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segunda-feira, fevereiro 20, 2006

ESTADO LAICO A transmissão televisiva das cerimónias da trasladação dos restos mortais da Irmã Lúcia gerou os habituais protestos contra a o alegado desrespeito pelos princípios do "Estado laico". Não passa pela cabeça destes iluminados que se as televisões transmitiram as cerimónias terá sido porque as mesmas interessavam a alguns milhões de portugueses, e não devido a uma qualquer conspiração da padralhada para dominar o espaço mediático. Em pleno século XXI, há ainda muito boa gente que confunde laicismo com ateísmo de Estado, querendo suprimir do espaço público o menor vestígio de religião. E razão tinha Agostinho da Silva, quando dizia que o grande problema dos intelectuais portugueses era desconhecerem por completo a alma do seu próprio povo.

sábado, fevereiro 18, 2006

A LER Esta crónica de Francisco Sarsfield Cabral.

O CULTO DO CORPO Em nome da saúde, proibe-se o fumo, a bebida e a comida "que faz mal". Em nome da saúde, o "Homem Novo" deve abster-se de todas essas coisas, fazer exercício físico regular e eliminar qualquer vestígio de gordura. Tendo deixado de acreditar no que quer que seja, a nossa sociedade volta-se agora para o culto do corpo, rumo aos "amanhas que cantam" do século XXI. Sempre em busca da felicidade e de um sentido para a vida... quando estes, na verdade, se encontram nas coisas simples da vida.

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

TEMPLO DE SALOMÃO Na página 44 da edição de hoje do Público lê-se o seguinte, numa pequena nota sobre um programa do Canal História sobre "As Tábuas de Pedra do Rei Salomão":

"(...) A descoberta de uma tábua de pedra com umas inscrições causou sensação, face à possibilidade de um resto arqueológico do lendário Templo de Salomão, do qual apenas se encontraram referências na bíblia (...)".

O texto tem outras incorrecções, mas foi esta que mais me chamou a atenção. Pergunto-me se o autor terá alguma vez ouvido falar no Muro das Lamentações, o local mais sagrado do Judaísmo. Ora o Muro não é mais que o remanescente do antigo Templo de Salomão. É verdade que ao longo de séculos o Templo foi reconstruído várias vezes, e que Herodes o Grande o ampliou consideravelmente. E independentemente de Salomão ter sido uma personagem real ou não, sabe-se que o Templo existiu de facto.

O Templo foi destruído pelos Romanos no ano 70 d.C., no fim da Guerra Judaica. No século IV, Juliano O Apóstata tentou reconstruí-lo - para assim desafiar os Cristãos -, mas uma série de portentos (então) inexplicáveis obrigaram-no a interromper os trabalhos. Muitos anos depois, os Muçulmanos construíram no local a Mesquita de Al Aqsa, o terceiro lugar mais sagrado do Islão, de onde Maomé terá sido elevados aos céus.

Mesmo tratando-se de uma secção que se poderia considerar "menor", é lamentável que um jornal de referência como o Público cometa erros dessa natureza.

terça-feira, fevereiro 14, 2006

MIOPIA "O maior agressor temos sido nós. Para já não falar das Cruzadas, que vão longe mas que estão presentes como alguma coisa que se passou anteontem, para já não falar na colonização de África e de vários povos islâmicos e asiáticos, para já não falar da política de canhoneira seguida pela Inglaterra em relação a esses países, veja o que foi a estratégia seguida pela maior potência mundial no mundo árabe neste momento." (Freitas do Amaral, MNE, em declarações à RTP)

Sempre achei curiosa esta mania de recordar as Cruzadas por tudo e por nada. Ora quem se dá ao trabalho de andar para trás no tempo oito séculos podia também retroceder doze ou quinze, até à época da conquista árabe da Síria, Egipto, Anatólia , Magrebe e Hispânia (que eram então o coração da Cristandade). Conquista essa que, tal como as Cruzadas, teve motivações religiosas, políticas e económicas. E já agora, porque não recordar também as ofensivas otomanas dos séculos XIV a XVIII, bem como os "raides" de pirataria com que os beis de Tunes e Argel brindaram as costas e a navegação europeias até ao início do século XIX (e foram muitos os portugueses que terminaram os seus dias no cativeiro norte-africano...). Ou o saque de Roma pelos sarracenos, no século IX? E as atrocidades cometidas por Almançor no Norte de Portugal?

Quando se vê a História em função de ideologias, como faz o nosso MNE, corre-se o risco de esquecer parte dela.

