A TURQUIA E A EUROPA Deve a Turquia aderir à União Europeia (UE)? As opiniões dividem-se. Na semana passada, um ministro holandês afirmou mesmo que “a entrada da Turquia faria a UE implodir”. Devo dizer que concordo com o referido governante.
Se já com o recente alargamento se torna difícil governar a UE, seria ainda muito mais complicado se a Turquia aderisse. Pelo menos, enquanto se mantiver o actual sistema de governo da União, com a divisão de poderes entre o Conselho e a Comissão Europeia.
Se a Turquia entrasse para a União, esta passaria a ter como fronteiras orientais a conturbada Mesopotâmia e o agitado Cáucaso. Não creio que a União esteja preparada para assumir as responsabilidades daí decorrentes.
O ministro holandês tocou ainda outro aspecto: segundo ele, admitir a entrada da Turquia seria o mesmo que tornar inútil a célebre vitória alcançada em Viena, em 1683, sobre os exércitos da Sublime Porta. Para o ministro, “a Europa corre o risco de se tornar muçulmana durante o próximo século”. O governante acrescenta ainda que a Europa e a Turquia são demasiado diferentes, devido à religião desta última. Ou seja, a identidade da Europa continua associada ao cristianismo, se não como religião, como húmus cultural.
E é a Turquia uma nação europeia? Antes de mais, importa definir o que é ser europeu. Do ponto de vista geográfico, será viver entre o Atlântico e os Urais, com o Mediterrâneo e o Mar Negro como fronteira Sul. Vista por este prisma, apenas uma ínfima parte da Turquia será europeia.
Por outro lado, do ponto de vista cultural, ser europeu será viver numa civilização resultante da fusão entre a civilização greco-romana e os invasores germânicos dos séculos V e VI (ou da absorção destes pela primeira), o que não é o caso da Turquia. A expulsão dos gregos asiáticos, em 1922, cortou com essa herança greco-romana de que Bizâncio foi, durante muitos séculos, o último baluarte. Além disso, os turcos são um povo oriundo das estepes da Ásia Central (parte do mundo onde, aliás, ainda existem povos turcófonos), não tendo qualquer ligação cultural ou linguística à civilização ocidental.
A religião é também outro importante factor que divide os europeus e os turcos. Quer se queira quer não, o cristianismo faz parte da herança civilizacional da Europa. Tal como o Islão faz parte da identidade turca, não obstante os esforços laicizadores de Kemal Ataturk e seus sucessores.
Todavia, não creio que o facto de ter uma religião e uma cultura diferentes sejam obstáculos à entrada – a médio e longo prazo - da Turquia na União. E porquê? Primeiro, porque a Turquia tem feito importantes progressos no campo da democracia e dos direitos humanos. Segundo, porque a União pode perfeitamente ser um espaço multi-cultural... desde que tenha condições políticas para tal. Ou seja, desde que esteja dotada de um poder central forte que seja capaz de controlar a diversidade cultural, linguística e religiosa. A actual “confusão” burocrática e administrativa que reina na UE não garante essa estabilidade. Se a Turquia aderisse à UE – pelo menos a curto prazo -, esta correria o sério risco de implodir e ruir como um baralho de cartas.
Gostava que a UE, depois de ter ousado fazer o “impossível” – acabando com as ancestrais rivalidades intra-europeias -, voltasse a superar as expectativas, recuperando a unidade política do mundo euro-mediterrânico. Há mil e quatrocentos anos que a unidade euro-mediterrânica foi violentamente rompida, e a verdade é que nem nós recuperamos dessa ruptura, nem os magrebinos e orientais o fizeram. Se a UE conseguisse integrar no seu seio os países do norte de África, do Médio Oriente e da Ásia Menor, não só poderíamos resolver os problemas que hoje se vivem naquelas áreas, como conseguiríamos ajudá-las a recuperar o seu atraso secular.
Claro que este novo “alargamento” da UE teria que obedecer a regras especiais, de forma a impedir uma “invasão” da Europa pelos naturais daqueles países. Por essa e por outras razões, o melhor seria enveredar por uma forma de “associação” com aqueles países, e não uma integração plena.
Para que isso fosse possível, a UE teria de se decidir por uma política externa mais decidida e ousada, com uma verdadeira aposta na defesa.
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ADENDA: escrevi e postei este texto antes de ler o editorial de Amílcar Correia, e o excelente artigo de Teresa de Sousa, do "Público" de hoje, cuja leitura recomendo. Tanto um como outro abordam a questão da entrada da Turquia na União.
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