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segunda-feira, novembro 29, 2004



ALEGRIA Hoje é dia de Terra da Alegria. Gaudium et spes!



TAIZE O que leva 40 mil jovens a reunirem-se num encontro inter-religioso? Para mim, Taize é um farol de luz e esperança nesta época em que se diz que "Deus morreu", e em que o dinheiro, o hedonismo e a busca do prazer constituem o objectivo de vida de tanta gente. Taize... para sempre!

ESCREVA PARA O RESPUBLICA Venho por este meio convidar os leitores do Respublica a enviarem textos para publicação neste blog. Aceitam-se sugestões, comentários, reclamações, opiniões, etc. Peço-lhes que enviem os textos para o email respublica@portugalmail.pt. Participem!

INCOMPETÊNCIA A demissão de Henrique Chaves vem mais uma vez confirmar aquilo que temia: Santana é instável, trapalhão, demagógico e irresponsável... em suma, incompetente. É tempo de ir a votos. Bem sei que corremos o risco de regressar ao guterrismo - na pessoa de Sócrates, um político ainda mais "pepsodent" que Guterres -, mas Santana tem de ser travado. A bem do país e a bem do PSD.

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P.S.: O recente discurso da "incubadora", a meio de uma cerimónia oficial, mostra a forma como Santana confunde o governo com o partido...



A CONSTITUIÇÃO EUROPEIA O meu amigo Ricardo Manuel, dos Meninos de Ouro, desafiou-me a escrever sobre o Tratado Constitucional Europeu. Apesar de europeísta convicto, o Ricardo é contra a ratificação do tratado, por entender que este retira poderes aos pequenos países e porque considera anti-democrático o processo referendário que se avizinha.

Escreveu ele o seguinte:

“A pergunta do referendo sobre a Constituição Europeia é considerada pele maioria dos portugueses (ou seja, o "povo", uma designação que sempre detestei pelas suas conotações negativas) como confusa e até mesmo incompreensível. É o tipo de pergunta que se faz quando a intenção é desinteressar a maioria das pessoas pelo assunto em causa ("Eu não percebo nada daquela cena, em vez de votar vou mas é passar o fim-de-semana no Algarve!"), por forma a garantir que uma minoria "esclarecida" e "preocupada com o futuro da Europa" vote pelo SIM em número superior à minoria "anti-europeia", "extremista" e "ultra-nacionalista", que tenciona votar NÃO.

(...) Por um lado, o poder dos países maiores e mais ricos sairá reforçado: a Alemanha, a França, a Itália e mais um ou dois países poderão bloquear todas as decisões impulsionadas pelos restantes vinte países mais pequenos. Portugal, mesmo associado a vários países da sua dimensão, não terá qualquer poder de bloqueio. É a isto que os políticos Franceses e Alemães designam de "simplificação da tomada de decisões pela UE".

(...)Quanto aos "direitos fundamentais", levarão a que todos os grupos de interesse que sejam contrariados a nível nacional apelem para os tribunais europeus, onde mais uma vez o espírito do "politicamente correcto" tenderá a favorecer esses mesmos interesses, em detrimento das decisões pragmáticas dos líderes políticos nacionais, líderes esses que tendem a rarear. Suponho que serão substituídos no futuro por chefes como Alberto João Jardim e Valentim Loureiro, que conseguem de forma hábil conciliar os grupos de interesses locais com a massa de eleitores. Imaginem isto não a nível de concelho ou região autónoma, mas a nível de um país inteiro. Eu consigo imaginar.

Sou europeísta, preocupo-me com o futuro da UE e considero-me um democrata. E por isso mesmo vou votar NÃO no referendo, pois temo que a nova Constituição destrua o sonho Europeu, terminando uma era de paz e prosperidade como nunca antes tivemos neste admirável continente.”



Confesso que me encontro dividido quanto a esta questão. Em primeiro lugar, devo dizer que fiz ontem o download do longuíssimo texto da Constituição Europeia (que pode ser encontrado aqui), e que ainda não tive tempo de o examinar atentamente. Por outro lado, estou plenamente de acordo com o Ricardo no que diz respeito à forma como a questão será colocada aos portugueses, neste referendo que se avizinha. Parece-me que, para além de a pergunta ser extremamente confusa, existem "manobras", por parte dos principais partidos, no sentido de que o "Sim" vença o referendo. Assim sendo, o referendo não será verdadeiramente democrático.

Além disso, sou dos que pensam que uma Constituição deve ser o mais simples possível. O que não é o caso das 349 páginas do Tratado Constitucional assinado em Roma. Creio que a Convenção deveria ter-se inspirado na Constituição Americana de 1776 (ou na Constituição Inglesa que, apesar de não-escrita, é de interpretação bastante simples).

Sempre me assumi como federalista, pois desde cedo considerei que o federalismo poderá ser a única defesa contra a hegemonia dos "grandes". Mas se realmente o Tratado Constitucional Europeu retira poderes aos "pequenos", deixando-os nas mãos dos "grandes", então direi "Não" a esta Constituição. Mais uma vez, penso que o modelo americano deveria servir de exemplo; nos EUA, e por exemplo, a pequena Maryland tem tanto peso no Senado como o grande Texas.

