respublica

quinta-feira, setembro 30, 2004



FALSA TOLERÂNCIA No Diário Ateísta, o Carlos Esperança escreveu o seguinte:

"(...) Que João César das Neves acredite em Deus e na Senhora de Fátima, que exulte com as aparições e se exalte com os milagres, que se comova com o martírio do seu Deus e acredite na virtude da sua Igreja é um direito que encontra em mim um denodado defensor. Mas que queira converter os outros à sua fé, sujeitá-los aos humores do seu Deus, amarrá-los às imposições da sua Igreja, assustá-los com o Inferno, convencê-los das superstições e condená-los à moral importada da Cúria Romana, é um exagero que se desculpa num devoto mas um despautério que arrepia num universitário."

Acho engraçada esta forma de pensar de certos ateus: Que as pessoas tenham as suas crenças, pá, tudo bem, desde que não incomodem. Ou que não ocupem cargos de responsabilidade. Ou que não o digam em voz alta! Ou que não escrevam sobre isso!

Ou seja, aqueles que têm uma religião não devem apregoar a sua crença. Mas eles, os ateus iluminados, têm o direito de fazer propaganda anti-religiosa... muitas vezes recorrendo ao mais puro fel e à mais primária intolerância.

Todos temos o direito de possuir ou não uma religião, e de assumir abertamente as nossas crenças ou descrenças, desde que o façamos com respeito pelos outros. Ninguém é mais ou menos inteligente, boa pessoa ou culto pelo facto de acreditar ou não numa Divindade.

Deixo um conselho aos ateus fundamentalistas: respeitem os outros na medida em que vocês próprios querem ser respeitados. É verdadeiramente triste que ainda não tenham aprendido isso.

SABER COMUNICAR Assisti hoje a mais uma edição do “4X Ciência”, um programa do canal 2 dedicado às questões científicas. Em debate estava a doença de Alzheimer, estando presentes em estúdio o Professor Sobrinho Simões e outros dois destacados neurologistas portugueses.

Como estavam em discussão termos médico-científicos fora do entendimento dos comuns mortais, a moderadora do debate estava a ter grandes dificuldades em acompanhar os raciocínios dos convidados. Foi então que o Prof. Sobrinho Simões “tomou conta” do debate, fazendo perguntas (pertinentes) aos dois outros cientistas, invocando o “interesse dos espectadores” por determinados assuntos.

Assistir a este programa aquilo confirmou aquilo que há muito pensava: dêem um programa ao Prof. Sobrinho Simões, que o homem tem jeitinho! Sabe comunicar, é carismático e consegue traduzir para o português corrente o complicado palavreado médico-científico. A televisão pública ficava a ganhar com tal aposta.

quarta-feira, setembro 29, 2004

VELHOS ESCRITOS (II) A respeito dos "populares" que têm apupado o principal suspeito do homicídio da pequena Joana, recordo um texto que aqui postei em Outubro do ano passado:

"OS "POPULARES" que vão ao tribunal da Boa Hora apupar e insultar Carlos Silvino, são os herdeiros directos das multidões que na Idade Média assistiam deliciadas ao suplício dos condenados.

Mais do que simples castigos, as execuções públicas eram demonstrações do poder real. Fazendo uso de uma variadíssima gama de torturas, os carrascos medievais puniam os criminosos perante multidões entusiastas. Os dias de execuções eram de festa; milhares de visitantes acorriam às vilas e cidades onde estas tinham lugar, levando consigo centenas de vendedores ambulantes.

A multidão aplaudia a actuação do carrasco, sempre que este desempenhava "bem" a sua função. Ao mesmo tempo, existem relatos de multidões enfurecidas que trucidaram carrascos incompetentes. Simultaneamente executor e entertainer, o carrasco era responsável pelo apaziguamento dos demónios colectivos.

A multidão apupa o condenado porque este carrega sobre si o pecado colectivo; toda a gente em Lisboa sabia que os miúdos da Casa Pia se prostituíam no Parque Eduardo VII, mas nunca ninguém se importou. Todos, incluindo políticos, polícias, responsáveis da instituição e vulgares cidadãos, eram conhecedores da pouca vergonha que ali se passava. Mas ninguém fez nada. E dai que o Zé Povinho, desejoso de remir essa culpa e esquecer o sombrio passado do qual foi cúmplice por omissão, queira agora vexar e punir os responsáveis directos pelos crimes. É a única forma de ficar com a consciência tranquila.

