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quarta-feira, fevereiro 25, 2004




A ADOPÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS O Hiperbólico, interessante blog, comentou o meu post sobre este tema, escrevendo o seguinte:

“Uma posta do Filipe lembrou-me um dos maiores desafios da actualidade – a confrontação entre valores e direitos contraditórios: «O que está em causa não é o direito dos gays e lésbicas a adoptarem crianças, mas sim o direito das crianças a terem uma família normal.» O conceito de família fragmentou-se nos últimos 30 anos. Desconheço qual o padrão de família que o Filipe evoca como “família normal”. Não será, julgo, a família de pai trabalhador, mãe dona de casa e quatro ou cinco filhos em redor. A realidade portuguesa pouco tem a ver com os filmes Disney dos anos 50, com a Casa da Pradaria e, muito menos, com o Bonanza. A grande maioria das famílias actuais, em idade reprodutiva, vive num T2 nos subúrbios, máximo um filho, porque dois já é uma loucura. Os pais podem ter-se divorciado e a criança viver com a mãe, o padrasto e talvez um meio-irmão. Ou os pais juntaram os trapinhos, não pensam sequer em casar. Ter filhos, por razões de biologia, liga-se muito estreitamente à sexualidade. Por razões de sobrevivência à economia. Por motivos de socialização à família. E cada uma destas dimensões da vida das pessoas liga-se com as outras todas. E todas elas mudaram, são diferentes. Diferentes do que foram e diferentes de pessoa para pessoa. Não contesto que as crianças tenham direito a uma família normal. Só não sei o que é uma família normal. Será uma família média, essa monstruosidade estatística? Será a família mais frequente? Será um conjunto de meia dúzia de formatos aceitáveis entre os outros todos perigosamente minoritários? O critério de normalidade da família para decisão de adopção é, no mínimo, intratável, questionável e tendencialmente injusto. Pior! A decisão de aceitar um adoptante é sempre um risco que se corre, mas substituir esse risco por falsas seguranças não é solução. Que tal em vez de pensar em termos de normalidade da família, lembrarmo-nos verdadeiramente dos interesses da criança, que é melhorar a sua vida, ter oportunidades, ser feliz. A criança terá direito a uma vida saudável. E temos outras crianças cuja família é família nenhuma. E todas têm o direito de ter uma família saudável”.

É uma boa questão, essa de saber o que é uma “família normal”. Aliás, não sei se poderemos falar em famílias “normais”. O que é a normalidade? Existirá? Quando escrevi que o que o que está em causa não é o direito dos gays e lésbicas a adoptarem crianças, mas sim o direito das crianças a terem uma família normal, referia-me ao “normal” do ponto de vista biológico. E essa “normalidade” existe há milhões de anos. Não é por acaso que a reprodução se verifica exclusivamente entre um macho e uma fêmea (salvo algumas excepções no mundo animal, dirão alguns entendidos).

Não quero com isto repetir os velhos chavões homofóbicos, dizendo que as uniões gay são anti-natura, ou que a homossexualidade é uma doença. Não se trata disso, nem eu subscrevo tais opiniões. Aliás, creio que todo este debate tem fugido à questão central, que é a de saber que direito prevalece: o da criança, que tem direito a ter um pai e uma mãe, ou o do casal gay que tem direito a adoptar e educar uma criança.

Admito que dois homossexuais podem mesmo ser os melhores pais do mundo. Podem até ser os progenitores mais compreensivos, carinhosos e preocupados; mas não é isso que está em causa. Também não me interessa saber se a homossexualidade se “transmite” às crianças educadas por gays ou lésbicas. Em meu entender, não é isso que está em discussão.

O Estado é responsável pelas crianças que tem à sua guarda; e a todas deve conceder a oportunidade de ter um pai e uma mãe (e não dois pais ou duas mães), que lhe proporcionem uma família saudável.

É claro que este é um tema muito complexo, para o qual talvez não exista apenas uma resposta. Talvez sejam várias respostas, várias verdades. Admito que assim possa ser. No entanto, e até porque, como todos sabemos, as opiniões a este respeito entre os psicólogos divergem, não será preferível seguir os ditames da Natureza?