Todavia, repito, tenho ainda de analisar bem o texto constitucional. Quando o fizer, poderei pronunciar-me de forma mais convicta e acertada.

quarta-feira, novembro 24, 2004

NÃO COMPREENDO Como podem existir alunos de Comunicação Social que achem natural e aceitável que a direcção da Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM) possa substituir a direcção do "Semanário Académico". E mais, não compreendo como é que podem aceitar colaborar na nova equipa do jornal, que como sabemos será escolhida a dedo pela direcção da AAUM. Digam o que disserem e invoquem eles os pretextos que entenderem, para mim trata-se de uma traição aos colegas, à Academia e ao jornalismo. É uma facada nas costas dos colegas vítimas de uma grave injustiça.

Perdoem-me, caros leitores, ter voltado a escrever sobre este assunto "regional". Prometo que este é o último post que dedico à questão. A programação habitual segue dentro de momentos.

P.S.: li no blog "Aula de Jornalismo" que «a Direcção da AAUM acusa o "Académico" de publicar decisões tomadas em reuniões do Senado, Cabido de Cardeais e Reuniões Gerais de Alunos que eram publicadas "sem autorização dos órgãos competentes".» E agora interrogo-me: será preciso autorização para informar os estudantes de algo que supostamente têm direito a saber? Porventura as reuniões do Cabido, do Senado e as RGA's são consistórios de alguma sociedade secreta ou loja maçónica? Creio que esta acusação ridícula, por parte da direcção da AAUM, nos indica até que ponto os nossos dirigentes associativos compreendem o papel dos meios de comunicação social numa sociedade livre e democrática. E serão estes os políticos de amanhã...

O AVISO! Não resisti a transcrever este excelente texto do meu amigo Rui Afonso, a respeito da polémica em volta da demissão da direcção do "Semanário Académico":

"A idade, infelizmente, não perdoa. Todos vamos envelhecendo, a pouco e pouco, e os meus amigos são, inevitavelmente, uma excelente expressão disto. Um dos tiques da idade é o iniciar da aquisição de toda uma série de expressões, gestos, frases feitas. Uma delas é o típico "Eu bem avisei". É rude, mesquinho, pretencioso e, em boa verdade, desmotivador de diálogos.

Apetece-me citar (e posso fazê-lo, uma vez que este espaço apenas possui dois proprietários ou, numa expressão menos capitalista, moderadores) a Lei de Imprensa, cuja última revisão data de 13 de Janeiro de 1999. Em boa verdade, só me interessam, para o caso, não desfazendo, as alíneas 2 e 3 do 1º artigo: "2 - A liberdade de imprensa abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações. 3 - O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura."

A Associação Académica da Universidade do Minho (de ora em diante, se necessário, o que não me parece, referida como AAUM) segue, num regime hierárquico perfeito, todas as directivas governamentais, mormente as que aos órgãos de comunicação social se dirigem. (O meu objectivo, não alcançado por má escolha das palavras, era que esta frase se revestisse de uma ironia sagaz.) A AAUM (afinal, usei a sigla!) era proprietária de uma publicação semanal que, habitualmente, trabalhava numa relação de tu pagas a impressão e eu não falo mal de ti (onde é que eu já ouvi isto?). De vez em quando, lá surgia um maluquito (apesar de não parecer, não se pretende que este vocábulo seja insultuoso, discriminatório, mas sim, à sua maneira, um tanto ou quanto carinhoso) ou outro que, almejando demonstrar coragem, se virava ao dono (sempre adorei esta expressão que, por acaso, não é minha). (Reparem, agora, no encadeamento de sucessivas e requintadas metáforas:) Ora o dono, sentindo-se ultrajado, pegava num jornal e, à boa moda portuguesa, ia espancando docemente (é possível?) até conseguir o amestramento do(s) infractor(es). Como este processo não funcionasse, pasmo total, a AAUM (terceira vez) decidiu, pura e simplesmente, dissolver a redacção do periódico e, também à boa moda portuguesa, assumiu aquele ar meio afectado que eu costumo intitular de nós por cá, tudo bem.

A idade, de facto, vai avançando e eu começo, já em novo, a ter alguns tiques desse amadurecimento. Também já adquiri toda uma série de expressões, gestos, frases feitas. E já que disso falamos, apetece-me dizer (e, mais uma vez, posso): Eu bem avisei!

PS - Perdoem-me o regionalismo do tema apresentado mas, de vez em quando, dá-me para a felonia"

sexta-feira, novembro 19, 2004



O FIM DA AVENTURA... Vasco Pulido Valente é talvez o mais pessimista dos colunistas portugueses. Mas isso não impede que não tenha frequentemente razão, como é o caso deste brilhante "O fim da aventura", que tomei a liberdade de aqui transcrever:

"Apesar da fuga de Guterres, da desordem do PS, da escolha improvisada de Ferro e, sobretudo, da hostilidade geral aos socialistas, Barroso não conseguiu a maioria absoluta. Santana, depois de um governo impopular e fraco não chegará, excepto por milagre, à sombra do que foram os votos de Barroso. Em intervalos de lucidez, por raros que sejam, ele deve com certeza perceber isto e procurar uma saída, que não o remova para sempre de cena. Mas não há saída. Se o PSD apresentar listas próprias em 2006, já não vai a tempo de recuperar a sua velha identidade histórica, reformista e moderada, que Santana se aplicou a liquidar e manifestamente não representa. Se o PSD escolher listas conjuntas, contra a vontade de uma parte apreciável do seu eleitorado e dos seus militantes, nada o distinguirá da direita de Portas, que os portugueses parecem não estimar.