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P.S.: Freitas do Amaral sugeriu um campeonato de futebol euro-árabe. Mas o que aconteceria se os vencêssemos, sr. Ministro? Pedíamos desculpa?

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

CARTOONS Faço minhas as palavras de Constança Cunha e Sá:

"Mesmo que os cartoons sejam, como afirma, uma pura provocação e um puro achincalhamento, colocam-se apenas duas questões: saber se se devia proibir a sua publicação e saber se o Governo (qualquer Governo) deve ser responsável pelo que se publica nos jornais. O resto é bonito, tem muito valor e revela grande responsabilidade – mas foge ao essencial."

Neste momento, o essencial é impedir que a Europa se torne refém dos fanáticos que queimam embaixadas. Temos o direito de publicar disparates.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

COMUNICADO - CONVITE

Na próxima 5ª feira, 9 de Fevereiro, pelas 15 horas, um grupo de cidadãos portugueses irá manifestar a sua solidariedade para com os cidadãos dinamarqueses (cartoonistas e não-cartoonistas), na Embaixada da Dinamarca, na Rua Castilho nº 14, em Lisboa.

Convidamos desde já todos os concidadãos a participarem neste acto cívico em nome de uma pedra basilar da nossa existência: a liberdade de expressão.

Não nos move ódio ou ressentimento contra nenhuma religião ou causa. Mas não podemos aceitar que o medo domine a agenda do século XXI.

Cidadãos livres, de um país livre que integra uma comunidade de Estados livres chamada União Europeia, publicaram num jornal privado desenhos cómicos.

Não discutimos o direito de alguém a considerar esses desenhos de mau gosto. Não discutimos o direito de alguém a sentir-se ofendido. Mas consideramos inaceitável que um suposto ofendido se permita ameaçar, agredir e atentar contra a integridade física e o bom nome de quem apenas o ofendeu com palavras e desenhos num meio de comunicação livre.

Não esqueçamos que a sátira – os romanos diziam mesmo "Satura quidem tota nostra est" – é um género particularmente querido a mais de dois milénios de cultura europeia, e que todas as ditaduras começam sempre por censurar os livros "de gosto duvidoso", "má moral", "blasfemos", "ofensivos à moral e aos bons costumes".

Apelamos ainda ao governo da república portuguesa para que se solidarize com um país europeu que partilha connosco um projecto de união que, a par do progresso económico, pretende assegurar aos seus membros, Estados e Cidadãos, a liberdade de expressão e os valores democráticos a que sentimos ter direito.

Pela liberdade de expressão, nos subscrevemos

Rui Zink (916919331)
Manuel João Ramos (919258585)
Luísa Jacobetty

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Nota: apesar de, como referi, considerar de mau gosto, preconceituosos e provocatórios os cartoons dinamarqueses, creio que não podemos ceder às exigências da "rua" muçulmana. E temos de estar unidos face à barbárie.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

DESNECESSÁRIO (IV) O que fazer então agora? Ceder aos fanáticos que queimam embaixadas? Nunca. Seria o mesmo que dizer-lhes que nos podem limitar a nossa liberdade e condicionar os nossos valores. Mas a imprensa europeia tem de reflectir seriamente na forma como tem exercido a liberdade de expressão.

DESNECESSÁRIO (III) Muita gente fala deste assunto mas sem ter visto as caricaturas. São mais preconceituosas do que os europeus pensam e menos ofensivas do que os muçulmanos julgam. E uma série de questões acessórias vieram à baila, confundindo as opiniões públicas europeia e muçulmana.

A liberdade de expressão é sagrada e deve ser defendida por todos nós. Mas liberdade implica responsabilidade. Como escreveu John Stuart Mill, um indivíduo é livre de gritar "fogo" num teatro, mas deve estar disposto a assumir as consequências do seu acto. A reprodução das caricaturas em jornais franceses e espanhóis foi um gesto de provocação gratuita e completamente desnecessária. Por acaso serviu para converter os muçulmanos às virtudes da liberdade de expressão? Não. Ajudou ao diálogo entre civilizações e religiões? Não. Contribuiu para a diminuição da tensão geo-política? Não. Retirou força aos islamistas fundamentalistas? Não. Para que serviu então a reprodução das caricaturas, se não para deitar gasolina num braseiro?

É espantoso como em apenas três dias a imprensa europeia fez mais pelo fosso civilizacional que a política externa dos EUA em três anos! Esta última, pelo menos, rege-se por objectivos racionais e promete dar frutos, a médio e longo prazo.

Mas agora que o mal está feito, é evidente que a Europa não pode ceder à barbárie da "rua" muçulmana. Estão em causa os nossos valores fundamentais. Seria pior a emenda que o soneto.