Aqueles que vão à Boa Hora com o propósito de apupar "Bibi" fazem-no tanto por compaixão pelas vítimas como por má consciência."

segunda-feira, setembro 27, 2004

VELHOS ESCRITOS (I) Em Junho do ano passado, "postei" o seguinte texto neste blog. Foi o post inaugural, e encontra-se já algo datado, mas continuo a pensar de igual modo:

"Elogio aos desalinhados

Diz-se que o português típico é acomodado e egoísta, preocupando-se apenas com o interesse próprio e deixando para segundo plano o bem comum. A causa pública é a causa dos outros, e não a causa que também é dele. Não sei se esse estereótipo será adequado, mas vejo que existe uma falta de civismo dos portugueses em geral, que se reflecte em questões como o respeito pelo Estado ou a defesa do ambiente, entre outras. Todos criticam os empresários ou os políticos desonestos, mas todo o português que se preze foge aos impostos. Todos criticam as empresas poluidoras do ambiente, mas todos atiram para o chão o seu maço de tabaco vazio.

O português típico é também avesso a riscos; prefere ter uma pomba na mão do que duas a voar. Cautelas saudáveis de um povo inteligente, dirão alguns. Receios estúpidos de gente mesquinha e medrosa, sem garra e ambição, dirão outros.
Ser dinâmico e ousado, em Portugal, é ser um "desalinhado", por destoar do cizentismo dos seus concidadãos. O ânimo dos desalinhados incomoda aqueles que sofrem de cinismo crónico. Como refere Francesco Alberoni no seu magnífico "Esperança", nada incomoda mais a um cínico do que alguém com entusiasmo, porque este constitui uma ameaça à sua posição social. E daí que tente, a todo o custo, abafar esse entusiasmo que existe nos outros. O cínico sabe que nunca teria capacidade para sentir esse entusiasmo que dá côr e vitalidade à condição humana. O cínico inveja o desalinhado que ousa sonhar com um mundo melhor, porque há muito que ele próprio perdeu o dom de sonhar. O cínico limita-se a fazer o que a sociedade lhe pede, pensando por isso que tem direito a mais recompensas do que aqueles que trilham o seu próprio caminho. Mas são geralmente aqueles que ousam trilhar o seu próprio caminho que conseguem mudar a sociedade para melhor. Contudo, o cínico não vê isso... prefere caluniar ou atacar quem é diferente, especialmente se esse alguém tem sucesso a nível social ou profissional.

Fala-se muito do mal de Portugal. Alguns pôem as suas esperanças na mudança de governo. Mas não creio que a solução passe por aí. O mal de Portugal é um mal civilizacional, ligado à mentalidade dos portugueses. O mal de Portugal é o facto de o Cinismo ter sido promovido à categoria de valor social. Os portugueses têm de redescobrir os verdadeiros valores, que sempre existiram na nossa cultura mas que nunca foram suficientemente estimados."

quinta-feira, setembro 23, 2004

CÓDIGO DA VINCI (III) Encontrei o seguinte texto no excelente blog "Almocreve das Petas": "(...)As opiniões inquietas de alguns em torno do livro de Dan Brown, "O Código da Vinci", exposto profusamente por todo o lado e vendido como pãezinhos quentes, são desabafos capciosos de quem cuida o arquejo d'outras sonoridades de desmedida literatice. A erudição lamurienta de tais soldados da boa literatura é quase sempre bem postiça. A grandeza do génio em cada um não passa do five o'clock tea sem qualquer originalidade. Tais singularíssimos críticos, recortando acusações dos erros crassos e factos absurdos, em boa hora descobertos, condenam o livro por ser enganador, fantasioso, repleto de perfídia, fraudulento, pouco habilidoso, banal, de uma falsidade monstruosa, um "grau zero da escrita". É, ainda segundo alguns castos leitores, "imbecil, inexacto, mal informado, estereotipado, enlatado exemplo de pulp fiction" e, pasme-se, "deriva de teorias feministas extremistas". O entretimento deixa, por magia, de existir. E as mil histórias dentro da história ficcionada por Dan Brown, também. A teoria conspiratória dos críticos do livro é de sinal igual ao do próprio Brown, mesmo que o recurso crítico à análise da estrutura do romance, da técnica narrativa ou do convencimento histórico, insuportável do autor, tenha fundamentação. Sabendo-se que, muito antes, o "The Holy Blood And The Holy Grail", onde Brown sustentou toda a sua ficção, tinha passado pelo mesmo crivo, suspeitando-se do matraquear publicitário das editoras, não se compreende a polémica e o alarido.(...)"