Em Barcelos, Santana insistiu muito na ideia e "combate" e de "combatentes". Provavelmente imagina a sua "vanguarda" esmagando um diabólico inimigo. Fora a desagradável origem desta fantasia (o nazismo, para falar francamente), existe ainda um pequeno pormenor: quem é esse inimigo que Santana se propõe tão ardorosamente bater. Um PS pacato e "guterrista"? O minúsculo BE? Um PC defunto? Ou o Estado previdência e as leis laborais? Ninguém sabe. Suspeito que nem ele. A direita de Santana e Portas precisa de uma certa histeria para ganhar e crescer. Ora Portugal não está dividido ou radicalizado. Espera pacatamente o dia de correr com a coligação. Uma grande campanha contra a esquerda ou qualquer outro bode expiatório, conduzido por dois demagogos sem crédito ou cabeça, não irá longe. Portugal não é a Inglaterra de Thatcher ou a América de Reagan e de Bush; e esta direita, que chegou ao poder por uma série de acidentes, não assenta numa doutrina, numa cultura, num programa, num descontentamento. Vive no ar. A querela das listas mostra bem que já só se trata de salvar alguma coisa do desastre. O PSD quer salvar uma hipótese de futuro para além de Santana e o PP quer simplesmente salvar a vida. De qualquer maneira, a aventura acabou. Falta a fase do "bunker: uns meses de governo impotente e cercado, de retórica e delírio."



FRANCOFOBIA O Bruno Cardoso Reis, do blog Cartas de Londres, e o Rodrigo Moita de Deus, do Acidental, não chegam acordo em relação ao papel que a França desempenha no Mundo, e em particular na África Negra. A mim parece-me claro que a França e os Estados Unidos, tal como qualquer outro país, defendem acima de tudo os seus próprios interesses. Em política externa não existe moralidade... a não ser que esta coincida com os interesses estratégicos do país. Pensar o contrário - ou esperar que os governos coloquem a utopia à frente dos seus interesses vitais -, será pecar por ingenuidade.

Há, de facto, situações em que os interesses vitais de um país podem coincidir com a defesa dos direitos humanos: será o caso da intervenção francesa na Costa do Marfim e da permanência norte-americana no Iraque (notem que escrevi "permanência" e não "invasão"...). Nestes casos, a França e os EUA defendem os seus interesses, mas ao mesmo tempo evitam uma tragédia humanitária. Por muito atribuladas (e polémicas) que sejam as suas intervenções naqueles países, o drama humanitário seria bem pior se de lá retirassem. Temos de ser pragmáticos.

quinta-feira, novembro 18, 2004



FALTA DE CULTURA DEMOCRÁTICA A Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM) decidiu pôr termo à publicação do “Semanário Académico”, o jornal oficial da Academia do Minho. O periódico, fundado em Setembro de 2000 por um grupo de alunos do curso de Comunicação Social da Universidade do Minho (Cristóvão Teixeira, Tiago Silva, Isabel Freire, Paulo Salgado e o autor destas linhas, entre outras pessoas), era o único semanário universitário português.

Na origem da decisão da direcção da AAUM estiveram as divergências com a direcção do jornal, devido à linha editorial da publicação. No entender da direcção da AAUM, o jornal era excessivamente crítico da sua actuação. Ou seja – e não é preciso ser muito inteligente para compreender isto -, estamos perante um acto de censura pura e dura.

Quando fundamos o jornal, há quatro anos atrás, fizemo-lo com o propósito de criar uma publicação independente a nível editorial. O “Académico” surgiu como um jornal ao serviço da Academia – ou seja, em prol dos estudantes -, e não da direcção da AAUM. O que nem sempre foi compreendido por alguns dirigentes, mais interessados que estavam em promover as respectivas imagens públicas (como se assim passassem a merecer o respeito e a consideração dos seus colegas e concidadãos…).

O que estes senhores não entendem é que a equipa do “Académico” quer praticar verdadeiro jornalismo, e não assumir o papel de reles “paus mandados”. Para certos dirigentes, ser independente e isento é o mesmo que ser contra. “Quem não é por nós, é contra nós!”, dizem estes aprendizes de político!

O verdadeiro jornalismo quer-se independente de qualquer poder político ou económico. É pena que a direcção da AAUM não tenha a cultura democrática necessária para compreender este princípio básico de qualquer sociedade democrática e civilizada. Penso que isto nos indica o tipo de pessoas que dirige o nosso associativismo, assim como o rumo que este tem tomado nos últimos anos.

Já quando era director do “Académico” – entre Setembro de 2000 e Março de 2002 -, se fazia sentir esta mentalidade absurdamente “pidesca”. Aliás, foi por isso que me demiti do cargo (e creio que algumas atitudes que então tomei em relação à direcção da AAUM serão agora melhor compreendidas…).

Perante este momento de injustiça porque os meus colegas estão a passar, só posso manifestar a minha profunda solidariedade e compreensão. E dizer-lhes que compreendo e partilho da sua justa revolta e indignação.

quarta-feira, novembro 17, 2004

BOLSAS DE ESTUDO Lê-se no "Público" de hoje: "(...) A grande maioria dos 200 estudantes de Timor-Leste que estão a estudar em Portugal, ao abrigo de um protocolo entre os dois países, ainda não receberam as bolsas relativas a Outubro e Novembro. A prestação não é muito elevada - não chega a 300 euros por mês -, mas é deste apoio que muitos dependem exclusivamente."

