respublica

quinta-feira, abril 28, 2005

PRECONCEITOS De vez em quando, esta menina surpreende-me com posts que revelam uma profunda sensibilidade:

"Por cada mulher forte cansada de aparentar debilidade
Há um homem cansado de ter que aparentar força
Por cada mulher farta de ter que agir como tonta e ignorante
Há um homem cansado de ter que aparentar saber tudo
Por cada mulher cansada de ser catalogada como 'ser emotivo'
Há um homem a quem tem sido negado o direito de chorar
Por cada mulher catalogada como pouco feminina quando compete
Há um homem que tem que competir para que não se duvide da sua masculinidade
Por cada mulher farta de ser vista em 1º lugar como um objecto sexual
Há um homem preocupado em provar a sua performance sexual
Por cada mulher a quem é negado o direito de trabalhar para o seu sustento
Há um homem que é responsável pelo sustento de outro ser humano..."


O texto completo pode ser lido aqui.

quarta-feira, abril 27, 2005



ABRIL Trinta e um anos depois da Revolução dos Cravos, quantos portugueses são realmente democratas?

Perdoem-me o pessimismo, mas tenho a sensação de que se hoje vivemos num regime político democrático, tal deve-se apenas ao facto de a democracia e a liberdade terem triunfado na Europa, e de as ditaduras não serem mais toleradas no Velho Continente.

Não creio que o português comum seja um genuíno democrata. Muitos não querem saber da coisa pública, e outros tantos aceitariam de bom grado a imposição de um qualquer regime totalitário, de esquerda ou de direita, desde que tal fosse de encontro aos seus interesses, ou que simplesmente não os pusesse em causa. Quantos empresários - e não só - acolheriam de braços abertos o regresso do proteccionismo salazarista!

Uma sociedade que vive da troca de favores, do clientelismo, das "cunhas", do "desenrasca" e da subsidiodependência não é genuínamente livre e democrática. Por exemplo, quantos portugueses aceitam com naturalidade a manipulação dos media! Até na imprensa universitária encontramos casos de censura!

Longe de se tratar de meros casos isolados, tudo isto reflecte o drama de um povo que não compreende o que é a liberdade, e que por isso não a aprecia. Também nisto não se cumpriu Abril.

sexta-feira, abril 22, 2005

ESPÍRITO DOS TEMPOS Recomendo a leitura deste excelente post do Luciano Amaral, no Acidental, sobre a eleição de Josef Ratzinger. De facto, muita gente se esquece que o Cristianismo sempre foi uma religião de ruptura, e como tal contra o apregoado "espírito dos tempos".

A chamada "crise" da Igreja dura pelo menos desde a Páscoa (judaica) do ano 33 da nossa era, quando um obscuro carpinteiro galileu, líder de uma misteriosa seita que perturbara a pax romana, foi crucificado em Jerusálem. No tempo de Pilatos, Nero, Domiciano e Diocleciano, o Cristianismo era contra o "espírito do tempo", então como agora impregnado de luxúria e hedonismo. Depois, quando se uniu ao poder imperial, passou a ser contra o barbarismo que ameaçava a Europa. E quando Roma caíu sob a espada de hunos e germanos, procurou minimizar as desgraças de uma era de trevas. Salvou o que restava da cultura greco-romana e procurou impôr a paz de Deus (períodos em que os senhores feudais estavam proibidos de se guerrearem e de atacar camponeses e mercadores). Teve o seu lado negro, como a Inquisição, as guerras de religião e a promiscuidade com o poder político, é certo, mas mesmo nesses tristes tempos o Cristianismo se afirmou como um ideal de pureza, honestidade e de exigência. E creio que para cada Torquemada - e estes existem em todas as crenças religiosas, "não-crenças" e ideologias -, surgiu um João de Deus ou um Francisco de Assis.

Em todas estas épocas, de Jesus a Santo Agostinho, de Santo Ambrósio a São Tomás de Aquino, e de São Francismo de Assis a João Paulo II, falou-se sempre de crise da Igreja e da sua derrocada iminente. O naufrágio da barca de Pedro, a mais antiga instituição do mundo, sempre esteve por um fio.

