nascente foi influenciado por determinadas correntes filosóficas helenísticas. Mas parece-me evidente que o próprio Cristo foi bastante explícito na defesa da castidade e da indissolubilidade do matrimónio (salvo em caso de adultério). Concorde-se ou não."

quinta-feira, fevereiro 19, 2004

BLOG SOBRE A ROMA ANTIGA (III) está já em fase experimental, no seguinte endereço: "www.roma-antiga.blogspot.com". Creio que ficará pronto até ao próximo dia 23. Até lá, agradeço eventuais comentários e sugestões!

OS DEZ MAGNÍFICOS o Tempore, excelente blog sobre História Universal, publicou uma adenda a um anterior post sobre os "dez magníficos", um grupo de dez personalidades a quem o presidente Eisenhower confiou a governação dos Estados Unidos caso tivesse lugar um holocausto nuclear.

quarta-feira, fevereiro 18, 2004




ECCE HOMO O Nuno Guerreiro (a quem aproveito para agradecer e retribuir as simpáticas palavras que me dirigiu), assistiu à ante-estreia do filme ”A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson, e diz não ter gostado do que viu. Segundo ele, é um filme particularmente brutal, com violência a mais e um argumento pobre. O realizador terá exagerado na sua reprodução dos acontecimentos narrados no Evangelho, esquecendo-se que, como o Nuno referiu, os textos bíblicos são documentos doutrinários e não históricos.

Mas o que mais incomodou o Nuno terá sido o facto de este filme fazer eco de velhas teorias anti-semitas, que culpam todo o povo judeu pela morte de Jesus. Quanto ao real detentor do poder, Pôncio Pilatos, procurador romano da Judeia, o filme retrata-o conforme a imagem tradicional do governador que lava as mãos enquanto se condena à morte um inocente.

Por razões óbvias, não me posso pronunciar sobre aspectos técnicos de um filme que ainda não vi. Mas pretendo tecer um breve comentário sobre o papel de Pilatos na prisão e morte de Cristo.

Ao longo dos séculos, Pilatos foi visto como o governador débil que permitiu a condenação de Jesus para satisfazer os líderes judaicos. Até que ponto será isto verdade? A mim parece-me que a imagem do procurador romano foi intencionalmente “branqueada”, de modo a não chocar a mentalidade romana. Os Pais da Igreja queriam passar a ideia de que Cristo não foi condenado por desobedecer às leis romanas – o que daria mais argumentos aos que naquela época consideravam o cristianismo uma doutrina subversiva e inimiga do Estado – mas sim por se opôr à élite religiosa judaica. E de certo modo, isso é verdade. Frases como “o meu Reino não é deste mundo” (Jo. 18, 36), ou “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Lc. 20, 25) indicam que Jesus não se intitulava como o Messias político que certos judeus esperavam, mas como o Filho de Deus cujo domínio não é de natureza temporal, mas sim espiritual. O cristianismo nascente não pretendia a libertação da Judeia ou construir o “Grande Israel” com que os Zelotes sonhavam. Pilatos e Roma não tinham nada a temer a esse respeito.

Por outro lado, e não obstante estas considerações, talvez Pilatos tenha considerado que a nova seita poderia vir a assumir proporções perigosas para a ordem estabelecida. Ou talvez quisesse agradar a Caifás, de forma a conseguir certas facilidades políticas. Ou talvez o destino daquele Galileu lhe fosse simplesmente indiferente. De qualquer modo, creio que se assim quisesse, Pilatos teria livrado Cristo da morte. Por exemplo, o governador Félix fez exactamente o mesmo, anos mais tarde, quando protegeu o Apóstolo S. Paulo dos sacerdotes que o perseguiam.

Ainda a respeito do julgamento de Cristo no Pretório de Pilatos, os Evangelhos não são muito claros sobre quem exigiu a morte de Cristo. O de João, que é considerado o mais fiel do ponto de vista histórico (por ser o único a ser escrito com base no relato de uma testemunha ocular dos factos, o Apóstolo S. João), diz apenas que foram os príncipes dos sacerdotes e os guardas do Templo a pedir a morte de Jesus: “Assim que o viram, os príncipes dos sacerdotes e os guardas do templo gritaram: «Crucifica-O, crucifica-O!” (Jo. 19, 6). Já Lucas diz que “Pilatos convocou os príncipes dos sacerdotes, os chefes e o povo” (Lc 23, 13). Mas como é que se pode convocar o “Povo”? Pode-se, com certeza, conseguir a presença de alguns populares ou seus representantes, mas não de todo o povo de Jerusálem e muito menos de toda a Judeia. Marcos, por seu turno, diz que “Os príncipes dos sacerdotes, porém, instigaram a multidão a pedir que soltasse, de preferência, Barrabás” (Mc. 15, 11). Mais uma vez, a culpa é atribuída principalmente aos líderes políticos e religiosos.

Quanto ao Evangelho segundo S. Mateus, é o que dá a imagem mais negativa do Judeus, atribuindo as culpas a todo o povo hebraico. Há que ter em conta que este evangelho, ao contrário do de João, não foi escrito por uma testemunha ocular dos acontecimentos. Foi composto em Roma, nos anos que se seguiram ao reinado de Nero, pelo que o autor desconhecia por completo a realidade judaica na Palestina do tempo de Jesus. Vejamos o que diz:

“Pilatos disse ao Povo, que se encontrava reunido: “Qual quereis que eu solte, Barrabás ou Jesus, chamado Cristo?” (Mat. 27, 17)

“Mas os príncipes dos sacerdotes e os anciãos persuadiram a multidão a que pedisse Barrabás e provocasse a perda de Jesus” (Mat. 27, 20)

“(...) Pilatos, vendo que nada conseguia e que o tumulto aumentava cada vez mais, mandou vir água e lavou as mãos em presença da multidão, dizendo: «Estou inocente do sangue deste justo: Isso é convosco». E todo o povo respondeu: «que o seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos!»” (Mat. 27, 24-25)

Os Pais da Igreja queriam culpar alguém da morte de Jesus; Pilatos não podia ser, porque acusar um procurador de César seria pôr em causa a própria legitimidade do Estado. Os culpados tinham de ser os outros, os que escapavam à tutela do poder romano: a Casa de Herodes, as autoridades do Templo e os zelotes. Pilatos seria, quando muito, culpado de omissão ou covardia.

Infelizmente, este ódio aos Judeus esteve na origem, pelo menos em parte, do anti-semitismo europeu. Ao longo dos séculos, o baixo clero ajudou a alimentar este ódio anti-semita, acicantando as massas contra os “pérfidos judeus”. Já o Papado, curiosamente (e ainda bem), protegeu o povo judeu das perseguições do poder temporal e da fúria das multidões. A este respeito, recomendo a leitura de um recente post do Tempore.