O jornal apresenta isto como um facto insólito. Não é, de facto. Até porque os estudantes bolseiros portugueses também ainda não receberam as suas bolsas... talvez não seja tão grave como o caso dos estudantes timorenses (que estão longe da sua pátria), mas mesmo assim é vergonhoso! Estamos a meio do semestre!



O ÚLTIMO DOS MOICANOS Diz Pacheco Pereira: "Há o último dos moicanos e o último dos cavaquistas, lugar a que me candidato humildemente. Eu apoiarei Cavaco Silva como candidato presidencial, mas o que verdadeiramente eu quero é Cavaco Silva como candidato a Primeiro-ministro de Portugal. O que faz toda a diferença. Assim seja."

Pacheco Pereira está enganado. Não é o último nem o único a pensar assim. Perante a incompetência deste governo, o culto do "chefe" e a santanização do PSD, talvez só mesmo Cavaco possa devolver ao PSD o projecto nacional, a moderação política, a seriedade, o rigor e a competência de outrora.



ATÉ QUE ENFIM Bem sei que muitos fumadores se queixam do “fundamentalismo anti-tabagista”, invocando o respeito pela sua liberdade pessoal. Mas parece-me que a anunciada proibição do tabaco em locais como restaurantes, bares, discotecas, locais de trabalho e transportes públicos só peca por tardia.

A liberdade pessoal dos fumadores merece o meu maior respeito; mas a nossa liberdade termina quando começa a dos outros. E é intolerável que não se possa entrar num café, num restaurante, numa discoteca ou num transporte público sem apanhar com o fumo dos outros. Além do desagradável cheiro a tabaco que fica na roupa, há o perigo de contrair um cancro do pulmão… e isto graças à sagrada liberdade dos fumadores.

quinta-feira, novembro 11, 2004



A IGREJA E O NAZISMO Recomendo a leitura de um excelente post de Rodrigo Moita de Deus, no Acidental, a respeito das (polémicas) relações entre a Igreja e o regime nacional-socialista.



ARAFAT A morte de Yasser Arafat não me deixa triste. Nem contente, aliás. Mas o seu afastamento é, seguramente, positivo para o processo de paz no Médio Oriente.

Por muito que simpatize com a causa palestiniana, não posso deixar de recordar que Arafat era um terrorista sanguinário, um ditador corrupto e um dos principais responsáveis pelo impasse a que chegou o processo de paz israelo-árabe. Além disso, e independentemente da nobreza da luta por uma independência da Palestina em termos justos e equilibrados, há que ter em conta o direito de Israel a existir enquanto nação “judaica” (no sentido étnico do termo)... o que Arafat nem sempre reconheceu.

Entretanto, Ariel Sharon, o arqui-inimigo do falecido raïs, veio já a terreiro afirmar que a morte de Arafat constitui uma nova oportunidade para que se faça a paz; e pela primeira vez na minha vida, concordo com o primeiro-ministro israelita. Mas parece-me que para que se faça a paz, só falta mesmo que Sharon se retire e dê lugar a um líder disposto a negociar uma “paz dos bravos”. Que falta faz um novo Isaac Rabin!

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P.S.: na foto acima, vemos Yasser Arafat em 1964, sem o mítico "kaffiye". Que diferença! Esta e outras fotos da sua longa vida pública podem ser encontradas neste site.

quarta-feira, novembro 10, 2004



ARMISTÍCIO Amanhã, 11 de Novembro, assinala-se o 86º aniversário da assinatura do Armistício que pôs fim à I Guerra Mundial.

Quando estava no 6ºAno do Ciclo Preparatório, o meu professor de História definiu este conflito como uma luta entre os "bons e os maus". O docente acrescentou ainda que "em todas as guerras existem dois lados: os bons e os maus". Eu tinha apenas 10 ou 11 anos, mas nunca esqueci esta frase... porque já naquela altura me pareceu tremendamente disparatada. Aliás, a partir de então passei a "filtrar" tudo o que os meus professores de História ensinavam.

A Grande Guerra não foi uma luta entre os "bons" e os "maus". Foi um conflito entre potências que pretendiam expandir os seus impérios e a sua hegemonia. Uma das guerras mais estúpidas e inúteis da História, e que esteve na origem das muitas tragédias que ocorreram ao longo do século passado. Os próprios vencedores saíram derrotados, à excepção dos Estados Unidos; de facto, a França e a Inglaterra conseguiram apenas uma triste vitória de Pirro, que assinalou o início do seu declínio enquanto potências mundiais.

Portugal também participou na "Guerra de 14", como ainda hoje é recordada pelos nossos idosos. Também na minha família a Grande Guerra continua a ser recordada: o meu avô materno combateu na Flandres, tendo sido vítima dos gases venenosos lançados pelos Alemães. Morreu trinta anos depois, sofrendo ainda de sequelas daquela intoxicação. O meu avô paterno teve mais sorte: tal como a maioria dos jovens (portugueses) seus contemporâneos, tentava evitar a ida para uma guerra com a qual nada tinha a ver. Engendrou então um hábil estratagema: na véspera do embarque para a Flandres, o meu avô deu uma valente vassourada num oficial superior (!), o que lhe valeu uma estadia de alguns meses numa prisão militar. E quando foi libertado, a guerra tinha terminado! O meu avô não era covarde - aliás, tal como prova a sua posterior vida militar; simplesmente, sentia que aquela não era a "sua" guerra.

