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quinta-feira, novembro 04, 2004



SUPERIORIDADE MORAL (I) Embora já a esperasse, não pude deixar de me entristecer com a vitória de George W. Bush nas eleições presidenciais norte-americanas. Mas não é isso que pretendo abordar neste post, uma vez que já aqui expliquei o porquê da minha preferência por John Kerry.

É outro o propósito destas linhas. Aos olhos da intelectualidade europeia “bem-pensante”, a vitória de George W. vem confirmar a teoria segundo a qual os americanos são um povo estúpido e ignorante. Esta crença generalizada tem-se feito sentir em simples conversas de café, em debates políticos e nas entrelinhas dos jornais. Para a maioria dos europeus, o americano médio é estúpido, boçal, inculto e ignorante.

À volta de uma mesa de café, ainda no rescaldo das eleições norte-americanas, o meu grupo de amigos discutiu acaloradamente esta questão. Todos me queriam convencer que os americanos “não têm cultura”, alegadamente por se tratar de uma nação com “apenas duzentos anos de história”. Outro argumento utilizado para me tentarem convencer da superioridade moral e intelectual da Europa, consistiu no facto desta “ter aprendido com os próprios erros”, ao contrário dos E.U.A..

Em meu entender, tanto o primeiro como o segundo argumento são extremamente falaciosos. Antes de mais, creio que existe uma genuína “cultura americana”. É verdade que a América é um enorme “melting pot”, uma confluência de povos, raças, credos e culturas muito diferentes, mas existe algo que une todos os americanos, independentemente da sua origem: o patriotismo e a crença na democracia e na liberdade. Além disso, existe ainda um forte background cultural com origem nos primeiros séculos da colonização europeia, com os seus valores puritanos, de valorização do trabalho, do esforço individual e do mérito pessoal. Ou seja, a “cultura americana” é muito anterior à própria existência dos Estados Unidos enquanto nação; desde os tempos do Mayflower que esta identidade cultural e nacional se vem fortalecendo. E as sucessivas vagas de imigrantes têm assimilado esta "cultura americana”, embora por vezes mantendo uma forte identidade própria, como é o caso dos italianos e dos judeus da Europa Central.

Além de tudo isto, há ainda a ter em conta o facto de os Estados Unidos serem, apesar de tudo, uma nação “europeia”. Pondo de parte a sua localização geográfica, os Estados Unidos são um país com uma evolução histórica profundamente ligada à civilização europeia (tal como os restantes países americanos, aliás). Julgo por isso que não existe uma verdadeira "fractura civilizacional" entre a América e a Europa. Existem sim grandes diferenças entre a tradição "continental" - francesa e latina -, e a anglo-saxónica; e não é apenas por oportunismo político ou estratégico que os sucessivos governos britânicos têm procurado manter com os EUA uma "special relationship".

(Continua)