CADERNOS MINHOTOS O blog "Cadernos Minhotos", de que sou co-autor, foi finalmente actualizado. Recomendo uma visita.

quinta-feira, setembro 16, 2004

The Chariot Card
You are the Chariot card. The Chariot has the
energy to succeed. Their ambition and drive
leads them into competition, and they often
come out the victor. The fast-paced energy of
the chariot is met with the ability to control
and lead. The Charioteer's leadership is not
authoritarian but rather an attempt to bring
their team to victory. The Charioteer can be
obedient to those who have proven themselves in
a position of leadership. Physical prowess and
activity are important to the meaning of this
card. Travel is found here as a journey of
personal growth. Moving from one point to
another in attempt to find a better place may
be taken both literally and as a metaphor for
the inner self. Image from: Dorothy Simpson
Krause.
http://www.dotkrause.com/art/tarot/tarot.htm


Which Tarot Card Are You?
brought to you by Quizilla

terça-feira, setembro 14, 2004

PARABÉNS O blog Guia dos Perplexos, do meu amigo José, completa um ano de existência. Não posso deixar de dar os meus sinceros parabéns ao José, por este blog cuja leitura diária se me afigura como obrigatória. Parabéns!



A TURQUIA E A EUROPA Deve a Turquia aderir à União Europeia (UE)? As opiniões dividem-se. Na semana passada, um ministro holandês afirmou mesmo que “a entrada da Turquia faria a UE implodir”. Devo dizer que concordo com o referido governante.

Se já com o recente alargamento se torna difícil governar a UE, seria ainda muito mais complicado se a Turquia aderisse. Pelo menos, enquanto se mantiver o actual sistema de governo da União, com a divisão de poderes entre o Conselho e a Comissão Europeia.

Se a Turquia entrasse para a União, esta passaria a ter como fronteiras orientais a conturbada Mesopotâmia e o agitado Cáucaso. Não creio que a União esteja preparada para assumir as responsabilidades daí decorrentes.

O ministro holandês tocou ainda outro aspecto: segundo ele, admitir a entrada da Turquia seria o mesmo que tornar inútil a célebre vitória alcançada em Viena, em 1683, sobre os exércitos da Sublime Porta. Para o ministro, “a Europa corre o risco de se tornar muçulmana durante o próximo século”. O governante acrescenta ainda que a Europa e a Turquia são demasiado diferentes, devido à religião desta última. Ou seja, a identidade da Europa continua associada ao cristianismo, se não como religião, como húmus cultural.

E é a Turquia uma nação europeia? Antes de mais, importa definir o que é ser europeu. Do ponto de vista geográfico, será viver entre o Atlântico e os Urais, com o Mediterrâneo e o Mar Negro como fronteira Sul. Vista por este prisma, apenas uma ínfima parte da Turquia será europeia.

Por outro lado, do ponto de vista cultural, ser europeu será viver numa civilização resultante da fusão entre a civilização greco-romana e os invasores germânicos dos séculos V e VI (ou da absorção destes pela primeira), o que não é o caso da Turquia. A expulsão dos gregos asiáticos, em 1922, cortou com essa herança greco-romana de que Bizâncio foi, durante muitos séculos, o último baluarte. Além disso, os turcos são um povo oriundo das estepes da Ásia Central (parte do mundo onde, aliás, ainda existem povos turcófonos), não tendo qualquer ligação cultural ou linguística à civilização ocidental.

A religião é também outro importante factor que divide os europeus e os turcos. Quer se queira quer não, o cristianismo faz parte da herança civilizacional da Europa. Tal como o Islão faz parte da identidade turca, não obstante os esforços laicizadores de Kemal Ataturk e seus sucessores.

Todavia, não creio que o facto de ter uma religião e uma cultura diferentes sejam obstáculos à entrada – a médio e longo prazo - da Turquia na União. E porquê? Primeiro, porque a Turquia tem feito importantes progressos no campo da democracia e dos direitos humanos. Segundo, porque a União pode perfeitamente ser um espaço multi-cultural... desde que tenha condições políticas para tal. Ou seja, desde que esteja dotada de um poder central forte que seja capaz de controlar a diversidade cultural, linguística e religiosa. A actual “confusão” burocrática e administrativa que reina na UE não garante essa estabilidade. Se a Turquia aderisse à UE – pelo menos a curto prazo -, esta correria o sério risco de implodir e ruir como um baralho de cartas.

Gostava que a UE, depois de ter ousado fazer o “impossível” – acabando com as ancestrais rivalidades intra-europeias -, voltasse a superar as expectativas, recuperando a unidade política do mundo euro-mediterrânico. Há mil e quatrocentos anos que a unidade euro-mediterrânica foi violentamente rompida, e a verdade é que nem nós recuperamos dessa ruptura, nem os magrebinos e orientais o fizeram. Se a UE conseguisse integrar no seu seio os países do norte de África, do Médio Oriente e da Ásia Menor, não só poderíamos resolver os problemas que hoje se vivem naquelas áreas, como conseguiríamos ajudá-las a recuperar o seu atraso secular.