Além disso, o "espírito dos tempos" e o políticamente correcto foram outrora o anti-semitismo, o sistema inquisitorial, o absolutismo monárquico, o mercantilismo, o Terror jacobino, o marxismo-leninismo, o anarquismo...

quarta-feira, abril 20, 2005



BENTO XVI Ao contrário do que dizem muitos comentadores, a eleição de Ratzinger não significa o advento de uma igreja ultra-conservadora. Ratzinger não é mais ultramontano que o falecido João Paulo II. Limitar-se-á a manter o rumo conservador que este último seguiu durante 26 anos e cinco meses. E coloquemo-nos a questão: quantos homens na casa dos 70/80 anos concordam com a ordenação de mulheres, o aborto, o divórcio ou o casamento gay?

Ratzinger era um seguidor do papa polaco, e não um mentor. Assim sendo, as suas posições "politicamente incorrectas" não diferem em muito das do seu antecessor no trono de São Pedro. A diferença, porém, reside no facto de Bento XVI não ter nem um terço do carisma que João Paulo II possuía.

O mundo "perdoava" ao velho pontífice a sua aversão pelo relativismo moral e pelo hedonismo dominante. Curiosamente, João Paulo II sabia lidar de forma brilhante com os mesmos media que propagavam as ideias e estilos de vida que ele tanto combatia. Sendo um gigante do ponto de vista espiritual e político, era ao mesmo tempo um excelente comunicador e um astuto estadista. Assim sendo, raramente tinha bad press, e mesmo os que dele discordavam lhe reconheciam as qualidades. Era esse o "segredo" de Karol Woytila.

Não me parece que o mundo encare da mesma forma a postura e as ideias do novo Papa. Há duas décadas que Ratzinger tem bad press. Resta saber se, enquanto Papa, conseguirá revestir-se de um novo elan.

Não era este o Papa que desejava para a Igreja. Precisávamos de alguém mais jovem e dinâmico. Com Ratzinger no trono papal teremos mais alguns anos de woytilismo agonizante, mas desta feita sem a formidável personagem que lhe esteve na origem.

Temos, no entanto, de dar ao novo Papa o benefício da dúvida. Talvez ainda venha a ser uma agradável surpresa.

terça-feira, abril 05, 2005

O RELATÓRIO que faltava, no momento oportuno. Quando tantos paladinos de esquerda (ver, a este propósito, alguns dos posts anteriores) duvidam da missão de João Paulo II em prol dos direitos do Homem, vejam-se, aqui, as sociedades mais repressivas de 2005. 18, em números redondos. A restante análise (à qual não será alheio, certamente, o facto de falarmos, na quase totalidade, de países maioritariamente de esquerda e/ou não católicos) fica a cargo do leitor. E que possa amansar algumas vozes mais reaccionárias...

FEL Conforme já esperava, nem a morte do Papa refreou as palavras de ódio e a emanação de fel desta gente. Há quem simplesmente não aprenda que, a bem do mundo, crentes e não crentes devem saber dialogar e compreender-se mutuamente. É pena.



UM GRANDE HOMEM Faltam-me ainda palavras para descrever o que sinto a respeito da morte do Papa João Paulo II. Mas recordo o que sobre ele escrevi não há muito tempo, em Agosto do ano passado:

«“Sinto com emoção que estou a chegar ao fim da minha peregrinação”. Foi com estas palavras que o Papa João Paulo II assinalou a sua chegada ao santuário mariano de Lourdes, no passado dia 14 de Agosto. Para evitar mal entendidos, os responsáveis da Santa Sé apressaram-se a explicar que o Papa se referia apenas à sua peregrinação a Lourdes, mas as palavras do Sumo Pontífice não deixaram de gerar alguma inquietação entre os peregrinos presentes, que as interpretaram como uma alusão à sua frágil saúde.

É, de facto, inegável que a saúde do Papa não é das melhores. João Paulo II tem oitenta e quatro anos, sofre de Parkinson, sobreviveu aos ferimentos de um atentado, a várias doenças e a numerosas operações cirúrgicas. Há muito que deixou de ser aquele “jovem” cardeal desportista, que passava horas a esquiar nas montanhas.

