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quinta-feira, abril 22, 2004




TOLERÂNCIA Diz o João Vasco (do “Diário de uns Ateus”) - e com razão – que a tolerância passa por saber ouvir as opiniões dos outros, por mais polémicas que estas sejam, sem as pretender silenciar. Concordo, obviamente. Todavia, creio que a tolerância só faz sentido se acompanhada de respeito pelos outros. E o respeito passa por aceitar a diferença, por mais absurda ou repugnante que esta nos pareça, sem recorrermos ao insulto, à mentira ou mesmo a uma atitude jocosa (ou condescendente) em relação aos nossos interlocutores, em função das suas crenças ou ideias. Mas a tolerância tem limites, evidentemente: não podemos tolerar aquilo que põe em causa os nossos valores civilizacionais e o conjunto de direitos humanos por eles consagrados, cujo reconhecimento foi tão arduamente conquistado nos últimos séculos. Tal como a democracia – que não pode deixar que se sirvam dela para a destruir – a tolerância também tem os seus limites.

Voltando ao “respeito”: considero que sem o necessário respeito pela diferença, a tolerância é apenas mais uma forma de “viver e deixar viver”, mas de costas voltadas, sem que haja uma verdadeira aceitação (e compreensão) da diferença do Outro. E, principalmente, o respeito é uma questão de boa educação. Por exemplo, e recorrendo à figura do Pai Natal – analogia tão do gosto do João Vasco – eu posso não acreditar na existência do velhinho vestido de vermelho que entra pelas chaminés na Véspera de Natal, mas por uma questão de respeito e boa educação não desato a insultar ou a rir-me daqueles que nisso acreditam, como se fosse eu o senhor da verdade absoluta. Posso dizer-lhes que, em minha opinião, o Pai Natal não existe, mas não tenho o direito de os julgar em função da sua crença. Nenhum de nós é dono da verdade.

A tolerância e o respeito têm o mérito de permitir a construção de pontes entre as diferentes formas de ver o mundo. Permite-nos dialogar e agir em comum naquilo que temos em comum, sem que por isso tenhamos que abdicar das nossas especificidades. Pelo contrário, podemos aprender uns com os outros. Afinal, não procuramos todos o mesmo? Não pretendemos todos compreender o Absoluto? O ódio religioso e ideológico, o fanatismo e a intolerância florescem precisamente nas épocas em que as pessoas vivem de costas voltadas umas às outras, certas das suas mesquinhas certezas, convictas da sua superioridade em relação aos outros, superioridade essa que lhes dará acesso – mas só a elas, às eleitas – ao Paraíso, seja este celestial ou terrestre.

Os ateus fundamentalistas, com toda a sua raiva à religião, acabam por imitar os inquisidores e os mullahs talibãs: arvorando-se em detentores da verdade absoluta, escarnecem, insultam ou perseguem os que não pensam como eles. Ou, quando detêm o poder político, procuram impôr o ateísmo de estado como religião oficial. Lembram-se de Estaline? Não causou ele, em nome da deusa Revolução – que também tinha os seus mártires, a sua liturgia e os seus dogmas - mais vítimas que toda e qualquer perseguição religiosa do passado?

Claro está, refiro-me aos ateus fundamentalistas. E fundamentalismos há em todas as religiões, doutrinas e ideologias, sem excepção. Na Igreja Católica também os há, infelizmente.

Creio que alguns autores do “Diário de uns Ateus” – com a agradável excepção do João Vasco, como bem referiu o meu amigo Jose – não conseguem defender os seus pontos de vista sem recorrer a insinuações, ironias e gozações veladas, além dos indisfarçáveis ares de superioridade moral e intelectual em relação aos crentes. Por exemplo, a forma como o André Esteves discutiu comigo e com o José no meu sistema de comentários: apelidou-me de um pouco de tudo, desde “pobre homem”, “elitista católico”, ou outras considerações menos simpáticas. Uma questão de estilo, poderá alegar o dito autor em sua defesa; ou então, que será essa a sua opinião a meu respeito, embora não me conheça de lado nenhum. Mas tudo bem, pois está no direito de a dar (embora, sinceramente, não a tenha em grande conta).

Dizerem que os crentes vivem “alienados”, ou que são “supersticiosos” não constitui, em minha opinião, um insulto, embora não concorde com tais afirmações; mas dizerem que as religiões e respectivos fiéis são criminosos, que a Igreja é anti-semita e violenta, e outras coisas do género, não fica nada bem aos autores do “Diário de uns Ateus”. Ou porque tais ditos não correspondem à verdade histórica e actual, ou porque se baseiam em generalizações injustas que muito ofendem os por ela visados, ou seja, todos os católicos.

Claro que os autores podem invocar o direito a escrever o que quiserem, até porque o seu conceito de “insulto” será muito diferente do meu. Mas se assim é, também eu posso dar a minha opinião sobre o blog “Diário de uns Ateus”.

E se é de opiniões que falamos, reitero a minha: com algumas excepções, os textos publicados no “Diário de uns Ateus” são marcados pela intolerância e por erros de análise histórica ideologicamente motivados. Não pretendo insultar ninguém: apenas dou a minha opinião sincera.

Em resposta ao desafio lançado pelos autores do “Diário de uns Ateus”, pretendo escrever ainda sobre os seguintes temas, na medida da minha disponibilidade: as “contradições” dos textos bíblicos, referidas pelo André Esteves; o “ateísmo confessional”; a Igreja e o Anti-Semitismo, no passado e no presente; a Religião e o Estado. Se me estiver a esquecer de alguma das questões em discussão, é favor dizerem.