Voltando a Pilatos: sabemos que era um governador cruel e obstinado. Aliás, foi mesmo destituído do cargo e julgado em Roma devido a abusos cometidos na Samaria. Terá supliciado milhares de samaritanos e misturado o seu sangue com o das vítimas oferecidas em holocausto no santuário do Monte Garizim, profanando aquele local sagrado. Quanto ao julgamento de Jesus, creio que Pilatos foi tão culpado como os líderes judaicos (ou os chefes zelotes que queriam a libertação do “messias guerreiro” Barrabás). Aliás, Cristo sempre foi e será incómodo para os poderes políticos e económicos deste mundo; Jesus é e será sempre a “pedra de tropeço” para quem detém o poder.

Por esse motivo, faço minhas as palavras do Marcos (do Arqueoblogo, não do Evangelho) a este respeito: "Porque a maior parte do Homem é sanguinário e odioso, não compreendendo e não tolerando as suas palavras penetrantes, mais preocupado com os seus interesses, com as aparências e com o bem parecer.
Porque as suas verdades feririam muitos corações empedernidos de dirigentes religiosos e políticos, em qualquer época, em qualquer lugar".

A ADOPÇÃO POR HOMOSSEXUAIS Um tribunal de Navarra autorizou um casal de lésbicas a adoptar uma criança.

Nada tenho nada contra os direitos dos homossexuais. Acho bem que possam juntar os trapinhos e que não sejam discriminados devido à sua orientação sexual. Mas não concordo que possam adoptar crianças.

O que está em causa não é o direito dos gays e lésbicas a adoptarem crianças, mas sim o direito das crianças a terem uma família normal. Ou seja, a terem o que a natureza dá a cada um de nós: um pai e uma mãe, e não dois pais ou duas mães.

A liberdade e os direitos dos homossexuais terminam quando começam as liberdades e os direitos das crianças.




O CASTIGO DOS PARRICIDAS A sociedade romana era, como sabemos, de molde patriarcal. O Pater Familias era detentor de poder de vida ou de morte sobre os membros não emancipados da sua família: esposas, filhos menores, filhas solteiras, mães viúvas e outras pessoas que lhe fossem confiadas (filhos adoptivos, por exemplo). A lei consagrava o respeito pela figura paterna, no que influíam aspectos religiosos importantes. Para os Romanos, o parricídio era o crime mais horrendo que alguém podia cometer: mais que uma ofensa às leis dos homens, era considerado um ultraje aos deuses. Por exemplo, é curioso verificar que mesmo os piores facínoras da história romana respeitaram a vida dos respectivos pais (dos pais, não das mães; Nero, por exemplo, matou Agripina, ao que dizem para poder contemplar as entranhas que o conceberam...). Ao contrário dos soberanos persas, partos, egípcios ou gregos, nunca um imperador romano ascendeu ao trono assassinando o pai. Houve rumores, é certo, a respeito de imperadores como Domiciano ou Caracala, por exemplo, mas nada ficou provado.

O castigo para os parricidas era exemplar, tendo sido estipulado nos primórdios da república romana (ou mesmo no tempo da monarquia). O castigo do parricida destinava-se a exprimir a ira do pai Júpiter contra o filho que ousa assassinar aquele que transporta a semente que lhe deu vida. Era, por isso, uma pena estipulada por sacerdotes e não por legisladores.

Mas que castigo era esse? Era um suplício particularmente cruel, mesmo para os padrões da época. A lei estipulava o seguinte: imediatamente após a sua condenação pelo tribunal, o parricida era conduzido para fora dos muros da cidade, para o Campo de Marte. A população era depois convocada para assistir ao suplício, através do toque de trombetas por toda a Roma.

Eram colocados dois pedestais à altura dos joelhos do parricida; este, já completamente despido, punha um pé em cada pedestal, ficando acocorado e com as mãos presas atrás das costas. Deste modo, todas as partes do seu corpo nú ficavam acessíveis aos carrascos, que o chicoteavam com látegos cheios de nós, até o sangue jorrar como água... significava isto que o sangue que lhe corria do corpo era o mesmo que correu nas veias do seu pai e lhe deu a vida. Ao vê-lo jorrar, o parricida compreendia o desperdício que o seu crime produziu... e o sacrilégio que era ofender a origem da própria vida.

Quanto os carrascos terminavam o seu trabalho – ou seja, quando todo o corpo do parricida estivesse completamente dilacerado – o condenado era obrigado a rastejar para dentro de um saco de peles estreitamente cozidas, de forma a não deixar entrar água nem ar. Se recusasse, os tormentos recomeçariam. E como o saco estava colocado a vários metros dos pedestais, a populaça tinha oportunidade de insultar o parricida e de o cobrir com excrementos enquanto ele se arrastava.

Uma vez dentro do saco, o parricida estava assim devolvido ao ventre materno, tornado não nado, não nascido. Eram depois colocados no saco quatro animais, que deveriam continuar a atormentar o condenado: um galo e um cão, símbolos protectores do lar, que falharam na missão de proteger o pater familias; uma serpente, princípio masculino que tanto pode dar a vida como a morte; e, finalmente, um macaco, a mais cruel paródia de humanidade feita pelos deuses.

O saco era depois hermeticamente fechado e lançado ao Tibre; vigilantes eram colocados ao longo do rio, desde Roma até Óstia, de modo a que o saco não desse à margem. Uma vez no mar alto, o supliciado era entregue de Júpiter a Neptuno, e deste último a Plutão. Estava para além do cuidado e da memória, longe da vida que desprezara e ultrajara. A morte, que tanto podia demorar apenas alguns minutos como várias semanas, seria agora uma libertação.

O DIRECTÓRIO Berlusconi e Aznar manifestaram-se contra a reunião de Berlin, entre os chamados “Três Grandes”. Os chefes de governo italiano e espanhol são contra o chamado Directório, ao mesmo tempo que se dizem anti-federalistas; não compreendem que o federalismo, sob a forma de uma confederação, é o único garante da independência e da conservação da identidade dos países europeus. Só uma confederação europeia de nações poderá impedir a formação de directórios de grandes. Mas o problema de Aznar e Berlusconi é outro: gostavam de ter sido convidados para o encontro de Berlin.

segunda-feira, fevereiro 16, 2004

LENTIDÃO peço desculpa pela demora no carregamento deste blog. Suponho que tal se deva a imagens que coloquei a acompanhar alguns posts, pelo que as retirei.