Claro que este novo “alargamento” da UE teria que obedecer a regras especiais, de forma a impedir uma “invasão” da Europa pelos naturais daqueles países. Por essa e por outras razões, o melhor seria enveredar por uma forma de “associação” com aqueles países, e não uma integração plena.

Para que isso fosse possível, a UE teria de se decidir por uma política externa mais decidida e ousada, com uma verdadeira aposta na defesa.

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ADENDA: escrevi e postei este texto antes de ler o editorial de Amílcar Correia, e o excelente artigo de Teresa de Sousa, do "Público" de hoje, cuja leitura recomendo. Tanto um como outro abordam a questão da entrada da Turquia na União.

segunda-feira, setembro 13, 2004



NA TERRA DA ALEGRIA Recomendo um passeio pela Terra da Alegria que, depois de umas curtas férias, está de volta. Na edição desta semana, o Zé Filipe escreve sobre a Igreja e a mudança, o Marco Oliveira discorre sobre o sofrimento, e eu falo desse grande homem que é Karol Woytila.

Recomendo também a leitura da edição da semana passada, que contém excelentes artigos do José, do Timóteo Shel, do Carlos Cunha e do Fernando Macedo.



O DIREITO À INDIVIDUALIDADE Com a sensatez a que já nos habituou, Mário Pinto escreveu o seguinte, num artigo publicado na na edição de hoje do "Público": (...) Num livro escrito pelo bispo Paul Cordes, presidente do instituto Cor Unum, conhecida instituição da Santa Sé, que reli neste Verão, recorda-se a posição de Kierkegaard, um prestigiado filósofo moderno: "O homem tem de aprender a tornar-se outra vez indivíduo", em ordem a defender-se da "supradeterminação social" (expressão de Philip Lersh). Quer dizer: a pessoa tem de libertar-se da pressão da moda, da pressão da televisão e mediática, da pressão do pensamento politicamente correcto, para poder ser pessoa autónoma. Kirkegaard defendia a necessidade de um esforço de autonomização pessoal perante a pressão colectiva até para ter "acesso ao cristianismo", até para ser verdadeiramente cristão.

Com efeito, o que são as massas, o que é uma multidão? É um grande número de indivíduos. E o que é a opinião de uma multidão? É apenas uma multiplicidade de opiniões individuais. Mas se a opinião de uma multidão, ou a opinião mediatizada, tiver maior importância do que a opinião do conjunto dos indivíduos, então de que origem procede esse acréscimo de força de opinião? A quem deve atribuir-se? A verdade é que esse acréscimo não pertence a nenhuma pessoa, não tem origem em nenhuma vontade nem em nenhuma liberdade pessoal. Portanto, não tem legitimidade democrática. Nas eleições, só conta a soma dos votos individuais.

É esta, contudo, a força da inorgânica opinião pública, ou de massas, ou mediática, com que alguns procuram jogar, na vida política e na defesa das ideologias. (...)

Em qualquer caso, essa tal força colectiva de opinião, que pressiona a opinião de cada um, não é uma entidade inequívoca. Poderá ser tudo o que se quiser, mas, em minha opinião, não tem legitimação verdadeiramente democrática porque não procede de um jogo comunicacional verdadeiramente personalista, e de facto pressiona as pessoas. Creio, por isso, que é um perigo para a democracia personalista e humanista. Os "media" deviam ter isto em atenção. Já que se consideram guardiões das liberdades individuais. A democracia que perde de vista este princípio torna-se na demagogia. Já o diziam os filósofos gregos há 25 séculos."


Mário Pinto tem toda a razão. Até que ponto conseguimos ser nós mesmos, perante a ditadura do "politicamente correcto" e das modas impostas pelos media? Até que ponto é possível sermos livres, sem chocarmos com a visão do mundo que nos é imposta pelos media e pela chamada "opinião pública"?



ESQUERDA Vs. DIREITA (III) Como me definir então, do ponto de vista político e ideológico? Penso que a distinção entre esquerda e direita faz cada vez menos sentido. E porquê? Porque assenta numa visão maniqueísta do mundo, como se de um lado estivessem os "bons" e a "verdade", e do outro os "maus" e a "mentira". Ainda segundo esse ponto de vista, os "bons" são sempre "bons" e os "maus" são sempre "maus". Ora a vida não é a preto e branco; vê-la por essa lente é pensar de forma extremamente redutora.

