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sexta-feira, abril 01, 2005

JESUS E O JUDAÍSMO O Nuno Guerreiro e o José têm discutido o que sucederia se o Judaísmo tivesse aceite Jesus como Messias. A este respeito, o Nuno Guerreiro escreveu que "(...) se os judeus não tivessem rejeitado Jesus, se Paulo não tivesse voltado a liderança da igreja para um novo rumo, a fé embrionária teria provavelmente perecido tal como aconteceu com todas as seitas heterodoxas judaicas que desapareceram após a destruição de Jerusalém e do seu Templo pelos romanos no ano 70, deixando apenas o judaísmo “rabínico” – o judaísmo tradicional dos nossos dias. Não haveria cristianismo, nem Europa cristã ou civilização ocidental tal como a conhecemos."

Em resposta, o José escreveu o seguinte, entre outras coisas:

(...) E passemos então ao meu exercício de counterfactual history, pois o de Klinghoffer me parece ser pouco elaborado. Pensemos pois. Pensemos no que seria se os Judeus não tivessem rejeitado Jesus, ainda depois de ele ter sido crucificado. Imaginemos que a Sua condição verdadeiramente messiânica encontrava eco na sociedade judaica de então. Imaginemos que o universalismo da Sua mensagem encontrasse o mesmo eco que a Sua nova visão da aliança de Deus com o Seu povo e que o trabalho de Paulo junto do gentios não fosse mais do que o novo desígnio da nação judaica. Imaginemos que a Sua noção de separação entre o que é de Deus e o que é de César fosse aceite, que a Sua noção do Seu reino, o de Deus, não ser deste mundo penetrasse nos corações. Pensemos em tudo isto em vez da assumpção bizarra de que fatalmente a seita cristã seria destruída com todas as outras na destruição de Jerusalém. E digo bizarra, pois tenho para mim, ainda que seja suspeito, que caso os Judeus não tivessem rejeitado Jesus não tinha havido qualquer guerra da Judeia e Jerusalém e o Templo não teriam sido destruídos. Não pela anulação duma qualquer maldição divina, em que aliás não acredito, mas simplesmente por não serem mais vistos como uma ameaça irritante pelo poder de Roma. Ao invés, o judaísmo, renovado por Jesus e pela Sua Palavra, aberto agora aos gentios, progrediria galopantemente, primeiro através da diáspora, depois por todo o cadinho étnico e cultural do Império. E talvez a história deste fosse diferente, talvez as sementes deixadas em Babilónia frutificassem e permitissem a fusão do império persa e romano, o que faria hoje não existir a noção que se tem do Oriente e do Ocidente. E, aí sim, aí já posso concordar com Klinghoffer, talvez não houvesse nem Cristianismo nem Islamismo mas unicamente o Judaísmo. Não aquele que era nem aquele que veio a ser, mas um Judaísmo transformado, como sabemos que era vontade pública de Jesus."

Permitam-me, caros José e Nuno Guerreiro, que contribua também com a minha modesta opinião. Parece-me que nem o Cristianismo teria perecido com a catástrofe que se abateu sobre a Judeia no ano 70, nem a aceitação de Jesus como Messias evitaria a guerra.

A pequena comunidade cristã de Jerusálem ficou a salvo da guerra, porque os "nazarenos" não participaram na resistência contra os romanos. Pouco numerosos e pacifistas por natureza, ao contrário de outras seitas judaicas da época, sobreviveram à deportação e ao massacre que se seguiram à vitória das legiões de Vespasiano e Tito. Por outro lado, ainda que Jesus fosse aceite como Messias pelas autoridades do Templo, 40 anos antes, tal não poria fim às actividades de grupos radicais como o de Barrabás e de outros zelotas. Recorde-se, além disso, que os Judeus da Palestina se revoltaram ainda duas vezes, sob os principados de Trajano e Adriano. Foi no reinado deste último que teve lugar a última guerra judaica (por volta dos anos 133/137, creio), no termo da qual foram deportados os últimos israelitas, e Jerusálem acabou transformada em Colonnia Aelia Capitolina. Nesta altura, existia já uma distinção clara entre Judeus e Cristãos, sendo que aos primeiros era vedado o acesso à Cidade Santa.

No entanto, que aconteceria se Paulo não tivesse levado o Evangelho aos Gentios? Provavelmente, o Cristianismo seria agora uma seita semelhante à dos Samaritanos, que ainda hoje subsiste no território da antiga Samaria, ou dos Jacobitas (discípulos de João Baptista), que sobrevive ainda na velha Caldeia. Não creio que o Cristianismo desaparecesse completamente, até porque, com raras excepções, o Islão sempre foi tolerante para com as "religiões do Livro".

E se as autoridades religiosas judaicas tivessem aceite Jesus como Messias? Em primeiro lugar, não creio que isso evitasse a Guerra Judaica, pois na origem desta esteve o sentimento nacional judaico - espezinhado por Roma e pelos seus aliados locais, herodianos e saduceus, desde a conquista por Pompeu Magno, em 67 a.C. -, e não o fervor religioso propriamente dito. Mesmo tendo assimilado os ensinamentos pacifistas de Cristo, não me parece que o povo hebraico abandonasse o seu orgulho nacional e o ressentimento contra o ocupante. Refira-se ainda que a guerra foi provocada por grupos radicais, à revelia dos fariseus e dos saduceus. Aliás, várias passagens dos Evangelhos fazem referência à relutância destes grupos sociais em desagradarem a Roma, por temerem a inevitável destruição do "Templo e da nação".