BLOG SOBRE A ROMA ANTIGA (II) ficará alojado no "weblog.pt" e estou neste momento a escolher o template. Brevemente terei mais novidades.

sexta-feira, fevereiro 13, 2004

"Superstição: do Lat. superstitione; s. f.; sentimento religioso erróneo que induz a criar falsas obrigações e que leva à prática de deveres absurdos ou imaginários; excessiva credulidade; crendice; preconceito." (Dicionário Universal Porto Editora)

SEXTA FEIRA 13 (II) Outra explicação para a superstição a respeito da sexta feira 13 encontra-se na mitologia nórdica. Li o seguinte texto neste site:

"Na mitologia nórdica encontramos uma lenda sobre isso [o número 13]. Odin, chefe de uma tribo asiática, estabeleceu na Escandinávia seu reino. Para administrá-lo, celebrar os rituais religiosos e predizer o futuro, Odin teria escolhido doze sábios, reunindo-os em um banquete no Valhalla, morada dos deuses. Loki, o deus do fogo, apareceu sem ser convidado e armou uma grande confusão. Como invejava a beleza radiante de Balder, deus do Sol e filho de Odin, fez com que Hodur, o deus cego, o assassinasse por engano. Daí veio a crendice de que 13 pessoas reunidas para um jantar é desgraça certa".




"(...) E, estando ele ainda a falar, eis que chegou Judas, um dos doze, e com ele grande multidão com espadas e varapaus, enviada pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos do povo. E o que o traía tinha-lhes dado um sinal, dizendo: O que eu beijar é esse; prendei-o. E logo, aproximando-se de Jesus, disse: Eu te saúdo, Rabi; e beijou-o. Jesus, porém, lhe disse: Amigo, a que vieste? Então, aproximando-se eles, lançaram mão de Jesus, e o prenderam." (Mat. 26, 47-50)

SEXTA FEIRA 13 (I) Como todos sabemos, a superstição popular considera aziago este dia. Uma das explicações para que assim seja reside em acontecimentos centrais da crença cristã, narrados nos Evangelhos: a Última Ceia e a traição de Judas.

Eram treze os comensais na Última Ceia, ou seja, Jesus e os Doze. Ora um deles, Judas Iscariotes, entregou Cristo aos que o perseguiam. Daí que se considere que dá azar ter treze pessoas numa mesa. Quanto à sexta feira, a origem da superstição que lhe foi associada residirá no facto de Jesus ter sido crucificado nesse dia.

Para concluir, resta dizer que li algures que na antiga numeração hebraica, os números eram representados por letras. A letra que indicava a quantidade treze era a mesma usada para a palavra "morte". Não sei se tal será verdade, mas aqui fica o apontamento. Talvez o Nuno Guerreiro saiba algo a este respeito.

terça-feira, fevereiro 10, 2004

SANTIAGO NELE! o Mata Mouros deu Santiago em Eduardo Prado Coelho (EPC), a respeito das críticas que este último teceu sobre Mourinho.

Aqui ficam algumas linhas desta prosa deliciosa: "(...) EPC tem alguma razão quando advinha que Mourinho não é português. Não é, de facto, um português de agora. Pelo contrário, EPC é-o. Na perfeição. Mourinho é um lutador. E um vencedor. Tudo o que é conseguiu-o com vontade, com garra. Até ser considerado o melhor do mundo, arrostou com o desdém dos instalados. Contra as dificuldades valeu-se de si. Fez-se a si mesmo, com o seu esforço. Não gosta de perder. Nem de empatar. EPC representa o seu contrário. Fala e não faz. Não luta e não faz. Não ganha e não faz. Adora empatar. Esteve sempre na crista da onda. Onde era política e intelectualmente correcto estar. De tanto se tentar parecer com o que está, tornou-se na imagem adiposa e caduca do status".




GRANDES PATIFES DA HISTÓRIA (II) Poucos imperadores romanos foram tão odiados como Maximino, o Trácio (Caius Iulius Verus Maximinus, chamado Thrax).

De origem extremamente humilde, Maximino nasceu nas montanhas da Trácia, por volta do ano 173. Os autores da época referem que nascera numa família de camponeses, e que fora pastor em criança. No entanto, a sua extraordinária robustez e resistência física (tinha mais de dois metros de altura!) cedo o habilitaram para a carreira das armas, que abraçou ainda adolescente.

O célebre historiador inglês Sir Edward Gibbon, no seu conhecido "Declínio e Queda do Império Romano", fez eco de uma velha tradição a respeito da entrada do jovem Maximino nas legiões. Escreveu ele que, aquando de uma visita de Septímio Severo à Trácia, Maximino teria corrido durante horas atrás do carro do imperador. Este, impressionado com a extraordinária resistência do jovem trácio, autorizou a sua admissão no exército. E anos mais tarde, quando Severo levou a cabo a sua guerra contra os Persas, Maximino era já um respeitado oficial a quem eram confiadas importantes responsabilidades.

Anos mais tarde, em 235, durante a campanha do jovem imperador Alexandre Severo na Germânia, Maximino era já general. Fora-lhe confiada a tarefa de recrutar e treinar os reforços para as legiões, e foi nessa vantajosa posição que o trácio decidiu derrubar o débil Alexandre. Inesperadamente, um grupo de oficiais revoltou-se contra o imperador, reclamando a púrpura imperial para Maximino. E este, que a princípio se mostrou relutante em aceitar a dignidade imperial (para manter as aparências?), depressa aderiu à revolta. Quanto ao jovem Alexandre, foi brutalmente assassinado pelos soldados na sua tenda, juntamente com a sua mãe. O choro e as súplicas do pobre coitado não comoveram os algozes.

Quando assumiu o poder, Maximino instaurou um regime de terror. Mandou executar a maioria dos conselheiros, amigos e parentes de Alexandre, confiscou terras e propriedades, tirou poderes ao Senado, etc. Tudo isto contribuiu para que fosse visto como um bárbaro feroz (e que, de facto, era!), inimigo da tradição e das leis romanas. Maximino foi o primeiro "imperador soldado", pois antes dele todos os césares eram oriundos da classe senatorial. Era, por isso, um inimigo do senado e das velhas famílias da aristocracia tradicional.

Em 238, porém, estalou uma revolta na província de África, liderada pelos patrícios Gordianos, alegados descendentes de Caio Graco e Marco António. Ou seja, da mais fina flor da aristocracia romana. A revolta de África foi rapidamente esmagada por um dos lugares-tenentes de Maximino, mas o Senado, que havia atribuído a púrpura aos Gordianos e que estava ciente do cruel castigo que o esperava, nomeou dois novos imperadores, Pupieno e Balbino.