Correndo o risco de parecer um "ser híbrido", definir-me ia como um partidário da livre-iniciativa e do sistema capitalista, mas sem que o Estado perca o seu papel regulador. Ou seja, acredito que tudo deve ter a sua correcta medida: mercado livre, mas equilibrado; Estado regulador, mas intervindo apenas se necessário ou para prevenir crises. E, principalmente, o Estado deve procurar fazer com que exista o menor número possível de pessoas excluídas dos benefícios do sistema capitalista. Com todas as suas inegáveis virtudes, o mercado livre não cria automaticamente a igualdade de oportunidades a que todos os cidadãos têm direito.

Resumindo, sou adepto da "economia social de mercado" e daquilo a que se poderá chamar "centro" político e ideológico. Acredito que tanto na política como na vida (se é que faz sentido tal distinção), deve existir bom senso, equilíbrio, bom gosto, espírito crítico, racionalidade, humanismo, sensibilidade e respeito pelas opiniões dos outros.

Penso que a globalização é benéfica e inevitável - e não tão "inédita" como vulgarmente se pensa -, e que a solução para corrigir os seus desiquilíbrios reside numa maior solidariedade entre os países do Norte e do Sul. Só com uma estreita (e sincera) colaboração entre os países "ricos" e "pobres" se poderão corrigir certos abusos e resolver determinados problemas.

Acredito que é possível conciliar a defesa do meio ambiente com a necessidade de crescimento económico; a solução para os problemas ambientais que afectam o nosso mundo não está na defesa radical e intransigente do "status quo" ambiental - do género "o que está, assim deve permanecer" -, mas numa atitude sensata e equilibrada face às diferentes necessidades que se colocam à nossa vida em sociedade (e um meio ambiente saudável é uma delas...).

PARABÉNS O excelente blog Os Meninos de Ouro, dos meus amigos Ricardo Manuel e João Ricardo, completa hoje um ano de existência. Para além das afinidades ideológicas e dos gostos que partilhamos - a paixão pela História e pela música de Aimee Mann, por exemplo -, nutro grande admiração por estes Meninos de Ouro, pela elegância do seu discurso, pela moderação das posições que assumem e pela sensatez que demonstram. Os meus parabéns, caros amigos, e que Os Meninos de Ouro não percam o seu brilho!

P.S.: aproveito para desejar as maiores felicidades ao João Ricardo, que desde há algumas semanas se encontra a estudar em Lyon. Recomendo uma visita ao blog por ele criado para narrar as suas aventuras por terras gauleses, "Um Ano em Lyon".

sexta-feira, setembro 10, 2004

ESQUERDA Vs. DIREITA (II) Serei então de Direita? Não me parece. A verdade é que, se encontro graves defeitos na esquerda, também os encontro à direita.

Identifico-me com alguns valores da direita "desempoeirada": o direito à livre-iniciativa, à recompensa segundo o mérito individual, à liberdade de circulação de pessoas, bens, serviços e capitais. Sinto-me atraído por sociedades em que existe maior mobilidade social e igualdade de oportunidades, com economias verdadeiramente dinâmicas. Gostava de viver num país de pioneiros, em que o passado ou os ascendentes de um homem não fossem tidos em conta, e apenas o futuro interessasse. Gostava de viver numa terra de oportunidades em que os melhores fossem devidamente recompensados pelo seu mérito.

Todavia, irritam-me profundamente os privilégios de classe, a sociedade de "boas famílias" e "gente de bem", o culto do "chefe" e da lisonja aos superiores. Desgosta-me a "caridadezinha" da "esmola", como se viver dignamente e usufruir de uma verdadeira igualdade de oportunidades não fosse um direito inalienável de cada um de nós. Causam-me aversão aqueles grupos de "betinhos", com cabelinho à "menino bem", a apelarem desavergonhadamente ao "trabalho geral" (logo eles, que não sabem o que é isso!), e que mais tarde ascendem a cargos de responsabilidade através das "cunhas" dos papás. (continua)

quarta-feira, setembro 08, 2004



ESQUERDA Vs. DIREITA Há dias, um colega perguntou-me qual a minha área política. Franzindo as sobrancelhas, tentava encostar-me à parede: “Esquerda ou Direita”?

Há alguns atrás, ainda adolescente, considerava-me abertamente de esquerda. Para mim, era esta a trincheira dos defensores da liberdade e da democracia. Além disso, a compaixão pelos mais fracos parecia um privilégio exclusivo dos partidos de esquerda. Aliás, ainda hoje me identifico com o “socialismo católico” de Guterres, com excepção da sua exagerada vocação para o “diálogo”e da obsessiva tendência a querer agradar a gregos e a troianos…