Para terminar, deixo uma pequena provocação: a solidariedade com os jornais escandinavos assumiria esta dimensão se as caricaturas em questão fossem anti-semitas, homofóbicas ou racistas? E se em vez de Maomé, se representasse Moisés ou a figura de um rabino? E se fosse uma daquelas caricaturas feitas na Rússia do século XIX, com a figura do típico judeu vestido de negro e nariz encurvado a chupar o sangue das criancinhas? Não creio que se gerasse toda esta solidariedade. Em certos países europeus, o autor de tais caricaturas seria processado e condenado judicialmente, o que sem dúvida seria 100% merecido.

A verdade é que a Europa indigna-se ao máximo quando alguém toca nos dogmas do seu políticamente correcto, mas acha aceitável ridicularizar as crenças dos católicos e dos muçulmanos.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

DESNECESSÁRIO (II) A maior parte das referidas caricaturas de Maomé associam o Islão ao terrorismo, como se todos os muçulmanos fossem terroristas ou como se a religião em si fosse terrorista. Nada mais errado e contraproducente, ainda para mais na época conturbada que vivemos. Foi um acto de hostilidade gratuita, insensível e preconceituosa contra nossos maiores aliados na dura luta contra o terror fundamentalista: a esmagadora maioria dos muçulmanos, que são crentes moderados e que não se reveem em Bin Laden e afins.

DESNECESSÁRIO Evidentemente que a liberdade de expressão é um direito inviolável. Mas os jornais europeus não precisavam de assumir a atitude de desafio que adoptaram nos últimos dias. A pretexto da "solidariedade" - ou orgulho? - com os jornais dinamarqueses, orgãos de todo o continente reproduziram nas suas páginas as polémicas caricaturas de Maomé. Foi um gesto absolutamente inútil, que serviu apenas para alimentar o ódio.

Se tivessem deixado esquecer o assunto, o episódio já teria passado à História. Mas não, os europeus sempre-ávidos-em-dar-lições-de-moral tinham de deitar lenha na fogueira. Estão no seu direito, claro. Mas ofendem desnecessariamente mil milhões de muçulmanos (digo desnecessariamente porque não é com provocações que vão convencer os muçulmanos a mudar de ideias sobre o assunto). É um pouco como se lhes dissessem: "temos muito respeito por vós, mas o vosso pai é uma besta", ou "temos muito respeito por vocês, mas as vossas crenças são uma porcaria". Em resumo, nos últimos três dias a imprensa europeia fez mais em prol da fractura civilizacional que a política externa dos EUA nos últimos três anos. Esta, pelo menos, rege-se por objectivos mais ou menos necessários e concretizáveis. As guerras terminam mais tarde ou mais cedo, e as suas cicatrizes acabam por sarar. Mas o ódio civilizacional e religioso sobrevive durante gerações.

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P.S.: seriam os jornais europeus tão "solidários" se os referidos cartoons fossem de natureza racista ou homofóbica?

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

MÍSTICA, TRADIÇÃO E ESPÍRITO ACADÉMICO “Não acabem com esta tradição. A UTAD tem a mística e o ambiente académicoque tem em boa medida graças à praxe. É uma coisa muito bonita quando é feita com regras, quando é para integrar e brincar com os novos alunos. Também rastejei na lama e achei isso uma brincadeira”.

Bruno Gonçalves, presidente da Associação Académica da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, in Público, 02/02/2006

Os dirigentes associativos utilizam muito expressões como “mística”, “espírito académico”, “união” ou “integração”, entre outras, para procurar dar sentido às práticas vulgarmente conhecidas como “praxes”.

Claro que tratando-se de pessoas que estão na universidade há sete ou oito anos, sem fazer mais nada que não seja abnegadamente sacrificar-se pelo bem comum (ao serviço da associação académica, claro está), este “espírito académico” será mais um estilo de vida que propriamente um estado de alma.

Sejamos sinceros: a praxe não é a única forma de “integrar” os novos alunos, nem tão pouco a melhor ou mais eficaz. A praxe académica existe apenas por uma única razão, que qualquer “doutor” ou “engenheiro” conhece, ainda que não o queira admitir: reproduzir e perpetuar as relações de poder no interior da comunidade universitária, garantindo aos alunos mais velhos a influência e o sentimento de poder necessários à satisfação dos respectivos egos. Tudo o resto – o blábláblá da integração e da tradição - não passa de “tretas”. Haja coragem e frontalidade para admitir isto, ao invés de se continuar a invocar figuras mitológicas para defender o indefensável. A praxe não é uma verdadeira tradição e, mesmo que fosse, continuaria a não se justificar, pois estas não se sobrepõem aos direitos humanos. E felizmente, muitas das “tradições” dos últimos milhares de anos foram abolidas com a evolução dos tempos.