Maximino depressa marchou para Itália, mas as forças do Senado travaram o seu avanço em Aquileia. E após o assédio infrutífero desta fortaleza, sem provisões e vendo que todo o Império aderira à revolta, os soldados acabaram por assassinar Maximino e o seu filho, reconhecendo a autoridade do Senado.

É verdade que Maximino cometeu sacrilégios e crueldades horrendas. Mas outros as cometeram antes. Sem dúvida que o facto de ser meio bárbaro e de origem extremamente humilde contribuiu muito para a imagem que os autores da época nos legaram.

QUANDO O SOFRIMENTO DOS OUTROS NOS PASSA DESPERCEBIDO A extrema miséria em que vivia levou um casal de idosos romenos ao suicídio. "Os nossos dias acabaram hoje. O nosso sofrimento chegou-nos aos ossos. Foi por isso que fizémos este louco gesto. Não conseguimos continuar mais. Vivemos unidos 56 anos e queremos viver juntos o último dia", escreveram Constantin e Ana na sua carta de despedida. Mas como referiu o Animal, do Blog dos Marretas, "como não deu em directo na televisão, não vale a pena perdermos o nosso tempo com comentários emocionados".

segunda-feira, fevereiro 09, 2004

BLOG SOBRE A ROMA ANTIGA? Já devem ter reparado que dedico muito espaço neste blog a assuntos ligados à Antiguidade Clássica, em especial ao mundo greco-romano. Faço-o porque realmente se trata de um tema que me é caro, embora seja apenas um amador. Veio-me entretanto a ideia, depois de visitar o Cadernos de Camus, de criar um blog exclusivamente dedicado à Roma Antiga. Um blog que falasse da sociedade romana (as complicadas relações de clientela e amicitias, a questão da escravatura, a vida privada, etc), do sistema político da república e do império, do direito romano, da longa evolução histórica do estado romano (ab urbe condita até à conquista ostrogoda), e de muitos outros assuntos. Que pensam disto o Marcos, o Alex, o Cobra Cuspideira, o Tempore, e o Rua da Judiaria (sim, porque os Judeus tinham um importante papel na sociedade romana)? Que acham de em conjunto criarmos um blog sobre a Roma Antiga, que recolha o contributo quer de especialistas quer de simples aficcionados? Aguardo a vossa resposta, quirites!

PIADAS DE ESPANHÓIS a nossa querida Charlotte tem postado piadas de argentinos. Mas para quê ir tão longe, se temos os espanhóis mesmo aqui ao lado? Ora aqui fica uma bem inocente, que isto de brincar com os nossos vizinhos (há quem diga que são os nossos senhorios...), pode ferir susceptibilidades: Sabem o que é um excelente negócio? Comprar um espanhol pelo seu verdadeiro valor, para depois o vender pelo dobro, ou seja, pelo valor que ele julga ter!

O HOMEM QUE QUERIA SER REI (II) Rudyard Kipling, autor de "O Homem Que Queria Ser Rei", foi também um poeta de reconhecido talento. Imbuído do espírito nacionalista e imperialista característico da época, Kipling escreveu "If", um poema em que se exaltam os mesmos valores assumidos pelos protagonistas de "O Homem Que Queria Ser Rei":

"If you can keep your head when all about you Are losing theirs and blaming it on you; If you can trust yourself when all men doubt you But make allowance for their doubting too,

If you can wait and not be tired of waiting, Or, being lied about, don't deal in lies, Or, being hated, don't give way to hating, And yet don't look too good, nor talk too wise,

If you can dream -- and not make dreams your master; If you can think -- and not make thought your aim; If you can meet with triumph and disaster, And treat those two impostors just the same,

If you can bear to hear the truth you've spoken Twisted by knaves to make a trap for fools, Or watch the things you gave your life to broken And stoop and build'em up with worn out tools

If you can make one heap of all your winnings, And risk it on one turn of pitch-and-toss; And lose, and start again at your beginnings, And never breathe a word about your loss

If you can force your heart and nerve and sinew, To serve your turn long after they are gone, And so hold on when there is nothing in you, Except the will that says to them "Hold on!"

If you can talk with crowds and keep your virtue, Or walk with Kings -- nor lose the common touch; If neither foes nor loving friends can hurt you; If all men count with you -- but none too much;

If you can fill the unforgiving minute, With sixty seconds' worth of distance run, Yours is the Earth and everything that's in it, And--which is more--you'll be a Man, my son!"




O HOMEM QUE QUERIA SER REI (I) um dos meus filmes preferidos é, sem dúvida, "O Homem Que Queria Ser Rei", de John Houston (1975), baseado na obra homónima de Kipling ("The Man Who Would Be a King").

O filme conta a história de dois aventureiros britânicos nas montanhas da Ásia Central, em finais do século XIX. Danny e Peachy (Sean Connery e Michael Caine, respectivamente) são dois veteranos do exército britânico da Índia que, em busca de ouro e glória, partem para o mítico reino do Kafiristão, no norte do Afeganistão. Depois de muitas peripécias, no decurso das quais quase perdem as vidas, os dois malandros acabam por chegar ao seu destino; e depois de outras tantas peripécias, nas quais os seus conhecimentos militares se revelam decisivos, Danny e Peachy acabam por se tornar senhores do país e das suas riquezas, colocando-se ao serviço dos vários chefes tribais que há anos se guerreiam mutuamente.

Mas o inesperado acontece: no decurso de uma batalha, uma flecha atinge Danny no peito, derrubando-o do cavalo. Todos o consideram morto, mas, para espanto geral, Danny levanta-se como se nada fosse! Os nativos, impressionados com tão divina atitude, caem-lhe aos pés em sinal adoração. Julgam-no uma reencarnação do seu deus "Sikandre", que na Antiguidade conquistara o Kafiristão. Claro que Danny e Peachy sabiam que a flecha fora travada por um simples medalhão, e que este tal "Sikandre" era Alexandre, o Grande.

Danny depressa se habitua ao seu novo papel de deus-vivo, passando mesmo a ter uma certa preocupação pelo bem estar dos seus novos súbditos. Manda construir pontes e edifícios, cria um exército, cunha moeda, etc. Todos os seus sonhos se concretizam. E, tal como Alexandre, apaixona-se pela sua bela Roxanne, a quem pretende desposar. Mas o destino, cruel e irónico, reservaria uma última surpresa aos dois aventureiros...

Acho este filme inesquecível pelo fino sentido de humor e espírito aventureiro que o perpassa; e há ainda a profunda amizade e sentido de honra partilhados pelas duas personagens principais, que atingem o auge no trágico final. Além disso, "O Homem Que Queria Ser Rei" é uma interessante reflexão sobre a sociedade colonial e o contacto entre povos e culturas tão diferentes.