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PS: Encontrei um interessante site sobre a Primeira Guerra Mundial, cuja visita recomendo.

terça-feira, novembro 09, 2004



O OUTRO LADO DA QUESTÃO O Daniel Oliveira, do Barnabé, indignou-se com uma reportagem da SIC sobre Marwan Barghouti:

"Acabei de ver uma reportagem de um senhor que, na SIC, passa por jornalista: Henrique Cymerman. Era sobre Barghouti, o homem que, segundo as sondagens, os palestinianos quariam ver a suceder a Arafat. Fiquei apenas como uma dúvida: Cymerman montou a reportagem que o governo israelita lhe deu ou passou-a em bruto?"

Não vi a reportagem em questão, mas conheço o trabalho de Henrique Cymerman, e considero-o um bom profissional. Imagino que na dita reportagem ele tenha transmitido a "outra" imagem de Barghouti, que certa esquerda quer esconder do mundo: a de um assassino a sangue frio. Cymerman terá feito o que se espera de um jornalista: dar voz a todos os lados da questão.

Nunca vi Daniel Oliveira protestar contra a parcialidade dos media anti-Bush ou anti-Sharon... calculo que para Daniel Oliveira, tal questão não se coloque, uma vez que esses media fazem "jornalismo" e estão do "lado certo"!

Além disso, não consigo compreender porque é que a extrema esquerda se continua a iludir com "heróis românticos", mesmo quando estes são terroristas, ladrões, assassinos ou aldrabões. É pena que assim seja, porque prejudica as causas que a extrema-esquerda diz defender, algumas delas muito meritórias (como é o caso da luta pela independência da Palestina).

NOVO TEMPLATE Como devem ter reparado, mudei o template do blog. Para ser sincero, cansei-me do anterior. No entanto, o actual está ainda em "fase experimental". Agradeço a vossas críticas e sugestões!

UMA VITÓRIA DA CIVILIZAÇÃO O Ministério Público acusou formalmente os autores das "praxes" violentas infligidas a uma "caloira" da Escola Superior Agrária de Santarém, pelo crime de "ofensa à integridade física qualificada".

É chocante saber que este tipo de situações ocorrem precisamente nos locais onde era suposto cultivar-se o Saber, a boa educação e a elevação intelectual e moral. Sob a capa da "tradição" escondem-se por vezes autênticos criminosos, que se divertem infligindo abusos sobre os mais fracos. A Justiça tem de actuar de forma exemplar, de forma a previnir que estes casos se voltem a repetir.

Todavia, este tipo de situações continuarão a verificar-se enquanto as "praxes académicas" se basearem na coacção moral e psicológica sobre os novos alunos ("podes escolher não ser praxado, mas depois não podes participar na vida académica...").

No nosso tempo, que é o da consagração das liberdades individuais, existe apenas uma forma de evitar a extinção definitiva - a médio ou longo prazo - das "praxes académicas": modificar o seu conteúdo e reestruturar a sua "ideologia". Aliás, foi através dessa contínua reinvenção que as praxes chegaram até aos nossos dias (a este respeito, recomendo a leitura do meu post "Dura praxis, sed praxis", no blog "Cadernos Minhotos").



BÍBLIA MANUSCRITA Na edição de hoje do “Público”, deparei-me com o seguinte artigo, assinado pela jornalista Barbara Wong, a respeito da iniciativa “Bíblia Manuscrita”:

“Aconteceu na sexta-feira passada, a televisãa estava a cumprir o seu papel de dar voz sociedade civil. Na 2, passava em directo da Aula Magna, da Universidade de Lisboa, o espectáculo organizado pela Sociedade Bíblica Portuguesa (SBP) para promover a iniciativa Bíblia Manuscrita. No ecrã passaram, pelo menos, dois apresentadores da RTP: Margarida Mercês de Melo, que recitou um salmo, e Júlio Isidro, que contou a parábola do Filho Pródigo. Cantaram Sara Tavares, Jorge Palma, Filipa Pais, parceira de Vitorino em lides mais intervencionistas... Rebobinemos: Jorge Palma?!? Filipa Pais?!? Ainda se fossem os irmãs e primos Câmara Pereira...
Mas para quê o espanto? Afinal, não se associaram também a esta "iniciativa religiosa de âmbito cultural", como definiu o Cardeal Patriarca, os presidentes da República, da Assembleia da República e do Tribunal Constitucional?

Apetece ir Aula Magna, onde fica um dos "scriptoria" (locais onde se pode participar na iniciativa), e escrever o versículo 21, do capítulo 22 do Evangelho de Mateus: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". A declaração foi proferida por Jesus, que sempre teve aversão a misturas entre o poder religioso e o poder político, depois de o questionarem sobre o pagamento dos impostos. É uma daquelas afirmações que a Igreja Católica, passados dois mil anos, continua a ter dificuldades em compreender e, sobretudo, em pôr em prática. Para castigo, recomendo aos senhores da SBP e aos políticos que escrevam o mesmo versículo, pelo menos cem vezes.”


