NATION BULDING Num recente editorial do "Público", Manuel Carvalho escreveu o seguinte: "(…) o conceito de "nation building" não passa de uma ideologia extremista, uma combinação perigosa de messianismo com voluntarismo, que é completamente destituída de qualquer sentido da História."
Queria o jornalista com isto dizer que o Ocidente não tem o direito de impor ao resto do mundo o seu sistema político e os seus valores de democracia, liberdade, tolerância e desenvolvimento.
Este tem sido um dos principais argumentos dos que se opõem à ocupação do Iraque.
É curioso, contudo, que muitas dessas pessoas que entendem que um país não deve interferir nos assuntos de outro - ainda que se trate de derrubar um regime brutal como o de Saddam - tentem mudar o mundo à sua maneira, à feição das suas ideologias. São contra a imposição do modelo democrático ao resto do mundo, mas defendem formas de luta internacionais em prol de causas que, igualmente, não têm fronteiras. E, ao mesmo tempo, fazem uso de todas as vantagens e progressos trazidos pela própria globalização. Por exemplo, os grupos anti-mundialização que se servem das novas tecnologias - possíveis apenas graças à própria globalização - para se organizarem à escala mundial, ou os partidos da esquerda radical que despudoradamente se servem dos mass media para melhor passar a sua mensagem, adaptando-a ao discurso próprio das televisões, fazendo uso de slogans demagógicos (por exemplo, «Francisco "Ecrã" Louçã"»). O mesmo se poderia dizer do internacionalismo operário que, ao lutar pela revolução mundial, pretendia impôr ao resto do mundo a ditadura do proletariado.
Pacheco Pereira escreveu recentemente no seu Abrupto: "[...] O intervencionismo político em nome de diversas variantes de “nation building” era (e é) considerado “natural”, desde que não tenha a mão do “império”, ou seja entendido contra o “império”, ou seja, os EUA. Hoje, a linha de demarcação de tudo é o americanismo / anti-americanismo, principalmente este último. Cada vez é mais importante esta demarcação, forma rediviva de nacionalismos e pós-comunismos, sob o “albergue espanhol” da anti-globalização. E quando se juntam “direitas” e “esquerdas”, quase sempre debaixo de mantos nacionalistas, ou “anti-imperialistas”, o conjunto é poderoso.
Porque “nation building” é o terminus de muito daquilo que é hoje a ideologia das relações internacionais. O “intervencionismo humanitário”, por exemplo. A guerra do Kosovo, por exemplo. A intervenção no Ruanda, na Serra Leoa, por exemplo. Se recuarmos ao passado, o que era o “internacionalismo proletário”, o programa revolucionário mundial, senão uma reconstrução do mundo feita pela revolução?"
Concordo plenamente. Creio que o Ocidente tem não só o direito como o dever de fazer uso de todos os meios ao seu alcance para construir um mundo mais estável, pacífico, equilibrado e democrático. Fui contra a guerra do Iraque, por entender que existiam outras formas de lidar com a questão; mas uma vez abertas as hostilidades, qualquer cedência à barbárie ou desistência face ao terror será mil vezes pior - para todo o mundo, entenda-se - que os custos humanos e materiais da invasão do Iraque. Quer seja a Coligação Anglo-Americana, quer seja a ONU a ocupar e estabilizar o Iraque, o Ocidente não pode desistir.
Com todos os seus defeitos - e são bastantes - a democracia representativa é o mais perfeito sistema político jamais concebido. Como dizia Churchill, "a democracia é o pior sistema de todos, se excluírmos todos os outros". E áqueles que dizem que não nos devemos arrogar ao direito de dizermos que o nosso sistema é melhor que o dos outros, respondo que a melhor prova dessa superioridade consiste no facto de a democracia representativa ser o único sistema político que permite ao seus opositores exprimirem-se livremente. E entre estes, claro, incluem-se aqueles que pregam a revolução e a educação das massas...
A democracia prega a liberdade do indivíduo; os radicais, por seu turno, pregam a subordinação do indivíduo aos interesses colectivos, suprimindo as liberdades individuais em nome de uma determinada ideologia. Não aceito, por isso, lições de democracia da parte de quem não defende a liberdade. Os estados existem em função das pessoas, e não vice-versa. Daí que muitos países, incluindo o Iraque de Saddam, não sejam estados verdadeiramente soberanos.
Isto remete-nos para outra questão: o porquê da existência dos estados e das respectivas fronteiras. Vejo algumas pessoas falaram das fronteiras e da "ordem jurídica internacional" como coisas eternas, sagradas e imutáveis. E isso sim, é não ter qualquer sentido da História.
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