respublica

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

DESNECESSÁRIO (III) Muita gente fala deste assunto mas sem ter visto as caricaturas. São mais preconceituosas do que os europeus pensam e menos ofensivas do que os muçulmanos julgam. E uma série de questões acessórias vieram à baila, confundindo as opiniões públicas europeia e muçulmana.

A liberdade de expressão é sagrada e deve ser defendida por todos nós. Mas liberdade implica responsabilidade. Como escreveu John Stuart Mill, um indivíduo é livre de gritar "fogo" num teatro, mas deve estar disposto a assumir as consequências do seu acto. A reprodução das caricaturas em jornais franceses e espanhóis foi um gesto de provocação gratuita e completamente desnecessária. Por acaso serviu para converter os muçulmanos às virtudes da liberdade de expressão? Não. Ajudou ao diálogo entre civilizações e religiões? Não. Contribuiu para a diminuição da tensão geo-política? Não. Retirou força aos islamistas fundamentalistas? Não. Para que serviu então a reprodução das caricaturas, se não para deitar gasolina num braseiro?

É espantoso como em apenas três dias a imprensa europeia fez mais pelo fosso civilizacional que a política externa dos EUA em três anos! Esta última, pelo menos, rege-se por objectivos racionais e promete dar frutos, a médio e longo prazo.

Mas agora que o mal está feito, é evidente que a Europa não pode ceder à barbárie da "rua" muçulmana. Estão em causa os nossos valores fundamentais. Seria pior a emenda que o soneto.

Para terminar, deixo uma pequena provocação: a solidariedade com os jornais escandinavos assumiria esta dimensão se as caricaturas em questão fossem anti-semitas, homofóbicas ou racistas? E se em vez de Maomé, se representasse Moisés ou a figura de um rabino? E se fosse uma daquelas caricaturas feitas na Rússia do século XIX, com a figura do típico judeu vestido de negro e nariz encurvado a chupar o sangue das criancinhas? Não creio que se gerasse toda esta solidariedade. Em certos países europeus, o autor de tais caricaturas seria processado e condenado judicialmente, o que sem dúvida seria 100% merecido.

A verdade é que a Europa indigna-se ao máximo quando alguém toca nos dogmas do seu políticamente correcto, mas acha aceitável ridicularizar as crenças dos católicos e dos muçulmanos.