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sexta-feira, abril 02, 2004




SPARTACUS Revi recentemente o épico "Spartacus" (EUA, 1960), realizado por Stanley Kubrick. Baseado na obra homónima de Howard Fast (1958) - cuja leitura recomendo vivamente - o filme narra a história da célebre revolta de escravos liderada por Spartacus, no ano 73 a.C..

Servido por um excelente elenco (Kirk Douglas, Laurence Olivier, Peter Ustinov, Tony Curtis, etc), o filme é inovador em vários aspectos, como por exemplo a forma realista como foram filmadas as cenas de batalha. Embora contenha várias incorrecções históricas (acerca de Crasso e César, por exemplo) que não existem no livro, penso que o filme está muito bem conseguido. Além disso, “Spartacus” ficou para a história como o filme que reabilitou o argumentista Dalton Trumbo – por insistência de Kirk Douglas – que havia sido ostracizado e perseguido pelo Maccarthismo.

Embora seja considerada uma obra menor do mestre Kubrick (que com grande facilidade saltava de um género para outro), creio que se trata de um filme obrigatório. Não só pela sua qualidade enquanto película, mas também pelos valores que promove: esperança, coragem e honra. É um filme que, à semelhança da obra que o inspirou, constitui um belíssimo hino à liberdade. E ensina-nos que mesmo que enfrentemos inimigos invencíveis e a derrota esteja eminente, a verdadeira vitória consiste em combater até ao fim na defesa daquilo que acreditamos. E se acreditamos na Liberdade, mais vale morrermos como homens livres que vivermos como servos.

É impossível não sentir simpatia pela figura de Spartacus, o escravo que liderou uma revolta contra o mais poderoso império do mundo. Durante dois anos, o gladiador liderou um exército de dezenas de milhar de escravos, esmagando todos as legiões que o Senado enviou contra si. Até que, depois de uma resistência desesperada, acabou por perecer em combate contra o astuto Marco Licínio Crasso – que, ao contrário dos anteriores generais romanos, não caiu no erro de subestimar a inteligência do trácio.

Se na história real não se sabe o que sucedeu o Spartacus (crê-se que tombou em combate), no filme o gladiador é feito prisioneiro pelos romanos que, no entanto, desconhecem a sua identidade. E a cena final tornou-se célebre. Spartacus e os poucos companheiros que escaparam vivos à batalha são reunidos no sopé de uma colina, onde escutam o arauto do Senado anunciar que as suas vidas seriam poupadas, na condição de identificarem Spartacus, entre os mortos ou os prisioneiros. Ora quando o trácio se preparava para se entregar aos seus algozes, eis que os seus companheiros se levantam um por um, bradando corajosamente: “eu sou Spartacus!”. E abraçando voluntariamente o suplício, foram crucificados ao longo da Via Ápia, entre Cápua e Roma. Seis mil cruzes adornaram as bermas daquela via durante meses, como exemplo para a multidão de escravos que servia o Império.

Os historiadores marxistas, entre outros, viram Spartacus como um combatente da liberdade, o mentor da única genuína revolução social de toda a história romana. Da minha parte, contudo, creio que Spartacus pretendia a liberdade para si e para os seus, e não propriamente fazer uma revolução. Ainda que detestasse o sistema esclavagista, sabia que não conseguiria derrubar a ordem estabelecida. Fugir de Itália era a única solução, mas infelizmente tal não lhe foi permitido.

Erich Gruen, no seu "The Last Generation of the Roman Republic" (University of California Press, 1974), escreve o seguinte a respeito da revolta de Spartacus:

“(...) It was not the governing class alone that would react in horror to the prospect of a slave insurrection. Whatever the grievances of men disenfranchised and dispossessed by Sulla, they would have found unthinkable any common enterprise with Thracian or Gallic slaves. It causes no surprise that Marxist historians and writers have idealized Spartacus as a champion of the masses and leader of the one genuine social revolution in Roman history. That, however, is excessive. Spartacus and his companions sought to break the bonds of their own grievous oppression. There is no sign that they were motivated by ideological considerations to overturn the social structure. The sources make clear that Spartacus endeavored to bring his forces out of Italy toward freedom rather than to reform or reverse Roman society. The achievements of Spartacus are no less formidable for that. The courage, tenacity, and ability of the Thracian gladiator who held Roman forces at bay for some two years and built a handful of followers into an assemblage of over 120,000 men can only inspire admiration. The Roman reaction was tardy and ineffective. . . . Error of judgment induced the Senate to treat the uprising too lightly at the outset. By the time Rome took firm steps, Spartacus' ranks had considerably swelled and the state's finest soldiers were serving abroad. But Crassus' efforts obtained full support, and the revolt was wiped out in 71.”

Dentro em breve escreverei mais sobre a fascinante personagem que foi Spartacus, no blog Roma Antiga.