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terça-feira, novembro 09, 2004



BÍBLIA MANUSCRITA Na edição de hoje do “Público”, deparei-me com o seguinte artigo, assinado pela jornalista Barbara Wong, a respeito da iniciativa “Bíblia Manuscrita”:

“Aconteceu na sexta-feira passada, a televisãa estava a cumprir o seu papel de dar voz sociedade civil. Na 2, passava em directo da Aula Magna, da Universidade de Lisboa, o espectáculo organizado pela Sociedade Bíblica Portuguesa (SBP) para promover a iniciativa Bíblia Manuscrita. No ecrã passaram, pelo menos, dois apresentadores da RTP: Margarida Mercês de Melo, que recitou um salmo, e Júlio Isidro, que contou a parábola do Filho Pródigo. Cantaram Sara Tavares, Jorge Palma, Filipa Pais, parceira de Vitorino em lides mais intervencionistas... Rebobinemos: Jorge Palma?!? Filipa Pais?!? Ainda se fossem os irmãs e primos Câmara Pereira...
Mas para quê o espanto? Afinal, não se associaram também a esta "iniciativa religiosa de âmbito cultural", como definiu o Cardeal Patriarca, os presidentes da República, da Assembleia da República e do Tribunal Constitucional?

Apetece ir Aula Magna, onde fica um dos "scriptoria" (locais onde se pode participar na iniciativa), e escrever o versículo 21, do capítulo 22 do Evangelho de Mateus: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". A declaração foi proferida por Jesus, que sempre teve aversão a misturas entre o poder religioso e o poder político, depois de o questionarem sobre o pagamento dos impostos. É uma daquelas afirmações que a Igreja Católica, passados dois mil anos, continua a ter dificuldades em compreender e, sobretudo, em pôr em prática. Para castigo, recomendo aos senhores da SBP e aos políticos que escrevam o mesmo versículo, pelo menos cem vezes.”


Não ponho em causa a necessidade de se separar a política da religião. E concordo com a jornalista quando esta recorda que a Igreja Católica (ou, pelo menos, certos sectores da dita) sempre teve uma grande dificuldade em fazê-lo, desde os tempos de Constantino, O Grande. Mas sinceramente não vejo o mal destas personalidades se associarem a uma iniciativa do género da “Bíblia Manuscrita”. Quer queiramos quer não, as Escrituras fazem parte da nossa cultura e da nossa herança civilizacional; a Europa e o Ocidente não se fizeram apenas da tradição greco-romana, como muitos querem fazer crer.

O legado judaico-cristão continua presente na nossa civilização, para o melhor e para o pior. Por muito que nos queiram convencer que "Deus morreu", conhecer a Bíblia é essencial para que possamos compreender o mundo actual. E também para que possamos combater os fundamentalismos de toda a espécie, que têm feito o seu aparecimento nesta época atribulada.

Além disso, e por exemplo, não percebo porque é que os políticos podem se assumir abertamente como membros de uma loja maçónica ou como adeptos de determinada equipa de futebol - muitas vezes demonstrando o mais acérrimo e irracional fervor clubístico -, mas ao mesmo tempo não podem dar testemunho público da sua fé. A fé faz parte da nossa vida quotidiana, e define muito daquilo que somos. Se existir moderação e bom senso - como tem sido apanágio das personalidades referidas, aliás -, não existe problema algum no facto de o Estado reconhecer o importante papel cultural e social desempenhado pelas diferentes religiões.

Por outro lado, tanta hostilidade parece dever-se mais ao facto de se tratar da Igreja Católica e não de uma crença minoritária; por exemplo, não ouvi ninguém queixar-se do facto de o Presidente Jorge Sampaio, acompanhado pelo Presidente da Assembleia da República e de vários deputados (julgo que dos cinco partidos com assento parlamentar), ter marcado presença na reabertura da Sinagoga de Lisboa...