O académico britânico Timothy Garton Ash, que se define a si mesmo como um “liberal agnóstico”, escreveu o seguinte a respeito do Papa João Paulo II: “(...) Ainda se vislumbram lampejos da velha magia, à medida que a figura distante, sempre de branco, atrai toda uma multidão para si com um gesto característico, levantando suave mas repetidamente duas mãos completamente abertas. Depois fala para meio milhão de pessoas como se estivesse perante só uma. É a magia que vi na Polónia comunista, onde ele dissolveu o medo instalado por todas as divisões de Brejnev com um acenar daquela mão agora tremente, e continua a admoestar os governantes deste planeta, independentemente da sua cor política, sejam eles Castro ou Clinton. Por fim ainda oferece auxílio aos pobres, fracos, doentes e oprimidos de todo o mundo. Pode pensar-se, a partir deste hino de elogio inicial, que sou católico, ou mesmo um fã papal. Longe disso (...) como liberal agnóstico, ainda que enraízado num húmus rico de Cristianismo, a minha preocupação não é com a Igreja mas com o mundo, e quero afirmar que o Papa João Paulo II é simplesmente o maior líder mundial do nosso tempo”. E continua: “Ao longo destes vinte anos tive a oportunidade de falar com vários candidatos credíveis para o título de “grande homem” ou “grande mulher” –, Mikhail Gorbatchev, Helmut Kohl, Václav Havel, Lech Walesa, Margaret Tatcher –, mas ninguém se compara à combinação única de força concentrada, consistência intelectual, calor humano e simples bondade de Karol Woytila.”


Concordo com Timothy G. Ash. Para além do seu inegável papel na queda do comunismo, creio que a inteligência, coerência, determinação e a simples bondade do Papa fazem dele o maior líder do nosso tempo. Além disso, é um homem extremamente corajoso, que luta por tudo aquilo em que acredita, sem olhar a modas ou ao “politicamente correcto”. Criticou o comunismo, mas também não poupa o capitalismo neo-liberal. Acima de tudo, o Papa defende a pessoa humana e a dignidade a que todos temos direito. Para João Paulo II, uma criança de uma favela sul-americana não é menos importante que um rico homem de negócios nova-iorquino. Todos têm direito a uma vida digna. E isto não por razões ideológicas, mas teológicas: para o Papa, a Doutrina Social da Igreja não é uma terceira via entre o capitalismo liberal e o colectivismo marxista. Como ele próprio explica na encíclica “Solicitudo Rei Socialis”, a Doutrina Social da Igreja não é ideologia, mas teologia.

Por outro lado, as suas posições em matéria de moral sexual são consideradas antiquadas por largos sectores da sociedade. Mas estes não compreendem que a Igreja não pode mudar aquilo que sempre defendeu, por muito que isso agradasse. Dois mil anos depois, a Igreja permanece como depositária da missão que Cristo lhe confiou. Ora sendo eternos os ensinamentos de Jesus, são também a Verdade na qual os católicos acreditam. Claro que, aos olhos dos não crentes, tudo isto parecerá um anacronismo reaccionário, pois não compreendem que a Igreja não pode andar ao sabor de modas. E porque, no fundo, encontram na satisfação dos prazeres terrenos a razão de ser da existência humana, ao passo que os católicos pensam na salvação da alma e na vida eterna.

A coerência do Papa em questões de costumes encontra um paralelo na sua determinação contra todas as formas de guerra. Já no tempo da ocupação alemã da Polónia - cujos horrores sofreu na pele - Karol Woytila se opunha à luta armada e a todas as formas de violência. A um amigo que advogava o uso da força contra a ocupação nazi, o então jovem seminarista respondeu: “A oração é a única arma que resulta”.

Todavia, existem aspectos menos consensuais do seu pontificado, mesmo entre os católicos. Há quem o acuse de ter restaurado o “papado monárquico”, e de sufocar o debate dentro da Igreja. Além disso, têm sido tecidas duras críticas às posições do Vaticano a respeito das mulheres e do seu papel na Igreja e na Sociedade. Mas não deixa de ser curioso que as críticas mais ferozes venham precisamente de pessoas e grupos que não entendem o cristianismo e a igreja. Por exemplo, muitas das pessoas que defendem na praça pública a ordenação das mulheres e o fim do celibato dos padres, são assumidamente ateias ou não religiosas. Não compreendem que estas são questões que se encontram fora do seu entendimento. Porque quem não tem fé, não consegue compreender a forma como o Espírito Santo guia e inspira a Igreja: “Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo” (Mt 28, 20).

