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segunda-feira, junho 30, 2003

Antigo torturador aguarda julgamento

Uma vitória para a defesa dos direitos humanos: um antigo torturador do regime militar argentino (1976/1983), ex-capitão da Marinha Ricardo Miguel Cavallo, chegou hoje a Espanha, no seguimento do pedido de extradição elaborado pelo juíz Baltazar Garzón, da Audiência Nacional Espanhola.

Cavallo estará detido enquanto aguarda julgamento por crimes de genocídio e terrorismo. Se o exemplo espanhol - de julgar os crimes contra a humanidade independentemente do local onde os estes tiveram lugar - for seguido por outros países, os torturadores e genocidas por esse mundo fora pensarão duas vezes antes de perpretarem os seus crimes. Há que apanhá-los a todos...

Mais informações na edição de hoje do Público

Dois mil doentes em lista de espera vão ser operados na Galiza

Uma boa notícia para quem está nas tristemente célebres listas de espera do SNS. Foi aberto um concurso público para realização de cirurgias na Galiza.

Tolkien e Harry Potter

Nunca li os livros da série Harry Potter (à excepção de uma ou duas espreitadelas no stand de uma livraria). Não me atraem. Admito que talvez seja preconceito meu contra aquele género de literatura... mas simplesmente tenho a impressão de que se trata de histórias para crianças.

Há alguns dias, numa conversa de café, falávamos de "O Senhor dos Anéis" e "Harry Potter". Há quem estabeleça comparações entre as duas obras, como se ambas pertencessem ao domínio do fantástico e das histórias infanto-juvenis. Sinceramente, não creio que assim seja. Embora não tenha lido os livros de J. K Rowling, li todas as obras de J.R.R. Tolkien (à excepção das "Aventuras de Tom Bombadil", salvo erro). Tolkien era um erudito, um professor de linguística com conhecimentos muito superiores aos da escritora britânica. A triologia do "Senhor dos Anéis", a que se juntam "O Silmarillion" e o "O Hobbit" são prova disso; Tolkien criou todo um universo, com várias civilizalações distintas, cada uma com a sua cultura, história, idioma e escrita próprias. A própria prosa do autor modifica-se consoante o assunto tratado; as crónicas dos reis elfos, anões e dunedans são bem diferentes, em termos de estilo, da narração das aventuras do Portador do Anel.

De todos os livros de Tolkien, o que mais gostei foi "O Silmarillion". É onde a imaginação de Tolkien mais se revela, com contos belíssimos. Há quem o compare ao Antigo Testamento da Bíblia; os assuntos tratados (a existência de um Ser Superior responsável pela criação do Universo, a queda do Anjo Mau - Morgoth, etc), lembram-nos o "Génesis". Além disso, o estilo de escrita das crónicas dos elfos trazem-nos à memória os Livros dos Reis e as Crónicas do Antigo Testamento. Estas analogias entre a obra de Tolkien e as escrituras bíblicas não devem ser alheias ao facto de o autor ser um católico fervoroso, para quem o próprio sexo conjugal era impuro ("no sex please... we're hobbits!").

Há quem aponte como falha em Tolkien o facto de existir uma separação clara entre Bem e Mal, num mundo a preto e branco. No entanto, não penso que assim seja; na obra de Tolkien existem seres "perfeitos" que se opõe a seres completamente "imperfeitos", mas a generalidade das personagens são seres de carne e osso, fragéis e sujeitos às tentações do mundo. Mesmo Bilbo e Frodo, os heróis de "O Hobbit" e "O Senhor dos Anéis", estão sujeitos ao poder maléfico do Anel do Poder, capaz de corromper até os melhor intencionados.

No entanto, creio que o mérito da obra de Tolkien não se fica pela prodigiosa imaginação do autor e pela tradicional luta entre o Bem e o Mal - que perpassa toda a obra de Tolkien desde os primeiros capítulos de "O Silmarillion" até às últimas linhas de "O Regresso do Rei". Existe toda uma reflexão sobre a natureza humana (e considero imbuídos de "natureza humana" seres como elfos e hobbits); ambição, sede de poder, traição, ódio e ganância, mas também amor, amizade, generosidade e fraternidade.

Creio que o "Senhor dos Anéis" é uma obra para todas as idades.

Morreu Katherine Hepburn

Morreu Katherine Hepburn, com 96 anos de idade. A Sétima Arte perdeu uma das suas lendas. A carreira cinematográfica de K.H. teve início em 1931, depois de se ter distinguido no teatro. «Vítimas do Divórcio» foi o seu primeiro filme, ao qual se seguiram êxitos como «Glória de uma Vida» (1934), «Adivinhem quem vem jantar» (1967) e «Bruscamente no Verão Passado» (1959). Era conhecida pelo seu carácter rebelde e personalidade forte.


O Primeiro Homem de Roma


Terminei há dias a leitura de "Coroa de Erva", o segundo volume da série "O Primeiro Homem de Roma", da escritora australiana Colleen McCullough (autora do conhecido "Pássaros Feridos"). É uma obra de 1991, da qual tinha já ouvido falar mas que só agora tive oportunidade de ler.

A acção de "Coroa de Erva" desenrola-se entre os anos 98 e 89 a.C., no seguimento do primeiro volume da série. As duas personagens principais, Caio Mário e Lúcio Cornélio Sila, são também as duas personagens centrais da história romana daquele período. O livro conta a forma como Sila, outrora amigo e lugar-tenente de Mário, se tornou o seu maior inimigo e adversário político. Assistimos também às lutas sociais que surgiram depois das reformas agrárias e judiciais introduzidas pelos Gracos.