Uma película divertida, emocionante e com excelentes interpretações, que nos faz pensar que já não se fazem filmes assim.

O PARTIDO DA MODA Chamou-me a atenção o artigo de Eduardo Cintra Torres, no Público de hoje. Tomei a liberdade de aqui transcrever algumas linhas, às quais, de resto, pouco tenho a acrescentar:

"(...) Em entrevista à SIC Notícias (27.01), Carlos Carvalhas disse e repetiu que o PCP não tem a simpatia da imprensa e da TV e por isso se nota menos na vida política que outros partidos. Carvalhas tem razão. As simpatias, não assumidas, de uma parte da imprensa, rádio e TV vão principalmente para o Bloco de Esquerda. O BE está em "estado de graça" em alguns "media" há anos e não é escrutinado pelo jornalismo como os outros partidos parlamentares. Toda a actividade do BE se destina a maximizar tempos de antena e a obter a tal simpatia referida por Carvalhas.

Tal como Santana Lopes, o Bloco é uma empresa de relações públicas de si mesmo. No programa Conselho de Estado (2) em que participei há semanas fiquei estupefacto com as intervenções da ex-deputada Joana Amaral Dias, porque todas elas, mesmo arriscando descentrar os temas em debate, visaram apenas bajular os jornalistas e a imprensa em geral. Esta estratégia tem dado resultado. Enquanto na entrevista à SICN Carvalhas foi de novo confrontado com o apoio do PCP a regimes ditatoriais, nunca ninguém pergunta a Francisco "Écrã" Louçã, dirigente do PSR, "Secção Portuguesa da IV Internacional", se ele ainda defende a revolução permanente do camarada Leon Trostky."




"ROMA SUB-ROSA" estou a ler "Sangue Romano", de Steven Saylor, um romance histórico-policial passado na Roma Antiga. Estou a gostar, ainda para mais tendo em conta que a acção se desenrola naquele fascinante período histórico que compreende a morte da república romana e o advento do principado. "Sangue Romano" é o primeiro livro da série "Roma Sub-Rosa" que, claro, pretendo ler até ao fim.

sábado, fevereiro 07, 2004




A FRASE (X) "A generation of men is like a generation of leaves; the wind scatters some leaves upon the ground, while others the burgeoning wood brings forth - and the season of spring comes on. So of men one generation springs forth and another ceases." (Homero, Ilíada).

AS GUERRAS CIVIS PORTUGUESAS (I) conforme o prometido há algumas semanas atrás, escrevo agora um post sobre os conflitos que opuseram portugueses contra portugueses, nos séculos XIX e XX. Foram anos de mudança e de confronto ideológico, que muito contribuiram para a construção do Portugal moderno. Com a ajuda deste site, esboço aqui um breve resumo dos principais conflitos, golpes de estado e rebeliões ocorridas em Portugal entre os anos de 1820 e 1868:

A Revolução Liberal (1820): Em 24 de Agosto de 1820, uma revolução militar no Porto proclamou a extinção do regime absolutista e a convocação de eleições para as Cortes Constituintes, que aprovaria a Constituição de 1822. As Cortes pediram o regresso da família real do seu exílio dourado no Brasil.

A Vila-Francada (1823): Revolta militar absolutista contra o regime liberal, ocorrida em Maio/Junho de 1823. Devido à recente independência do Brasil, um regimento revolou-se em Vila Franca de Xira, com o apoio do Infante D. Miguel, levando o rei D. João VI a pôr fim à constituição de 1822. D. Miguel foi nomeado comandante do exército, as cortes dissolvidas e o governo substituido. Menos de um ano depois, porém, a Abrilada conduziu ao exílio de D. Miguel.

A Abrilada (1824): Movimento militar organizado pela facção do Infante D. Miguel, de 20 para 30 de Abril de 1824, com o objectivo de exterminar defitivamente o liberalismo. Mas o rei D. João VI, sob forte pressão diplomática, desautorizou o filho, retirando-lhe o cargo de Comandante do Exército. A 13 de Maio, o Infante partiu para o exílio em Viena de Áustria.

A Guerra Civil entre Liberais e Absolutistas (1832/1834): Após a morte de D. João VI (10 de Março de 1826), o país ficou dividido entre os partidários de D. Pedro (filho mais velho de D. João VI e Imperador do Brasil) e de D. Miguel. D. Miguel, com o apoio dos Absolutistas, foi aclamado rei em 11/7/1828. No entanto, a oposição liberal, cujo chefe era D. Pedro, não desistia, e em Junho de 1828, dava-se uma revolução anti-miguelista em Angra, nos Açores. Em 3/3/1832 D. Pedro, tendo já abdicado do trono brasileiro, chegou aos Açores como Regente em nome da sua filha D. Maria, e dali embarcou em direcção ao continente à frente de um exército de 7500 homens, indo desenbarcar a sul do Mindelo em 8 de Julho de 1832. No dia seguinte os bravos do Mindelo ocuparam o Porto, onde passaram a suportar um longo cerco do exército miguelista. Em 20/6/1833 deu-se novo desembarque liberal, desta vez no Algarve, de um exército que avançou até Lisboa após ter vencido o exército miguelista em Cacilhas. Com outras vitórias liberais no ano de 1834, os absolutistas viram-se obrigados a aceitar a convenção de Évora-Monte. No entanto, não deixa de ser estranha a forma como D. Miguel foi derrotado: o seu exército foi talvez a maior força armada a pisar solo nacional em tempo de guerra (cerca de 80 mil homens), gozando da esmagadora vantagem de quase oito para um! Porque foram então os miguelistas derrotados? Em meu entender, por uma série de factores, entre os quais se destacam a desmoralização e má preparação das tropas, assim como a incompetência dos comandantes.

O Remexido Alcunha do guerrilheiro miguelista José Joaquim de Sousa Reis, abastado proprietário e capitão de ordenanças. A partir de 1833 chefiou a guerrilha miguelista, que prosseguiu na luta, mesmo após a Convenção de Évora-Monte. Durante anos espalhou o terror no Alentejo e no Algarve. Acabou por ser preso e fuzilado em 1838.

A Revolução de Setembro (1836): Revolução ocorrida em Lisboa após o desembarque (9/9/1836) no terreiro do Paço, dos deputados de Além-Douro eleitos para as cortes em Julho de 1836. Todos os oposicionistas radicais foram acolhidos com grandes manifestações populares, descontentes com a situação económica e financeira do país, aos quais se juntaram forças militares. Assim triunfou esta revolução pacífica, com a designação de um novo governo e o restabelecimento da Constituição de 1822.