Mais tarde, contudo, fui-me apercebendo da face menos agradável da nossa esquerda. Irrita-me a falta de respeito pelos outros, pelas instituições democráticas e pela vontade popular (basta ver o pouco respeito que a nossa esquerda tem pelo referendo sobre o aborto). Causa-me aversão aquela postura sempre militante e aguerrida, escudada numa arrogante pretensão de superioridade moral - eles têm razão, eles “sabem”, eles são altruístas, eles têm o direito de recorrer a todos os meios de luta para levar por diante os seus objectivos. Não compreendo aquela mania de protestar histericamente por tudo e por nada, como se fosse esse o verdadeiro espírito da democracia, e não a reflexão ponderada, a participação cívica bem-educada e o respeito pelos adversários e pela vontade expressa da maioria. Claro que existem causas porque vale a pena lutar – como sejam as melhores condições de trabalho, o respeito pelas leis laborais, etc -, mas há formas e formas de o fazer. E as melhores são aquelas que dignificam as causas que dizem defender. O que não é o caso das marchas “Gay Pride” e da traineira do aborto, por exemplo.

Além disso, a nossa esquerda ainda não digeriu o passado soviético. É corrente ouvir ainda insuspeitos “democratas” lamentar a derrocada do regime soviético e do Pacto de Varsóvia. Falam com saudade da “igualdade” que existia nos países do bloco de Leste, e desfazem-se em elogios ao sinistro Fidel Castro. Erguem o dedo acusador contra o “imperialismo americano”, mas passam uma esponja sobre a História de uma das nações mais imperialistas e agressivas de sempre, a União Soviética (URSS). Para estes senhores, a URSS (coitadinha…) era agressiva apenas porque precisava de se defender do Ocidente. Tal como, de igual modo, o terrorismo fundamentalista dos nossos dias é apenas uma consequência do imperialismo americano. Ver o mundo por essa óptica distorcida é, no mínimo, sofrer de miopia.

O que a extrema-esquerda não entende é que não existe nada que justifique a restrição das liberdades individuais e a instauração de um regime totalitário. Por mais nobres que sejam as causas, nada justifica a tirania, a opressão, o terrorismo e as violações dos direitos humanos.

Serei então uma pessoa de Direita? (continua)

terça-feira, setembro 07, 2004



COINCIDÊNCIA? Encontrei o seguinte texto, no site da "Women on Waves": "A closer-up picture of the F486 Baptista de Andrade, the war ship that is blocking Borndiep's way. Would the Portugese navy know that Mifepristone, the abortion pill, is also known as RU 486? Are they making fun of us?"

O BARCO DO ABORTO (II) "O Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAFC) decidiu ontem à noite manter a decisão do Governo de proibir a entrada do chamado "barco do aborto" em águas territoriais portuguesas. Desta decisão há agora lugar a recurso para o Tribunal Central Administrativo, nos próximos 15 dias, mas sem efeito suspensivo. Uma vez que o "Borndiep" só fica em Portugal até domingo, ela vale para todos os efeitos.

(...) Na petição, Daniel Andrade terá argumentado com a violação do direito de passagem (marítima) não ofensiva, mas sobretudo com a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente protegidos, nomeadamente o direito de circulação, expressão, manifestação, reunião e liberdade de informação.

Mas os argumentos não colheram. "A livre circulação de cidadãos europeus no espaço comunitário diz respeito à circulação de pessoas e não dos meios de transporte utilizados", afirmou Helena Canelas, sublinhando que a entrada do barco "não é indispensável para assegurar os direitos em causa".

Por outro lado, considerou provado que a WOW pretendia, com a atracagem do barco, levar mulheres a "iniciar procedimentos abortivos" e que "o acto de administração de medicamentos acarretará sempre outros actos a praticar em território nacional", dando assim razão aos argumentos do advogado do Ministério da Defesa, Manuel Ayala."
("Público", 7 de Setembro)

Calculo que, nos telejornais de logo à noite, veremos a figura jeremaica de Francisco Louçã verberar contra este tribunal fascista e ilegal...

Entretanto, para conhecer as intenções da "Women on Waves", basta consultar o seu site, onde se pode ler o seguinte:

"(...) You can make an appointment with us by telephone, email or by visiting the ship. We will inform you about when and where to board the ship. You will be treated according to Dutch professional medical standards, which include full confidentiality about counselling and/or treatment. Here you can read more about counselling, the treatment and what to expect afterwards.

Services offered by Women on Waves are: Information about and provision of contraceptives; (...) Medical abortions if your period is no more than 16 days too late; Counselling on sexually transmitted diseases. Although abortion is illegal in your country, Women on Waves can help you in a legal and safe way. Dutch law applies on board a Dutch ship once it is outside territorial waters. We have permission to give you the abortion pill if you have missed your period for 16 days."

segunda-feira, setembro 06, 2004

QUEM AMA NÃO MATA "Na madrugada de anteontem, a Associação Portuguesa de Maternidade e Vida (APMV) colocou cerca de dois mil cartazes contra a interrupção voluntária de gravidez, na Figueira da Foz. Os cartazes apresentam uma fotografia de um feto de cinco meses, no útero da mãe, e uma frase a dizer "Quem Ama Não Mata".