Não ponho em causa a necessidade de se separar a política da religião. E concordo com a jornalista quando esta recorda que a Igreja Católica (ou, pelo menos, certos sectores da dita) sempre teve uma grande dificuldade em fazê-lo, desde os tempos de Constantino, O Grande. Mas sinceramente não vejo o mal destas personalidades se associarem a uma iniciativa do género da “Bíblia Manuscrita”. Quer queiramos quer não, as Escrituras fazem parte da nossa cultura e da nossa herança civilizacional; a Europa e o Ocidente não se fizeram apenas da tradição greco-romana, como muitos querem fazer crer.

O legado judaico-cristão continua presente na nossa civilização, para o melhor e para o pior. Por muito que nos queiram convencer que "Deus morreu", conhecer a Bíblia é essencial para que possamos compreender o mundo actual. E também para que possamos combater os fundamentalismos de toda a espécie, que têm feito o seu aparecimento nesta época atribulada.

Além disso, e por exemplo, não percebo porque é que os políticos podem se assumir abertamente como membros de uma loja maçónica ou como adeptos de determinada equipa de futebol - muitas vezes demonstrando o mais acérrimo e irracional fervor clubístico -, mas ao mesmo tempo não podem dar testemunho público da sua fé. A fé faz parte da nossa vida quotidiana, e define muito daquilo que somos. Se existir moderação e bom senso - como tem sido apanágio das personalidades referidas, aliás -, não existe problema algum no facto de o Estado reconhecer o importante papel cultural e social desempenhado pelas diferentes religiões.

Por outro lado, tanta hostilidade parece dever-se mais ao facto de se tratar da Igreja Católica e não de uma crença minoritária; por exemplo, não ouvi ninguém queixar-se do facto de o Presidente Jorge Sampaio, acompanhado pelo Presidente da Assembleia da República e de vários deputados (julgo que dos cinco partidos com assento parlamentar), ter marcado presença na reabertura da Sinagoga de Lisboa...

segunda-feira, novembro 08, 2004



SUPERIORIDADE MORAL (II) O outro argumento utilizado para demonstrar a superioridade moral e intelectual da Europa sobre os EUA, é aquele segundo o qual a primeira “aprendeu com os próprios erros”, ao contrário dos segundos. Em meu entender, este é também um argumento falacioso; em primeiro lugar, porque se alguém cometeu genocídios, oprimiu povos inteiros e destruiu civilizações milenares, esse alguém foram os países europeus. E mais: fizeram-no durante um período de tempo superior ao da própria existência dos Estados Unidos enquanto nação independente, o que significa que, de acordo com este raciocínio, os EUA têm ainda mais alguns séculos para se “emendarem” e “aprenderem com os próprios erros”.

Além disso, se nos últimos cinquenta anos os países europeus adquiriram a reputação de “bons da fita”, foi precisamente porque não tinham a força necessária para serem os “maus da fita”. Perdoem-me a análise cínica, mas a verdade é que se os países europeus não se têm metido em aventuras militares é simplesmente por duas razões: primeiro, porque têm quem faça o “trabalho sujo” por eles; segundo, porque não têm capacidade para intervir militarmente noutras partes do globo.

Devo contudo referir que não é bem verdade que os países europeus não se têm envolvido em "aventuras". Basta recordar as constantes intervenções francesas na África Negra; de tão normais e corriqueiras, nem merecem o devido destaque da imprensa europeia. Esta só fala dos malditos americanos, que querem expandir o seu império à custa dos direitos dos árabes e à revelia do "direito internacional".

Reparem na dualidade de critérios da imprensa europeia: a intervenção francesa na Costa do Marfim é descrita pela imprensa europeia com o bondoso termo de "operação de paz" (e que é, de facto, não obstante os convergentes interesses imperiais). Não interessa que o Governo legítimo da Costa do Marfim esteja contra a presença dos franceses no seu território. Reparem também que da ONU o executivo marfinense apenas recebe condenações e sanções!

Resta fazer uma comparação entre os casos da Costa do Marfim e do Iraque, país em que um governo legítimo pede a presença de forças americanas no seu território, de modo a restabelecer a ordem. Mas claro que a imprensa europeia não vê com bons olhos a presença americana (o que não deixa de ser curioso, quando a Europa é quem mais terá a perder com uma inglória retirada americana).

Em relação à "inteligência" do americano médio, não creio que esta seja mais baixa que a dos europeus. Nem mais elevada, aliás. Penso que existem tantos americanos ignorantes como europeus ignorantes. A América comete erros e pensa apenas nos seus interesses? Claro que sim, mas também a Europa. A América busca o lucro e a segurança dos seus interesses estratégicos? Claro que sim, mas também a Europa... Devemos lutar contra este estado de coisas - as opiniões públicas têm este poder, felizmente -, mas sem enveredar por crenças maniqueístas e preconceitos baseados no ódio e no ressentimento. Caso contrário, minaremos a união do Ocidente e, com ele, todas as coisas boas que a nossa civilização conquistou.

E se os media americanos têm uma visão "americo-cêntrica" do mundo, também os europeus têm uma perspectiva extremamente "euro-cêntrica". Por exemplo, provavelmente existirão tantos americanos a saber onde fica o Kosovo como europeus...

Penso que, tal como na Europa, na América existe um pouco de tudo. E à falta de estudos científicos que comprovem a "estupidez" dos Americanos, prefiro não fazer fé em preconceitos generalizados. Isso sim, seria estupidez.

sexta-feira, novembro 05, 2004

BOÇALIDADE MILITANTE Nos tempos que correm, existe uma espécie em evidente expansão. Refiro-me, caro leitor, à tribo dos “boçais militantes”, uma espécie de indivíduos que pretende assinalar a sua originalidade pela mais ostentatória má educação.