A Belenzada (1836): Golpe de estado contra-revolucionário ocorrido em Lisboa em fins de 1836. A revolução de Setembro alarmou as cortes da Europa. Devido a esse facto, a Inglaterra fez deslocar para o Tejo a 3/11/1836, uma esquadra com tropas prontas a desembarcar, com o objectivo de proteger a família real. A rainha, reuniu os ministros na noite de 4 para 5 e demitiu o governo - era a Belenzada.

A Conspiração dos Marnotas (1837): Marnotas é uma pequena povoação nos arredores de Loures. Nela eclodiu em 14 de Maio 1837 uma revolta absolutista conhecida por "Conspiração dos Marnotas". Veteranos do exército miguelista atravessaram o Tejo e aclamaram D. Miguel em Samora Correia. Mas face acabaram por debandar face ao exército governamental, sendo alguns dos seus cabecilhas condenados à morte (1839) e outros amnistiados (1840).

Golpe de Estado de 1842: O Cartismo, facção moderada (a direita constitucional) obteve o poder. A coberto do novo regime instalou-se um ambiente de corrupção e tirania, que cedo conduziria a uma nova guerra civil. Com a Convenção do Gramido (24/6/1847), que pôs termo à Patuleia, o Cartismo desapareceu.

A Revolta da Maria da Fonte (1846): Nome dado à rebelião que pôs termo, em 1846, ao governo de Costa Cabral. Teve início em 19/3/1846, com um pequeno levantamento de mulheres, instigadas por uma tal Maria da Fonte (personagem mítica?), natural de Fonte Arcada, na Póvoa de Lanhoso, a pretexto da lei que proibia o enterramento nas igrejas. A revolta propagou-se pelo Minho, Trás-os-Montes, Beiras e Estremadura, organizando-se uma junta revoltosa em Santarém e outra no Porto. Incapaz de controlar a situação, a rainha, que sempre protegera Costa Cabral, demite o governo cabralista em 17/5/1846.

A Patuleia (1847): Episódio das lutas travadas em Portugal entre os Cartistas e os Setembristas. Deu-se o nome de patuleias aos liberais radicais, denominados Setembristas desde a revolução de 1836 que os levou ao poder. Após os levantamentos da Maria da Fonte, os Cartistas, apesar de vencidos, foram chamados a formar governo (1846). Aí, perante o descontentamento, a situação só se resolveu com a Convenção do Gramido.

A Revolta da Janeirinha (1868): Movimento político que agitou as cidades de Lisboa, Porto e Braga em Janeiro de 1868. Surgiu como protesto contra a lei de 10/6/1867, que criava o imposto de consumo. No dia 1/1/1868, ocorreu uma manifestação no Porto, facto que veio a dar origem ao título do jornal portuense "O Primeiro de Janeiro". O governo pediu a demissão, e a 7/1/1868 o novo gabinete aboliu o referido imposto.

quinta-feira, fevereiro 05, 2004

OS SAMARITANOS o termo "samaritano" tem sido utilizado nos mais diversos contextos. Por exemplo, generalizou-se a expressão "bom samaritano" para designar uma alma caridosa. Mas quem eram os samaritanos?

Quando o Reino da Samaria (também chamado de Israel, ou do Norte) foi conquistado pelos Assírios no ano 721 a.C., a maioria da população hebraica foi deportada para outras regiões do vasto império assírio. Quanto ao reino do Sul, composto pelas tribos de Judá e Benjamin, permaneceu independente até 586 a.C., quando o rei caldeu Nabucodonosor II conquistou Jerusálem e levou Judá para o exílio na Babilónia.

Com a queda da Samaria, nasceu o mito das dez tribos perdidas de Israel. Ainda hoje muitos se interrogam sobre o destino dessas dez tribos. Teriam conservado a sua identidade cultural e religiosa dentro do império assírio? Teriam regressado à Palestina aquando do édito de Ciro, que autorizou os judeus exilados a voltarem à pátria?

No entanto, nem toda a população foi deportada, e os que ficaram não tardaram em misturar-se com os povos que o rei da Assíria entretanto deportou para o antigo território do reino de Israel. E foi dessa mescla entre israelitas e outros povos pagãos que surgiram os Samaritanos, que os Judeus odiavam e desprezavam.

A rivalidade entre Judeus e Samaritanos não se devia apenas às diferenças políticas, culturais ou raciais. A religião era o que mais os dividia, pois os Samaritanos não prestavam culto em Jerusálem. Aliás, construíram mesmo um templo rival ao de Salomão, no Monte Garizim, local onde acreditam que teria ocorrido o sacrifício (que não chegou a consumar-se) de Isaac. A sua religião é um misto de judaísmo com crenças pagãs da Mesopotâmia. Apenas reconhecem como sagrados os livros do Pentateuco (Génesis, Êxodo, Números, Deuteronómio e Levítico), ou seja, a história dos Patriarcas e os livros da Lei de Moisés. Observam o sábado e praticam sacrifícios rituais.

Um viajante do século IV, conhecido como o "peregrino anónimo de Bordéus", visitou o monte Garizim por volta do ano 336. O peregrino escreveu o seguinte nos seus diários:

"Here is the Mount Gerizim. Here the Samaritans say that Abraham offered sacrifice (Mount Moriah) [ftn.3], and one reaches the top of the mountain by steps, three hundred in number. Beyond this, at the foot of the mountain itself, is a place called Sichem. Here is a tomb in which Joseph is laid, in the 'parcel of ground' (villa) which Jacob his father gave to him ( Jos 24:32). From thence Dinah, the daughter of Jacob, was carried off by the children of the Amorites (Gen 34:1-31). A mile from thence is a place named Sichar, from which the woman of Samaria came down to the same place in which Jacob dug the well, to draw water from it, and our Lord Jesus Christ talked with her ( John 4:1-42); in which place are plane-trees, which Jacob planted, and a bath (balneus - baptistry) which is supplied with water from the well." [versão inglesa]

Quase dois mil anos depois, existe ainda uma pequena comunidade samaritana, composta por algumas centenas de crentes. Na sua maioria, estes samaritanos modernos vivem na cidade palestiniana de Nablus, junto do Monte Garizim. Encontrei um site que fala desta comunidade perdida no tempo, e do seu antiquíssimo santuário:

"Sur le haut lieu où affleure la roche qu’elle vénère, la petite communauté samaritaine de Naplouse se réunit encore à l’occasion des fêtes. La pâque y est fêtée chaque année par les Samaritains, qui suivent mot à mot les prescriptions de l’Exode et adoptent un rituel sanglant.

