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quarta-feira, novembro 03, 2004



O MITO DA IGUALDADE DE OPORTUNIDADES “No Estado de Natureza, todos os homens nascem iguais, mas não conseguem continuar a sê-lo. A sociedade faz com que deixem de ser iguais, e só a protecção da lei lhes restitui a igualdade.” (Montesquieu)

De acordo com a nossa Constituição, todos os cidadãos devem usufruir de igualdade de oportunidades no acesso ao ensino. Com esse propósito, os Governos do pós-25 de Abril criaram programas de acção social nas universidades.

Em teoria, as bolsas de estudo deveriam proporcionar aos alunos menos favorecidos uma efectiva igualdade de oportunidades em relação aos seus colegas mais abonados. Todavia, parece-me evidente que na prática isso não acontece.

Mais que o baixo valor das bolsas, indigna-me profundamente uma certa “mentalidade da esmola”, que me parece característica dos nossos dirigentes políticos e universitários.

Com efeito, muita gente vê as bolsas como uma espécie de esmola, um simples gesto de “caridadezinha” para com os estudantes menos favorecidos. Daí que possam ser pagas com meses de atraso. Daí que qualquer reclamação por parte dos estudantes seja vista como uma demonstração de reles ingratidão. “São pobres e mal agradecidos”, retorquem os sisudos guardiões do erário, quando confrontados com as reivindicações dos estudantes.

As bolsas são um direito, e não um simples “gesto de generosidade” do Estado. O estudante tem direito a receber apoio do Estado, pelo simples facto de ser estudante e de não ter os necessários meios económicos. Algumas pessoas esquecem-se que a bolsa não é uma esmola nem uma benesse reservada “aos que merecem”, mas sim um direito inalienável de todo e qualquer estudante que dela necessite.

Todavia, parece-me que esta mentalidade não é exclusiva dos dirigentes políticos e universitários: na verdade, muitos estudantes pensam de igual modo. Para estes senhores, os bolseiros devem estar gratos pelos míseros trocos que recebem do Estado! “E é se querem!”

No entanto, parece-me que o verdadeiro problema não reside nos montantes das bolsas atribuídas, mas sim na forma como estas são pagas. Aliás, e por respeito para com os milhares de reformados portugueses que sobrevivem com pensões miseráveis, prefiro não me queixar do valor das bolsas (as parcas reformas são bem mais chocantes e constituem um problema de resolução ainda mais urgente). De facto, o que me indigna profundamente são os atrasos nos pagamentos; por exemplo, estamos a meio do semestre e ainda não foram publicados os resultados das bolsas… coisa que deveria ter sido feita no início do ano lectivo.

Como é que um estudante bolseiro poderá viver três meses sem dinheiro para comprar material escolar, para pagar a renda, para as viagens de ida e volta para a “terra”, para se alimentar e vestir decentemente? Como é que um estudante bolseiro poderá usufruir da apregoada “igualdade de oportunidades”, se por vezes nem tem dinheiro para tomar um café? Como é que um estudante bolseiro poderá ter as mesmas oportunidades que os colegas, se não consegue viver de forma digna? Perdoem-me o pessimismo, mas parece-me que alguns são mais iguais que outros!

Seria de esperar que as Associações Académicas lutassem contra estas situações. Mas o assunto não tem merecido a devida atenção por parte dos nossos dirigentes associativos… talvez porque não existem câmaras de TV por perto!

Fala-se muito da falta de civismo dos portugueses; que não respeitam o Estado e as instituições, que não pagam os seus impostos e que não se interessam por causas comuns. Pois é; de facto, somos um país de “espertalhões”. Mas o respeito conquista-se, tal como o afecto se merece. E a verdade é que o Estado Português tem feito tudo para que as pessoas não o respeitem. Por exemplo, e entre muitas outras coisas, o Estado é o mais rigoroso dos credores, mas é também o pior dos devedores. E amor com amor se paga...