Maria José Magalhães, da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) outra das organizações que convidou a WOW a trazer o "barco do aborto" a Portugal, critica a iniciativa. «Apresentam imagens que têm o objectivo de chocar e utilizam palavras falsas, já que não se trata de matar. Estão longe do rigor científico e da realidade social(...)»"
("Público" de 5 de Setembro)


É curiosa a forma como as associações "pró-aborto", ao mesmo tempo que clamam pela "liberdade de expressão", se apressam a criticar e censurar as iniciativas das suas congéneres "pró-vida". Claro que a liberdade de expressão é apenas para eles, os iluminados, os inteligentes, os detentores da verdade suprema e da superioridade moral absoluta. A liberdade de expressão não é para os outros, os "fascistas", os "hipócritas", os "obscurantistas" e "assassinos de mulheres"!

Estão sempre prontos a erguer o dedo acusador aos pró-vida, apelidando-os de hipócritas, mas são eles os primeiros a violar as leis e a distorcer dados científicos. Repare-se no que esta dirigente da UMAR disse, escudando-se num "rigor científico" que desconheço por completo: "(...) utilizam palavras falsas, já que não se trata de matar". Então, pergunto eu, se abortar não é matar uma forma de vida, então o que é? É fazer-lhe cócegas? O feto pode ser apenas uma pessoa humana em formação, e enquanto tal é dependente da mãe, mas significa isso que não é um ser vivo?

Temos visto muitas campanhas serôdias e patéticas, de ambos os lados da questão. Do lado dos pró-vida, há os que se servem de argumentos confessionais, de pontos de vista obsoletos e de termos francamente inadequados. Por seu turno, algumas campanhas pró-aborto são completamente demagógicas, empolando estatísticas, recorrendo a argumentos falsos ou "suavizando-os", desviando a atenção do público para pontos de vista secundários (por exemplo, dizerem: "somos todos contra o aborto, o que queremos é acabar com o aborto clandestino", quando o que pretendem realmente é que a mulher tenha direitos sobre o feto).

Todavia, em minha opinião, o slogan "Quem ama não mata" é adequado. Qualquer que seja a nossa opinião sobre o aborto, creio que existe um ponto em que todos estaremos de acordo: quem ama não mata, quaisquer que sejam as dificuldades.

"Amor omnia vinces". Principalmente o amor de mãe.

sexta-feira, setembro 03, 2004



MEET JOE BLACK Assisti ontem, pela primeira vez, ao filme "Meet Joe Black". Devo dizer que gostei muito. Tinham-me transmitido boas referências a respeito deste filme, referências que, sei agora, tinham a sua razão de ser. "Meet Joe Black" é um filme sobre a Morte, mas que celebra a Vida e o Amor.

Gostei particularmente de uma das cenas finais, em que Joe Black (Brad Pitt, o Anjo da Morte) e William Parrish (Anthony Hopkins, o milionário prestes a falecer) caminham lado a lado. É uma sublime metáfora sobre a Morte; Joe Black e Parrish atravessam juntos uma ponte que simboliza a travessia entre a Vida e a Morte, caminhando firmemente rumo ao Outro Mundo. "Shall I be afraid?", pergunta Parrish; "Not a men like you", responde o Anjo da Morte. E juntos, lado a lado, atravessam para o Outro Lado.

“O BARCO DO ABORTO” Não pretendo escrever novamente sobre a questão do aborto, mas sim sobre o chamado “Barco do Aborto”. Creio que devemos ter a lucidez de estabelecer uma clara distinção entre, por um lado, a questão do aborto propriamente dita e, por outro, esta iniciativa da “Women on Waves”. Uma coisa não tem a ver com a outra, e é pena que tanta gente as confunda, seja de forma deliberada ou inconsciente.

Em minha opinião, todo este “folclore” em volta do “Borndiep” é fruto do histerismo de um grupelho radical, devidamente acolitado por certos demagogos da extrema-esquerda pseudo-libertária, com a benção da nossa comunicação social pretensamente “independente”. Senão vejamos:

1. Se o que estes senhores realmente pretendem é “realizar um debate sobre o Aborto”, como afirmam, com certeza que não necessitam de um barco para o fazer. Como referiu o nosso primeiro-ministro, são livres de vir a terra para discutir o que bem entenderem.

2. Mas não podem acostar uma embarcação que, de acordo com o próprio website oficial da “Women on Waves”, tem como missão realizar abortos em países onde esta prática não é permitida.