Les Samaritains sont les adeptes d’une hétérodoxie juive née d’un syncrétisme entre la religion d’Israël et les cultes mésopotamiens, adoptée par les immigrants assyriens après la chute de Sichem, en 724 avant J.-C. La religion samaritaine fut rejetée par les juifs orthodoxes à leur retour d’exil. Les Samaritains ne reconnaissent que le Pentateuque comme texte sacré. Ces sectateurs ne seraient plus que quelques centaines en terre sainte, principalement concentrés à Naplouse.

Les Samaritains, écartés des chantiers du Temple de Jérusalem par les chefs de la communauté du Retour et rejoints par les rebelles à la législation sur le mariage avec les étrangères, ont décidé d’édifier sur le mont Garizim un temple rival de celui de Jérusalem."

quarta-feira, fevereiro 04, 2004




O ÚLTIMO DOS "ULTRAS" o general Kaúlza de Arriaga, falecido ontem, juntou-se à longa lista de personagens históricas que a classe política e a opinião pública dominante votaram à "damnatio memoriae".

Kaúlza de Arriaga junta-se assim a Oliveira Salazar, Américo Tomás, Marcelo Caetano, Óscar Carmona, Gomes da Costa, D. Carlos I, D. Miguel I, Afonso VI, D. Miguel de Vasconcelos, os três Filipes, D. Cristóvão de Moura, Vasco Porcalho, o Conde Andeiro, D. Leonor Teles e D. Teresa de Borgonha. Ou seja, juntou-se ao clube de personagens cujo retrato histórico dificilmente poderá ser elaborado de forma objectiva e isenta, por serem mal vistos pela opinião dominante.

Outros, como Pombal, foram odiados pelos respectivos coetâneos, mas apreciados postumamente por aqueles que lhes foram beber inspiração.

Penso que Kaúlza era um homem obstinado, autocrático e profundamente anti-democrata. Ou seja, tinha tudo aquilo que detesto num líder. Para mim, Kaúlza representa tudo aquilo que o Estado Novo tinha de abjecto.

Todavia, vejo que outros igualmente obstinados, autocratas e anti-democratas continuam a ser tratados de forma reverente por parte dos media e da classe política. A esses é-lhes elogiada a coerência e a determinação. A esses é-lhes louvada a resistência ao fascismo, quando sabemos que lutaram pela ditadura do proletariado e não pela democracia. E vejo outros que em tempos foram tão salazaristas como Kaúlza, mas que mudaram de casaca na altura certa, serem hoje recordados como heróis da revolução. É o politicamente correcto que impera...

O que faz falta em Portugal, e aqui faço minhas as palavras dos Meninos de Ouro, é que "(...) acontecimentos recentes da nossa história sejam analisados com serenidade, sem a lente desfocada das ideologias a toldar-nos a visão".

O PARAÍSO (II) "Ora, o Senhor Deus tinha plantado um jardim no Éden, do lado do oriente, e colocou nele o homem que havia criado. O Senhor Deus fez brotar da terra toda sorte de árvores, de aspecto agradável, e de frutos bons para comer; e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore da ciência do bem e do mal. Um rio saía do Éden para regar o jardim, e dividia-se em seguida em quatro braços: O nome do primeiro é Fison, e é aquele que contorna toda a região de Evilat, onde se encontra o ouro. (O ouro dessa região é puro; encontra-se ali também o bdélio e a pedra ônix.) O nome do segundo rio é Geon, e é aquele que contorna toda a região de Cusch. O nome do terceiro rio é Tigre, que corre ao oriente da Assíria. O quarto rio é o Eufrates. O Senhor Deus tomou o homem e colocou-o no jardim do Éden para cultivá-lo e guardá-lo." (Gén. 2, 8-15)

Esta passagem do livro do Génesis dá-nos algumas pistas sobre a localização do mítico jardim do Éden. Parece-me óbvio que este texto bíblico será uma alegoria sobre o nascimento da civilização. É fácil identificar o Tigre e o Eufrates, e sabemos hoje que a Mesopotâmia - as terras situadas entre estes dois grandes rios - foi um dos berços da civilização humana.

Todavia, não é tão fácil identificar os outros dois rios referidos no texto. Existem várias explicações: uma delas, sustentada pelo prof. Eric Rohl, sustenta que o Fison e o Geon seriam, respectivamente, o Vizun e o Gihon, dois rios que correm nas planícies do actual Iraque. O Prof. Rohl fundamenta a sua tese com o facto de os topónimos referidos no Génesis, em hebraico, serem corruptelas dos nomes destes rios. Tendo identificado os quatro rios, o Prof. Rohl acredita que o Éden seria uma faixa de terra com cerca de 16 km de comprimento, situada no centro da Mesopotâmia.

Outros estudiosos pensam que o Geon seria o Nilo, devido ao facto de esta passagem do Génesis fazer referência ao país de Cush (Núbia/Etiópia). Nesse caso, o texto bíblico falaria do nascimento da civilização na Mesopotâmia (Suméria), e nos vales do Nilo e do Indo, pois os mesmos investigadores afirmam que o Fison seria este último rio.

Interessante, não?

segunda-feira, fevereiro 02, 2004




O PARAÍSO É curioso que quando falamos em paraíso, pensamos imediatamente num cenário tropical, com praias de areia branca, águas quentes, muito sol e vegetação luxuriante. Era bom que todos tivéssemos direito a uma parte do paraíso.

BUCÉFALO era o cavalo preferido de Alexandre Magno, o maior conquistador da Antiguidade.

Quando o pai de Alexandre, o rei Filipe II da Macedónia, adquiriu Bucéfalo, o cavalo era tão bravo que ninguém conseguia montá-lo. Mas o jovem Alexandre, com apenas 12 anos de idade, não desistiu enquanto não conseguiu domar o animal.

Alexandre apercebeu-se que o cavalo tinha medo de sua própria sombra e também dos homens que dele se aproximavam. Sabendo isso, fez Bucéfalo ficar em direcção ao sol, dificultando-lhe a visão. Daí aproveitou para o montar. Depois de alguns coices, o cavalo acabou por acalmar, e Alexandre galopou em direcção ao seu pai que, profeticamente, afirmou: "deves procurar um reino à tua altura, meu filho. A Macedónia não é suficientemente grande para ti!". E, com efeito, não se enganava.

Alexandre e Bucéfalo tornaram-se doravante inseparáveis, existindo verdadeira amizade entre os dois. O cavalo, que acompanhara o dono na sua aventura asiática, morreu numa batalha contra o rei indiano Pórus. Foi sepultado com todas as honras militares e Alexandre - sentido com a morte do amigo - fundou a cidade de Bucephália em sua honra.




A BANALIDADE DO MAL Soube, via Latinista Ilustre, que se completam hoje sessenta anos desde a libertação de Auschwitz-Birkenau.