Não me interpretem mal; não ponho em causa o direito de cada um a vestir-se como entender, ou a comportar-se como lhe der na real gana, desde que isso não interfira com as liberdades e os direitos dos outros. Nem a boçalidade a que me refiro tem a ver com tendências políticas, filosóficas ou religiosas, nem tão pouco com o estilo de vida de cada um. A má educação existe em todas as camadas sociais, independentemente da raça, origem social, credo ou filiação política.

O que me indigna nestes “boçais militantes” é a tendência para pretenderem vincar a sua própria originalidade recorrendo a formas de estar que tendem a desrespeitar os outros. Eis alguns exemplos daquilo a que me refiro:

- Recusar-se terminantemente a usar expressões como “obrigado”, “com licença” ou “se faz favor”.

- Dizer palavrões na presença de estranhos ou proferir comentários maliciosos, como se isso fosse sinónimo de “modernidade” e de estar acima de quaisquer convenções sociais.

- Fumar em locais fechados, sem ter a preocupação e o cuidado de pedir permissão às outras pessoas.

- Recusar-se a dar lugar às crianças, grávidas e idosos nos transportes públicos.

- Tratar mal os empregados dos cafés e restaurantes, como se de escravos ou seres inferiores se tratasse.

- Fazer questão de vincar a sua própria ignorância, como se isso fosse uma virtude (por exemplo, proferindo comentários do género “ler é para os marrões!”).


Para estes senhores, a ignorância, a má-educação e a vulgaridade são qualidades de que as pessoas se podem e devem orgulhar. Para eles, as regras da boa educação são coisas de velhos!

quinta-feira, novembro 04, 2004



ESQUERDA LIBERTÁRIA Chamou-me a atenção o artigo de Pacheco Pereira no "Público" do passado dia 28 de Outubro, em que se pode ler o seguinte: "(...) Um caso típico das ambiguidades sobre a esquerda/direita tem a ver com a posição liberal face aos "costumes", tradicionalmente associada à esquerda. O liberalismo dos costumes só nos dias de hoje, depois de Maio de 68, é que é claramente ligado à esquerda. É verdade que alguns minoritários grupos anarquistas e radicais defendiam o amor livre, e as práticas anticoncepcionais, o "neo-malthusianismo", desde o início do século XX, mas basta ler a imprensa operária, e as suas injunções contra a "corrupção" moral da burguesia, os seus comentários sobre a embriaguez, e a prostituição, para encontrar um forte moralismo conservador que hoje deixaria a Igreja Católica a parecer um centro de libertinagem. O próprio movimento comunista sempre foi tradicionalmente, até por herança do movimento operário oitocentista, muito conservador quanto aos costumes. De novo, é o movimento esquerdista de Maio 68 que retorna à valorização de autores como Reich, ou a momentos como o dos anos 20 na legislação soviética, esquecendo que estes não tiveram qualquer continuidade posterior, mais caracterizada pela forte repressão contra a homossexualidade ou pelo ataque à "dissolução" dos costumes. A legislação, aparentemente mais liberal quanto ao aborto ou ao planeamento familiar, dos países comunistas associava-se muito mais, como na China, a políticas de controlo da população do que a qualquer liberalismo dos costumes. (A ideia, muito portuguesa, que a distinção entre os defensores e críticos do aborto se faz entre a esquerda e a direita esquece o óbvio: que é muito mais importante nessa distinção a religião do que a política, e que, em muitos países que não são católicos, o problema está longe de se colocar nos mesmos termos. Esquece outras coisas que a leitura do Avante! dos anos 30 ou a tese académica de Cunhal sobre o aborto deveria lembrar.)(...)"

Concordo com Pacheco Pereira. A esquerda moderna "colou-se" a certos ideais libertários, por um lado como se para ser de esquerda fosse necessário partilhá-lhos, e por outro como se tais ideais fossem exclusivos da esquerda.



SUPERIORIDADE MORAL (I) Embora já a esperasse, não pude deixar de me entristecer com a vitória de George W. Bush nas eleições presidenciais norte-americanas. Mas não é isso que pretendo abordar neste post, uma vez que já aqui expliquei o porquê da minha preferência por John Kerry.

É outro o propósito destas linhas. Aos olhos da intelectualidade europeia “bem-pensante”, a vitória de George W. vem confirmar a teoria segundo a qual os americanos são um povo estúpido e ignorante. Esta crença generalizada tem-se feito sentir em simples conversas de café, em debates políticos e nas entrelinhas dos jornais. Para a maioria dos europeus, o americano médio é estúpido, boçal, inculto e ignorante.

À volta de uma mesa de café, ainda no rescaldo das eleições norte-americanas, o meu grupo de amigos discutiu acaloradamente esta questão. Todos me queriam convencer que os americanos “não têm cultura”, alegadamente por se tratar de uma nação com “apenas duzentos anos de história”. Outro argumento utilizado para me tentarem convencer da superioridade moral e intelectual da Europa, consistiu no facto desta “ter aprendido com os próprios erros”, ao contrário dos E.U.A..

