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quinta-feira, novembro 04, 2004



ESQUERDA LIBERTÁRIA Chamou-me a atenção o artigo de Pacheco Pereira no "Público" do passado dia 28 de Outubro, em que se pode ler o seguinte: "(...) Um caso típico das ambiguidades sobre a esquerda/direita tem a ver com a posição liberal face aos "costumes", tradicionalmente associada à esquerda. O liberalismo dos costumes só nos dias de hoje, depois de Maio de 68, é que é claramente ligado à esquerda. É verdade que alguns minoritários grupos anarquistas e radicais defendiam o amor livre, e as práticas anticoncepcionais, o "neo-malthusianismo", desde o início do século XX, mas basta ler a imprensa operária, e as suas injunções contra a "corrupção" moral da burguesia, os seus comentários sobre a embriaguez, e a prostituição, para encontrar um forte moralismo conservador que hoje deixaria a Igreja Católica a parecer um centro de libertinagem. O próprio movimento comunista sempre foi tradicionalmente, até por herança do movimento operário oitocentista, muito conservador quanto aos costumes. De novo, é o movimento esquerdista de Maio 68 que retorna à valorização de autores como Reich, ou a momentos como o dos anos 20 na legislação soviética, esquecendo que estes não tiveram qualquer continuidade posterior, mais caracterizada pela forte repressão contra a homossexualidade ou pelo ataque à "dissolução" dos costumes. A legislação, aparentemente mais liberal quanto ao aborto ou ao planeamento familiar, dos países comunistas associava-se muito mais, como na China, a políticas de controlo da população do que a qualquer liberalismo dos costumes. (A ideia, muito portuguesa, que a distinção entre os defensores e críticos do aborto se faz entre a esquerda e a direita esquece o óbvio: que é muito mais importante nessa distinção a religião do que a política, e que, em muitos países que não são católicos, o problema está longe de se colocar nos mesmos termos. Esquece outras coisas que a leitura do Avante! dos anos 30 ou a tese académica de Cunhal sobre o aborto deveria lembrar.)(...)"

Concordo com Pacheco Pereira. A esquerda moderna "colou-se" a certos ideais libertários, por um lado como se para ser de esquerda fosse necessário partilhá-lhos, e por outro como se tais ideais fossem exclusivos da esquerda.