Afirmo sem qualquer dúvida que o Holocausto foi o maior crime alguma vez cometido. E digo-o não apenas pela magnitude da tragédia, mas também pela frieza e o calculismo com que o governo de um país civilizado decidiu assassinar milhões de pessoas, como se se tratasse de uma simples decisão administrativa. Causa-me arrepios a racionalidade, a ausência de qualquer compaixão e o cinismo com que os guardas do campo mandavam os velhos e as crianças "tomar duche", mal estes saíam dos combóios.

Não compreendo como homens normais - vulgares pais de família - foram capazes de pactuar com um sistema tão monstruoso, pondo de parte qualquer sentimento de humanidade.

Por mais tempo que passe, e por muito que se diga e escreva sobre a Shoah, nunca compreenderei como foi isto possível.

A DIVINA COMÉDIA encontrei um site que contém uma versão em prosa da "Divina Comédia", de Dante. Transcrevi aqui parte do Canto XVIII do "Purgatório", onde se pode ler um interessante discurso sobre o livre arbítrio:

"Depois de terminar o seu discurso, o grande mestre agora me olhava, procurando saber se eu estava satisfeito com a sua explicação. E eu já desejava fazer-lhes novas perguntas, mas então pensei: "Será que essas minhas perguntas sem fim o aborrecem?". Não pude alimentar mais tal pensamento, pois Virgílio logo percebeu como eu me sentia e me incentivou a falar. Então eu perguntei:

- Mestre a tua explicação me foi muito clara, mas te peço que me definas o que é esse amor, que defendes como sendo a fonte de todo o correto agir e o seu oposto.

- Então presta atenção - respondeu-me - e terás esclarecido o erro dos cegos que decidem ser guias. A alma, que é criada com capacidade de amar, move-se para o que lhe dá prazer. Vossos sentidos extraem do mundo real uma imagem que é exibida internamente. É esta imagem que atrai a alma. E se ela é atraída, à imagem então se inclina, e esta inclinação é o amor, que faz parte de vossa natureza. E assim como o fogo se move para as alturas, buscando a sua própria natureza, da mesma forma vossa alma busca a coisa amada e não descansa até encontrá-la e dela usufruir. Podes agora entender como estão enganados aqueles que acham que qualquer amor é, em si, coisa louvável. Talvez assim pensem por acharem que sua essência é sempre boa, mas nem todo selo é bom, ainda que boa seja a sua cera.

- Teu discurso me esclareceu muitas dúvidas - respondi-lhe - mas ao mesmo tempo acrescentou outras. Se o amor vem de uma fonte externa, a alma não pode ter culpa em aceitá-lo e não pode ser, por essa razão, julgada culpada em segui-lo.

- Eu só posso te explicar aquilo que minha razão puder compreender - respondeu Virgílio -. Além da razão, terás que buscar o auxílio de Beatriz, pois se trata de obra da fé. Toda essência, esteja ela ligada ou não à matéria, tem a sua própria virtude, que não é percebida a não ser por seus efeitos, como o verde de uma planta revela-nos a sua essência viva. Não é, portanto, possível saber a origem das vossas inclinações ou do vosso instinto. Esses desejos inatos não são, portanto, nem condenáveis nem louváveis. Mas, para manter vossos instintos sob controle, tens uma virtude inata que, munida da razão, vos aconselha. É neste princípio que repousa o vosso poder de julgamento, que é capaz de rejeitar o mau amor e acolher o bom. Aqueles que, através do raciocínio, investigaram este assunto profundamente, perceberam essa liberdade inata e a partir dela, deixaram suas doutrinas morais e éticas no mundo. Então, posto que por necessidade surja em vós qualquer amor, em vós também está o poder de dominá-lo. Essa é a nobre virtude que Beatriz entende por livre arbítrio. Lembra-te disto quando tu a encontrares."


Nota: o texto foi retirado deste site, da autoria de Hélder da Rocha. A tradução e adaptação para prosa são também da sua responsabilidade.

CRISTO, O RADICAL (III) a respeito do meu post anterior sobre este assunto, o Alex escreveu o seguinte:

"(...) Deixando por agora o casamento, a castidade? Desde quando é que Cristo se preocupou com a castidade? Não estás a confundir com os estóicos, os papas, os padres e essa gente toda? Para mim, a castidade é influência grega e judaica (ambos detestavam mulheres, e os gregos eram "homossexuais" por aversão às mulheres, daí só terem sexo com mulheres para se reproduzirem...), não tendo nada a ver com Cristo! Ele nunca se preocupou com sexo! Sempre foi um "bom vivant" , bebendo bem e comendo melhor, na companhia de mulheres e pecadores, para escândalo dos apóstolos (que não o percebiam), fariseus e similiares."

E continua:

"(...) Aqui dei um salto! O que é isto? Cristo tinha uma moral sexual? É que não está nada na Bíblia! Ele não se preocupava com essas coisas! Tinha mais em mente! Os papas e os padres é que só pensam em sexo! São completamente obcecados!"

Não gosto deste tipo de discussão, citação contra citação. Todavia, neste caso não tenho alternativa. Vamos, então, por partes.

A respeito do matrimónio e da virgindade:

"Ora, eu vos declaro que todo aquele que rejeita sua mulher, exceto no caso de matrimônio falso, e desposa uma outra, comete adultério. E aquele que desposa uma mulher rejeitada, comete também adultério. 10Seus discípulos disseram-lhe: Se tal é a condição do homem a respeito da mulher, é melhor não se casar! 11Respondeu ele: Nem todos são capazes de compreender o sentido desta palavra, mas somente 12Porque há eunucos que o são desde o ventre de suas mães, há eunucos tornados tais pelas mãos dos homens e há eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do Reino dos céus." (Mat. 19, 9 - 12)

A respeito da castidade:

"(...) Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. 28Eu, porém, vos digo: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração. 29Se teu olho direito é para ti causa de queda, arranca-o e lança-o longe de ti, porque te é preferível perder-se um só dos teus membros, a que o teu corpo todo seja lançado na geena." (Mat. 5, 27-30)

Há ainda muitas outras passagens bíblicas que poderiam ser citadas. Por exemplo, Mat. 05, 32; Mat. 19, 18; Mc 10, 12; Mc 10, 19; Lc 12, 18; Lc 18, 20; Jo 8,4.

É óbvio que o cristianismo nascente foi influenciado por determinadas correntes filosóficas helenísticas. Mas parece-me evidente que o próprio Cristo foi bastante explícito na defesa da castidade e da indissolubilidade do matrimónio (salvo em caso de adultério). Concorde-se ou não.