No início do século XX, oficiais da Royal Navy britânica tentaram impedir uma determinada medida do então ministro da Marinha, Winston Churchill, aludindo à “tradição naval”. Churchill, que tinha profundo respeito pela Royal Navy, ter-lhes-á respondido algo parecido com isto: “Don't talk to me about naval tradition. It's nothing but rum, sodomy and the lash”. Com as “tradições” universitárias passa-se mais ou menos o mesmo, com a evidente diferença que a tradição naval será mais antiga (deixo a parte da sodomia ao critério do leitor…).

Afinal, o que são as “tradições académicas” que os nossos dirigentes associativos tanto defendem? A meu ver, nada mais que boçalidade, palavrões, humilhações, álcool a rodos, brincadeiras de mau gosto, alarvidade e “caça” aos(às) caloiros(as). Ora a universidade devia servir para elevar as pessoas e não para as rebaixar ou bestializar. O ensino superior deveria existir para formar indivíduos de espírito livre, sentido crítico e firmes virtudes cívicas. Mas a praxe, nos seus moldes actuais, destrói tudo isso: ensina apenas a obedecer cegamente e a ser rude e mal-educado como os senhores doutores e engenheiros. Ensina o mau gosto, a boçalidade e a mediocridade. É para isso que servem as universidades?

Se os dirigentes associativos – associações académicas, conselhos de veteranos, etc - querem de facto preservar esta “tradição”, só têm um caminho a seguir: tornar a praxe apenas um de entre vários modelos de “integração”, coexistindo com outros. A praxe só poderá subsistir, a médio e longo prazo, se deixar de ser obrigatória... porque o é, de facto, embora o discurso oficial afirme o contrário. Todos sabemos que muitos miúdos de 17 ou 18 anos não têm a coragem necessária para dizer “não” às praxes, porque conhecem o triste destino dos vulgarmente conhecidos por “anti-praxe”. É até desonesto do ponto de vista intelectual afirmar que só é “praxado” quem quer.

Se apenas forem “praxados” aqueles que realmente encaram a praxe como uma brincadeira, todos os problemas que têm surgido deixariam de existir. E provavelmente o interesse dos novos alunos na praxe até seria superior.

Que os nossos dirigentes ponham os olhos em certos países civilizados em que os novos alunos podem optar por mil e uma actividades culturais, lúdicas e sociais.

Se os dirigentes continuarem a perpetuar o actual estado de coisas, a praxe será abolida mais tarde ou mais cedo. É apenas uma questão de tempo até isso acontecer, tal como sucedeu no resto da Europa.

Salve-se a praxe, mudando-lhe a forma e as atitudes.

(Texto publicado no Comum Online.)

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

SANTO ONOFRE Decididamente, a vinda de Vasco Pulido Valente para a blogosfera tornou-a muito mais interessante. Este texto, publicado no Espectro, prova isso mesmo:

"O dr. Jorge Braga de Macedo, cuja perspicácia o país já pôde apreciar, disse na televisão que "a idade de reforma devia ser indexada à esperança de vida". Parece que a Suécia, um sítio historicamente habitado por anormais, resolveu assim o problema da Segurança Social. A lógica é esta. Primeiro, uma criatura tem de durar à força de água, alface e fibras, de exercício físico e de muitos médicos. A seguir, ao fim 40 anos de sofrimento como Santo Onofre, não ganha, como Santo Onofre, o Paraíso, ganha para a bem da sua alma e do aprimoramento das contas públicas, mais trabalho. Quando chega à reforma (aos 70, 75, 80?), já de todo inaproveitável e com o cérebro em papas, pode então descansar. A fazer o quê? Não se consegue imaginar.
Fora isso, que para o dr. Braga de Macedo não tem importância, há o problema da "carreira" dos velhos. Não vão com certeza ocupar indefinidamente os lugares de responsabilidade e direcção, porque perderam a força, a inteligência, a capacidade de aprender e se tornaram pouco a pouco um obstáculo ou até um risco. Suponho que o dr. Braga de Macedo não hesitaria em os despromover. Mas, por mim, não gostaria de o ver a ele, com 78 anos, gaguejante e trémulo, como encarregado de limpeza da Faculdade de Economia da Universidade Nova, onde iluminou tanto espírito com a luz do seu."