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sexta-feira, abril 01, 2005

VIDA & DIGNIDADE No post anterior, o Rui Afonso questiona-se a respeito do drama de Terri Schiavo: "Que dignidade tem, de facto, uma pessoa que já não o é? Que dignidade tem um marido que mais não pode fazer senão alimentar a esposa, que já não o é (até que a morte vos separe - biologicamente, já estava morta), através de um tubo, lavá-la, levantá-la, deitá-la, enfim, tratá-la como o objecto inerte em que se tornou? O único halo de vida que habitava o corpo de Terri Schiavo manifestava-se através dos seus (fracos) sinais vitais."

Parece-me que o fulcro da questão não reside na dignidade de Terri. Tal como atrás escrevi, se realmente não tinha actividade cerebral, não estava em sofrimento. E se tinha, como alegam os familiares, então foi assassinada - chamemos os bois pelos nomes - de forma particularmente cruel. Além disso, quem somos nós para dizer quem é pessoa ou não ("Que dignidade tem, de facto, uma pessoa que já não o é?")? Por este prisma, poderíamos pôr em causa a dignidade e a condição humana de um deficiente mental profundo, que também não tenha consciência de si e que se limite a grunhir uns quantos sons! Não será perigoso que, em nome de determinados "valores" dominantes, se decida quem deve viver ou não?

Creio que o próprio Rui Afonso, ao contrapôr a minha argumentação, explicou porque é que Terri foi morta: "(...) que dignidade tem um marido que mais não pode fazer senão alimentar a esposa? (...)"

Parece-me que esta frase concentra em si todas as respostas. O problema, caro Ruca, é que a vida de Terri não pertencia ao marido. Pertencia-lhe a ela e só a ela, que não foi tida nem achada em toda esta barafunda. E julgo que não chega aparecer com a evocação de um episódio de que mais ninguém se lembra - oito anos depois dos factos, estando já com outra companheira -, para insinuar que Terri preferia morrer.

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P.S.: Com todos os progressos que a medicina tem feito nos últimos anos, quem nos poderá garantir que não viria a ser descoberta uma cura? O que é hoje "irreversível" poderá não o ser amanhã.