3. Além disso, segundo a própria lei holandesa, a “clínica” a bordo do “Borndiep” não está autorizada a fazer abortos a uma distância superior a 25 milhas marítimas de Roterdão, por receio de eventuais complicações na saúde das mulheres. Ou seja, o “Borndiep” não é muito diferente das clínicas de aborto clandestino e daquele “vão de escada”, que os “pro-choice” afirmam querer erradicar.

4. Se realmente se verificasse um “debate” a bordo da embarcação, existiria liberdade de exprimir opiniões contrárias, que é essencial para que haja uma verdadeira discussão? A avaliar pelo ar “militante” e intransigente das activistas, cheias da sua pretensa razão e superioridade moral, parece-me que se alguém se pronunciasse contra o Aborto seria imediatamente lançado ao mar...

5. Interrogo-me sobre o que a aconteceria se um barco “anti-aborto” quisesse atracar em Roterdão para “debater” o tema. Com certeza que muitos daqueles que agora pedem “liberdade de expressão” lá estariam para impedir a atracagem, a manifestar-se contra os alegados “fascistas”.

6. Se o próprio site da “Women On Waves” afirma claramente o que o barco vinha cá fazer, é estranho que os organizadores deste “circo” digam agora que não pretendiam violar a lei portuguesa. Depois dizem que os hipócritas são os “pro-life”!

7. Muitos juristas concordam com a interpretação que o Executivo fez da Lei. O próprio governo holandês considera legal a decisão de não deixar atracar a embarcação. Quanto a mim, não sou formado em Direito, mas parece-me claro que a “Women on Waves” pretendia violar a lei portuguesa. Ainda há poucos dias, os responsáveis das associações que convidaram o “Borndiep” a visitar Portugal, diziam publicamente que as mulheres subiriam a bordo para abortar. Ora se isso não é uma violação da actual lei, então o que é? Claro que depois, quando souberam da decisão do Governo, disseram precisamente o contrário, dando o dito por não dito. Ora se acreditam realmente na causa que defendem, que sejam coerentes!

8. Portugal é um país democrático e civilizado. Não precisamos de lições de democracia ou de direitos humanos, venham elas de quem vierem. Se a “Women on Waves” quer realmente ajudar as mulheres oprimidas, que leve um ar de sua graça para países como Marrocos, a Líbia, a Síria, o Irão ou o Paquistão. Isso sim, seria um louvável acto de coragem.

9. Esta iniciativa é uma mera “fantochada”que, além de extremar as posições sobre a questão e anular qualquer tentativa de um debate sério sobre o assunto, prejudica a causa que diz defender.

10. Embora legalmente correcta, a atitude do Governo foi exagerada. E enviar dois navios de guerra para vigiar o “Borndiep” foi um gesto desproporcionado.


Seria bom que por parte de ambos os lados existisse seriedade, moderação e respeito pela lei e pelas instituições democráticas. O aborto clandestino é ainda um grave problema no nosso país, mas não atinge nem um décimo das proporções que assumia há vinte ou trinta anos atrás. Portugal mudou muito entretanto, e é pena que certa extrema-esquerda, à falta de outras causas porque lutar, se agarre desta forma à questão do aborto.

Gostava de ver estas pessoas lutarem para que as mulheres não tivessem que abortar, com a instituição de leis protectoras da maternidade e de uma verdadeira educação sexual. Muita gente pensa que esta tem a ver apenas com ensinar os miúdos a ter relações “seguras”, mas o que está verdadeiramente em causa é transmitir valores e modos de vida saudáveis às crianças e adolescentes. Não basta ensinar os adolescentes a usar o preservativo; há que lhes mostrar que uma vida hedonista e irresponsável tem os seus riscos (tal como não conduz à verdadeira felicidade, embora isso seja uma questão de opinião). Claro que, para quem não tem valores, isso não é necessário... ora essas pessoas não entendem que uma sociedade sem valores estará condenada à extinção.

É lamentável, também, que tanto os “pro-life”, como os “pro-choice”, tenham discursos profundamente “maniqueístas”, como se a Razão, a inteligência e a bondade existissem apenas de um dos lados desta complexa questão. É por isso que quase todos os debates sobre a questão se transformam em “diálogos de surdos” que, além de infrutíferos, confundem e desinformam a opinião pública.

Os media têm uma importante responsabilidade nesta discussão: além de não serem totalmente imparciais – têm uma clara e indisfarçável preferência pelos “pro-choice”, exagerando números relativos ao aborto clandestino, omitindo dados científicos “incómodos” sobre a vida intra-uterina, etc -, atribuem demasiada atenção a iniciativas como esta da “Women on Waves”, dando-lhe uma importância exagerada.