Pessoalmente, e quanto à ordenação sacerdotal das mulheres e ao celibato obrigatório, creio que se essa for a vontade de Deus, então o Espírito Santo há de guiar a Igreja nesse sentido, mais tarde ou mais cedo. Mas de qualquer modo, estas são questões que dizem respeito apenas aos católicos, e não áqueles que não compreendem a missão da Igreja.

Quanto a João Paulo II, creio que ficará para a história como um grande líder e um homem extremamente bom e compassivo.»

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P.S.: o jornal espanhol "El Mundo" disponibilizou online um arquivo fotográfico sobre o longo pontificado de João Paulo II, neste endereço.

P.S.S.: Às vezes fico com a impressão que certa esquerda "caviar" só ficaria satisfeita com João Paulo II se ele tivesse dito que Deus não existe!

TELA ABSTRACTA Inseri link para o blog pessoal do Rui Afonso, um dos colaboradores do Respublica. Chama-se Tela Abstracta e promete ser um espaço muito interessante.

segunda-feira, abril 04, 2005

PLÁGIO Os professores da Licenciatura em Matemática e Ciências da Computação da Universidade do Minho tomaram uma atitude inédita, mas de louvar: os alunos que, por alguma forma, recorreram ao plágio na elaboração dos seus trabalhos foram penalizados. E esta penalização (zero valores) foi apenas uma advertência. A reincidência dará direito à expulsão. Está tudo aqui.

sexta-feira, abril 01, 2005

PSEUDO-HUMOR É compreensível que, para muitas pessoas, a figura do Papa não signifique muito, ou que até seja um ódio de estimação. Não só é compreensível, como legítimo. É também compreensível que façam humor com isso. Vivemos em democracia, pelo que existe liberdade de expressão. Mas espero que também me reconheçam esse direito; pois em minha opinião, nem com esses comentários pseudo-humoristas conseguem disfarçar a sua própria insignificância e mediocridade face a uma figura ímpar como a de João Paulo II. Além de que fazer troça da falta de saúde ou mesmo da morte de um adversário ideológico revela obrigatoriamente um carácter medíocre e insensível. É nessas alturas que se dá a conhecer a verdadeira índole das pessoas.

VIDA & DIGNIDADE No post anterior, o Rui Afonso questiona-se a respeito do drama de Terri Schiavo: "Que dignidade tem, de facto, uma pessoa que já não o é? Que dignidade tem um marido que mais não pode fazer senão alimentar a esposa, que já não o é (até que a morte vos separe - biologicamente, já estava morta), através de um tubo, lavá-la, levantá-la, deitá-la, enfim, tratá-la como o objecto inerte em que se tornou? O único halo de vida que habitava o corpo de Terri Schiavo manifestava-se através dos seus (fracos) sinais vitais."

Parece-me que o fulcro da questão não reside na dignidade de Terri. Tal como atrás escrevi, se realmente não tinha actividade cerebral, não estava em sofrimento. E se tinha, como alegam os familiares, então foi assassinada - chamemos os bois pelos nomes - de forma particularmente cruel. Além disso, quem somos nós para dizer quem é pessoa ou não ("Que dignidade tem, de facto, uma pessoa que já não o é?")? Por este prisma, poderíamos pôr em causa a dignidade e a condição humana de um deficiente mental profundo, que também não tenha consciência de si e que se limite a grunhir uns quantos sons! Não será perigoso que, em nome de determinados "valores" dominantes, se decida quem deve viver ou não?

Creio que o próprio Rui Afonso, ao contrapôr a minha argumentação, explicou porque é que Terri foi morta: "(...) que dignidade tem um marido que mais não pode fazer senão alimentar a esposa? (...)"

Parece-me que esta frase concentra em si todas as respostas. O problema, caro Ruca, é que a vida de Terri não pertencia ao marido. Pertencia-lhe a ela e só a ela, que não foi tida nem achada em toda esta barafunda. E julgo que não chega aparecer com a evocação de um episódio de que mais ninguém se lembra - oito anos depois dos factos, estando já com outra companheira -, para insinuar que Terri preferia morrer.

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P.S.: Com todos os progressos que a medicina tem feito nos últimos anos, quem nos poderá garantir que não viria a ser descoberta uma cura? O que é hoje "irreversível" poderá não o ser amanhã.



TERRI SCHIAVO Há cerca de 3 posts atrás, numa clara comparação entre o estado de saúde de João Paulo II e o de Terri Shiavo, perguntava-se Filipe Alves: (...) existirá maior dignidade do que aceitar o sofrimento com coragem e resignação, sem nunca abandonar a missão que dá sentido à nossa vida?