Em meu entender, tanto o primeiro como o segundo argumento são extremamente falaciosos. Antes de mais, creio que existe uma genuína “cultura americana”. É verdade que a América é um enorme “melting pot”, uma confluência de povos, raças, credos e culturas muito diferentes, mas existe algo que une todos os americanos, independentemente da sua origem: o patriotismo e a crença na democracia e na liberdade. Além disso, existe ainda um forte background cultural com origem nos primeiros séculos da colonização europeia, com os seus valores puritanos, de valorização do trabalho, do esforço individual e do mérito pessoal. Ou seja, a “cultura americana” é muito anterior à própria existência dos Estados Unidos enquanto nação; desde os tempos do Mayflower que esta identidade cultural e nacional se vem fortalecendo. E as sucessivas vagas de imigrantes têm assimilado esta "cultura americana”, embora por vezes mantendo uma forte identidade própria, como é o caso dos italianos e dos judeus da Europa Central.

Além de tudo isto, há ainda a ter em conta o facto de os Estados Unidos serem, apesar de tudo, uma nação “europeia”. Pondo de parte a sua localização geográfica, os Estados Unidos são um país com uma evolução histórica profundamente ligada à civilização europeia (tal como os restantes países americanos, aliás). Julgo por isso que não existe uma verdadeira "fractura civilizacional" entre a América e a Europa. Existem sim grandes diferenças entre a tradição "continental" - francesa e latina -, e a anglo-saxónica; e não é apenas por oportunismo político ou estratégico que os sucessivos governos britânicos têm procurado manter com os EUA uma "special relationship".

(Continua)

quarta-feira, novembro 03, 2004



O MITO DA IGUALDADE DE OPORTUNIDADES “No Estado de Natureza, todos os homens nascem iguais, mas não conseguem continuar a sê-lo. A sociedade faz com que deixem de ser iguais, e só a protecção da lei lhes restitui a igualdade.” (Montesquieu)

De acordo com a nossa Constituição, todos os cidadãos devem usufruir de igualdade de oportunidades no acesso ao ensino. Com esse propósito, os Governos do pós-25 de Abril criaram programas de acção social nas universidades.

Em teoria, as bolsas de estudo deveriam proporcionar aos alunos menos favorecidos uma efectiva igualdade de oportunidades em relação aos seus colegas mais abonados. Todavia, parece-me evidente que na prática isso não acontece.

Mais que o baixo valor das bolsas, indigna-me profundamente uma certa “mentalidade da esmola”, que me parece característica dos nossos dirigentes políticos e universitários.

Com efeito, muita gente vê as bolsas como uma espécie de esmola, um simples gesto de “caridadezinha” para com os estudantes menos favorecidos. Daí que possam ser pagas com meses de atraso. Daí que qualquer reclamação por parte dos estudantes seja vista como uma demonstração de reles ingratidão. “São pobres e mal agradecidos”, retorquem os sisudos guardiões do erário, quando confrontados com as reivindicações dos estudantes.

As bolsas são um direito, e não um simples “gesto de generosidade” do Estado. O estudante tem direito a receber apoio do Estado, pelo simples facto de ser estudante e de não ter os necessários meios económicos. Algumas pessoas esquecem-se que a bolsa não é uma esmola nem uma benesse reservada “aos que merecem”, mas sim um direito inalienável de todo e qualquer estudante que dela necessite.

Todavia, parece-me que esta mentalidade não é exclusiva dos dirigentes políticos e universitários: na verdade, muitos estudantes pensam de igual modo. Para estes senhores, os bolseiros devem estar gratos pelos míseros trocos que recebem do Estado! “E é se querem!”

No entanto, parece-me que o verdadeiro problema não reside nos montantes das bolsas atribuídas, mas sim na forma como estas são pagas. Aliás, e por respeito para com os milhares de reformados portugueses que sobrevivem com pensões miseráveis, prefiro não me queixar do valor das bolsas (as parcas reformas são bem mais chocantes e constituem um problema de resolução ainda mais urgente). De facto, o que me indigna profundamente são os atrasos nos pagamentos; por exemplo, estamos a meio do semestre e ainda não foram publicados os resultados das bolsas… coisa que deveria ter sido feita no início do ano lectivo.

Como é que um estudante bolseiro poderá viver três meses sem dinheiro para comprar material escolar, para pagar a renda, para as viagens de ida e volta para a “terra”, para se alimentar e vestir decentemente? Como é que um estudante bolseiro poderá usufruir da apregoada “igualdade de oportunidades”, se por vezes nem tem dinheiro para tomar um café? Como é que um estudante bolseiro poderá ter as mesmas oportunidades que os colegas, se não consegue viver de forma digna? Perdoem-me o pessimismo, mas parece-me que alguns são mais iguais que outros!

Seria de esperar que as Associações Académicas lutassem contra estas situações. Mas o assunto não tem merecido a devida atenção por parte dos nossos dirigentes associativos… talvez porque não existem câmaras de TV por perto!

Fala-se muito da falta de civismo dos portugueses; que não respeitam o Estado e as instituições, que não pagam os seus impostos e que não se interessam por causas comuns. Pois é; de facto, somos um país de “espertalhões”. Mas o respeito conquista-se, tal como o afecto se merece. E a verdade é que o Estado Português tem feito tudo para que as pessoas não o respeitem. Por exemplo, e entre muitas outras coisas, o Estado é o mais rigoroso dos credores, mas é também o pior dos devedores. E amor com amor se paga...