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segunda-feira, novembro 29, 2004



A CONSTITUIÇÃO EUROPEIA O meu amigo Ricardo Manuel, dos Meninos de Ouro, desafiou-me a escrever sobre o Tratado Constitucional Europeu. Apesar de europeísta convicto, o Ricardo é contra a ratificação do tratado, por entender que este retira poderes aos pequenos países e porque considera anti-democrático o processo referendário que se avizinha.

Escreveu ele o seguinte:

“A pergunta do referendo sobre a Constituição Europeia é considerada pele maioria dos portugueses (ou seja, o "povo", uma designação que sempre detestei pelas suas conotações negativas) como confusa e até mesmo incompreensível. É o tipo de pergunta que se faz quando a intenção é desinteressar a maioria das pessoas pelo assunto em causa ("Eu não percebo nada daquela cena, em vez de votar vou mas é passar o fim-de-semana no Algarve!"), por forma a garantir que uma minoria "esclarecida" e "preocupada com o futuro da Europa" vote pelo SIM em número superior à minoria "anti-europeia", "extremista" e "ultra-nacionalista", que tenciona votar NÃO.

(...) Por um lado, o poder dos países maiores e mais ricos sairá reforçado: a Alemanha, a França, a Itália e mais um ou dois países poderão bloquear todas as decisões impulsionadas pelos restantes vinte países mais pequenos. Portugal, mesmo associado a vários países da sua dimensão, não terá qualquer poder de bloqueio. É a isto que os políticos Franceses e Alemães designam de "simplificação da tomada de decisões pela UE".

(...)Quanto aos "direitos fundamentais", levarão a que todos os grupos de interesse que sejam contrariados a nível nacional apelem para os tribunais europeus, onde mais uma vez o espírito do "politicamente correcto" tenderá a favorecer esses mesmos interesses, em detrimento das decisões pragmáticas dos líderes políticos nacionais, líderes esses que tendem a rarear. Suponho que serão substituídos no futuro por chefes como Alberto João Jardim e Valentim Loureiro, que conseguem de forma hábil conciliar os grupos de interesses locais com a massa de eleitores. Imaginem isto não a nível de concelho ou região autónoma, mas a nível de um país inteiro. Eu consigo imaginar.

Sou europeísta, preocupo-me com o futuro da UE e considero-me um democrata. E por isso mesmo vou votar NÃO no referendo, pois temo que a nova Constituição destrua o sonho Europeu, terminando uma era de paz e prosperidade como nunca antes tivemos neste admirável continente.”



Confesso que me encontro dividido quanto a esta questão. Em primeiro lugar, devo dizer que fiz ontem o download do longuíssimo texto da Constituição Europeia (que pode ser encontrado aqui), e que ainda não tive tempo de o examinar atentamente. Por outro lado, estou plenamente de acordo com o Ricardo no que diz respeito à forma como a questão será colocada aos portugueses, neste referendo que se avizinha. Parece-me que, para além de a pergunta ser extremamente confusa, existem "manobras", por parte dos principais partidos, no sentido de que o "Sim" vença o referendo. Assim sendo, o referendo não será verdadeiramente democrático.

Além disso, sou dos que pensam que uma Constituição deve ser o mais simples possível. O que não é o caso das 349 páginas do Tratado Constitucional assinado em Roma. Creio que a Convenção deveria ter-se inspirado na Constituição Americana de 1776 (ou na Constituição Inglesa que, apesar de não-escrita, é de interpretação bastante simples).

Sempre me assumi como federalista, pois desde cedo considerei que o federalismo poderá ser a única defesa contra a hegemonia dos "grandes". Mas se realmente o Tratado Constitucional Europeu retira poderes aos "pequenos", deixando-os nas mãos dos "grandes", então direi "Não" a esta Constituição. Mais uma vez, penso que o modelo americano deveria servir de exemplo; nos EUA, e por exemplo, a pequena Maryland tem tanto peso no Senado como o grande Texas.

Todavia, repito, tenho ainda de analisar bem o texto constitucional. Quando o fizer, poderei pronunciar-me de forma mais convicta e acertada.