Como adenda à mensagem, continuava:

A quem incomodava a situação de Terri Schiavo? Se realmente não tinha actividade cerebral, não estava em sofrimento. Talvez se deva colocar a questão ao contrário: quem beneficiou com a sua morte?

Ora, João Paulo II, enquanto guardião máximo dos valores da Igreja e do apelo desta ao aceitar do sofrimento com coragem e resignação, tem, de facto, uma missão que dá sentido não só à sua vida como à de todos os fiéis. João Paulo II está lúcido. João Paulo II, enquanto chefe de estado, tem os melhores serviços médicos ao seu dispor. João Paulo II, afinal, tem actividade cerebral.

As premissas não tinha actividade cerebral logo não estava em sofrimento pecam por omissas em relação a muitos outros factores que revestem a sua morte. Que dignidade tem, de facto, uma pessoa que já não o é? Que dignidade tem um marido que mais não pode fazer senão alimentar a esposa, que já não o é (até que a morte vos separe - biologicamente, já estava morta), através de um tubo, lavá-la, levantá-la, deitá-la, enfim, tratá-la como o objecto inerte em que se tornou? O único halo de vida que habitava o corpo de Terri Schiavo manifestava-se através dos seus (fracos) sinais vitais.

É um tema polémico, é verdade, mas não deve deixar de ser discutido. E, a esse propósito, proponho que se visite esta enciclopédia on-line que, de forma isenta, aborda todas as vertentes da questão, além de incluir a história da família e alguns pareceres jurídicos e religiosos independentes.

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PS: Isto, de facto, é ultrajante. Passo meses sem escrever e, depois, reapareço para entrar em conflito directo com a liderança (do blog). Porque é que isto me faz lembrar, de certa forma, o estado actual do maior partido da oposição?

JESUS E O JUDAÍSMO O Nuno Guerreiro e o José têm discutido o que sucederia se o Judaísmo tivesse aceite Jesus como Messias. A este respeito, o Nuno Guerreiro escreveu que "(...) se os judeus não tivessem rejeitado Jesus, se Paulo não tivesse voltado a liderança da igreja para um novo rumo, a fé embrionária teria provavelmente perecido tal como aconteceu com todas as seitas heterodoxas judaicas que desapareceram após a destruição de Jerusalém e do seu Templo pelos romanos no ano 70, deixando apenas o judaísmo “rabínico” – o judaísmo tradicional dos nossos dias. Não haveria cristianismo, nem Europa cristã ou civilização ocidental tal como a conhecemos."

Em resposta, o José escreveu o seguinte, entre outras coisas:

(...) E passemos então ao meu exercício de counterfactual history, pois o de Klinghoffer me parece ser pouco elaborado. Pensemos pois. Pensemos no que seria se os Judeus não tivessem rejeitado Jesus, ainda depois de ele ter sido crucificado. Imaginemos que a Sua condição verdadeiramente messiânica encontrava eco na sociedade judaica de então. Imaginemos que o universalismo da Sua mensagem encontrasse o mesmo eco que a Sua nova visão da aliança de Deus com o Seu povo e que o trabalho de Paulo junto do gentios não fosse mais do que o novo desígnio da nação judaica. Imaginemos que a Sua noção de separação entre o que é de Deus e o que é de César fosse aceite, que a Sua noção do Seu reino, o de Deus, não ser deste mundo penetrasse nos corações. Pensemos em tudo isto em vez da assumpção bizarra de que fatalmente a seita cristã seria destruída com todas as outras na destruição de Jerusalém. E digo bizarra, pois tenho para mim, ainda que seja suspeito, que caso os Judeus não tivessem rejeitado Jesus não tinha havido qualquer guerra da Judeia e Jerusalém e o Templo não teriam sido destruídos. Não pela anulação duma qualquer maldição divina, em que aliás não acredito, mas simplesmente por não serem mais vistos como uma ameaça irritante pelo poder de Roma. Ao invés, o judaísmo, renovado por Jesus e pela Sua Palavra, aberto agora aos gentios, progrediria galopantemente, primeiro através da diáspora, depois por todo o cadinho étnico e cultural do Império. E talvez a história deste fosse diferente, talvez as sementes deixadas em Babilónia frutificassem e permitissem a fusão do império persa e romano, o que faria hoje não existir a noção que se tem do Oriente e do Ocidente. E, aí sim, aí já posso concordar com Klinghoffer, talvez não houvesse nem Cristianismo nem Islamismo mas unicamente o Judaísmo. Não aquele que era nem aquele que veio a ser, mas um Judaísmo transformado, como sabemos que era vontade pública de Jesus."

Permitam-me, caros José e Nuno Guerreiro, que contribua também com a minha modesta opinião. Parece-me que nem o Cristianismo teria perecido com a catástrofe que se abateu sobre a Judeia no ano 70, nem a aceitação de Jesus como Messias evitaria a guerra.

A pequena comunidade cristã de Jerusálem ficou a salvo da guerra, porque os "nazarenos" não participaram na resistência contra os romanos. Pouco numerosos e pacifistas por natureza, ao contrário de outras seitas judaicas da época, sobreviveram à deportação e ao massacre que se seguiram à vitória das legiões de Vespasiano e Tito. Por outro lado, ainda que Jesus fosse aceite como Messias pelas autoridades do Templo, 40 anos antes, tal não poria fim às actividades de grupos radicais como o de Barrabás e de outros zelotas. Recorde-se, além disso, que os Judeus da Palestina se revoltaram ainda duas vezes, sob os principados de Trajano e Adriano. Foi no reinado deste último que teve lugar a última guerra judaica (por volta dos anos 133/137, creio), no termo da qual foram deportados os últimos israelitas, e Jerusálem acabou transformada em Colonnia Aelia Capitolina. Nesta altura, existia já uma distinção clara entre Judeus e Cristãos, sendo que aos primeiros era vedado o acesso à Cidade Santa.

No entanto, que aconteceria se Paulo não tivesse levado o Evangelho aos Gentios? Provavelmente, o Cristianismo seria agora uma seita semelhante à dos Samaritanos, que ainda hoje subsiste no território da antiga Samaria, ou dos Jacobitas (discípulos de João Baptista), que sobrevive ainda na velha Caldeia. Não creio que o Cristianismo desaparecesse completamente, até porque, com raras excepções, o Islão sempre foi tolerante para com as "religiões do Livro".

E se as autoridades religiosas judaicas tivessem aceite Jesus como Messias? Em primeiro lugar, não creio que isso evitasse a Guerra Judaica, pois na origem desta esteve o sentimento nacional judaico - espezinhado por Roma e pelos seus aliados locais, herodianos e saduceus, desde a conquista por Pompeu Magno, em 67 a.C. -, e não o fervor religioso propriamente dito. Mesmo tendo assimilado os ensinamentos pacifistas de Cristo, não me parece que o povo hebraico abandonasse o seu orgulho nacional e o ressentimento contra o ocupante. Refira-se ainda que a guerra foi provocada por grupos radicais, à revelia dos fariseus e dos saduceus. Aliás, várias passagens dos Evangelhos fazem referência à relutância destes grupos sociais em desagradarem a Roma, por temerem a inevitável destruição do "Templo e da nação".

DIÁRIO DE LISBOA Inseri link para o interessante Diário de Lisboa, um blog lisboeta em tons canarinhos. Recomendo a visita!

DIGNIDADE Perante o sofrimento de um doente terminal, é fácil apelar à "dignidade", remetendo o infeliz e a sua triste condição para longe da vista. Porque estando longe desta, também se encontra distante do coração. E isto porque a nossa sociedade não consegue aceitar o sofrimento, a dor e a morte.

O "politicamente correcto" diz-nos que a vida só faz sentido se formos "felizes", de acordo com os padrões de uma sociedade minada pelo hedonismo e pelo consumismo. Por este ponto de vista, quem não é jovem, belo, rico e saudável não pode ser feliz.

É esta corrente que vem ao de cima quando certas pessoas apelam a que o Papa possa "morrer com dignidade". Pois pergunto a essas pessoas: existirá maior dignidade do que aceitar o sofrimento com coragem e resignação, sem nunca abandonar a missão que dá sentido à nossa vida?

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PS: A quem incomodava a situação de Terri Schiavo? Se realmente não tinha actividade cerebral, não estava em sofrimento. Talvez se deva colocar a questão ao contrário: quem beneficiou com a sua morte?