Depois de no primeiro volume da série termos acompanhado a ascensão e queda de Mário, líder dos populares, sendo o primeiro e único homem a usar a toga praetexta de Cônsul seis anos consecutivos (os dois cônsules anuais eram os chefes máximos da República), em "Coroa de Erva" vemos a forma como Sila ascende à liderança do partido optimate e ao consulado, depois de vários anos como braço direito de Mário. A rivalidade entre os dois homens despontou numa cruel guerra civil que destruiu as forças vivas da República e abriu caminho à implantação do Principado.

A autora recorreu aos historiadores clássicos para elaborar a descrição física e psicológica das personagens, assim como para relatar os factos históricos verídicos em que se enquadra o romance. Embora tenham sido introduzidos alguns elementos ficcionais, a obra corresponde à História de forma bastante fiel. "Coroa de Erva" retrata os bastidores da política romana, com os seus jogos de poder, as conspirações, as guerras civis, os assassinatos, os debates no Senado, as clientelas "partidárias", etc.

Além de Mário e Sila, Mcclough insere na acção outras personagens que marcaram a história da Roma Antiga: Júlio César (que era sobrinho da esposa de Mário), Cícero, Pompeu Magno, Cina, Sertório, Lúculo, etc, para além de soberanos estrangeiros como Mítrídates do Ponto, Tigranes da Arménia e Nicomedes da Bitínia.

Para aqueles que também são apaixonados pela Roma Antiga, recomendo ainda duas obras que li recentemente: o clássico "Os Doze Césares", do historiador romano Suetónio (séc. II d.C.), e o setecentista "Declínio e Queda do Império Romano", de Sir Edward Gibbon (considerado o maior historiador de sempre em língua inglesa). Podem encontrá-los na biblioteca da Universidade do Minho.


sexta-feira, junho 27, 2003

O Quinto dos Infernos


Não tenho por hábito assistir a telenovelas (a última que vi foi a "Tieta do Agreste", quando tinha 10 ou 11 anos de idade), mas recentemente dei umas espreitadelas na série brasileira "Quinto dos Infernos". Fi-lo por curiosidade. Embora sabendo que se trata de uma farsa sem quaisquer pretensões de divulgação da história luso-brasileira, não posso deixar de sentir alguma indignação pela forma como os portugueses são retratados na dita série.

No "Quinto dos Infernos", os portugueses são os covardes que abalaram para o Brasil mal os franceses se aproximaram da fronteira. O Príncipe Regente, futuro D. João VI, é apresentado como um gordo anafado, covarde, "corno", histérico e assustadiço; Carlota Joaquina é uma rainha devassa, imoral e vingativa. Quanto ao princípe D. Miguel, é um lingrinhas efeminado (não sei se homossexual) que não gosta de exercícios físicos. Resta o príncipe D. Pedro, o herói da independência brasileira. Esse possui todas "virtudes" e "qualidades" do brasileiro ideal: alegre, bondoso, engatatão, atraente, desportista, mulherengo, etc. Os produtores da série parecem esquecer que o "herói do Ipiranga" teve mais tarde de abdicar do trono imperial porque foi acusado de despotismo... mas isso é lá com eles.

Embora seja apenas uma série, creio que reflecte a imagem que os brasileiros ainda têm de Portugal. Noto que muitos brasileiros continuam a culpar Portugal pelas suas desgraças. O Brasil é atrasado? Culpa dos portugueses. Existem milhões de pobres no Brasil? Culpa dos portugueses. Existem latifundiários que concentram a terra nas suas mãos? Culpa dos portugueses. Além disso, acusam-nos de ter pilhado as riquezas do Brasil, esquecendo-se que "pilhámos" talvez um décimo do que lá deixamos, e que para povoarmos o Brasil tínhamos de ter algum motivo para o fazer.

F.A.

"A Separação Entre Islão e o Estado Tem de Ser Absoluta"


Um exemplo de tolerância no mundo islâmico, que desmente aqueles que consideram ser impossível instalar democracias em países islâmicos: leiam a entrevista que "Gus Dur", ex-presidente da Indonésia, concedeu à edição de hoje do jornal "Público".

O ex-presidente afirma-se defensor da separação entre Estado e religião, e desvaloriza a importância dos grupos radicais.

quinta-feira, junho 26, 2003

A derradeira obra de João César Monteiro

Estreia esta semana o último filme de João César Monteiro (JCM), o polémico realizador de "Recordações da Casa Amarela", a "Comédia de Deus" e "Branca de Neve". Aclamado no último festival de Cannes, "Vai e vem" narra a história do senhor João Vuvu, parente próximo de João de Deus (alter ego de JCM em vários dos seus filmes), viúvo e muito pouco sociável, que efectua diariamente o mesmo passeio no autocarro nº100, entre a Praça das Flores e o Jardim do Príncipe Real.

Os trabalhos de montagem de "Vai e vem" foram finalizados cerca de um mês antes da morte do actor e realizador JCM. Segundo Paulo Branco - que para além de seu amigo pessoal foi produtor de vários dos seus filmes, incluindo "Vai e vem" - JCM pensava ainda ter tempo para realizar um último filme, não tendo mesmo aplicado certas ideias em "Vai e vem" de modo a podê-las usar mais tarde.

Ficha Técnica:
Título: "Vai e vem"
De: João César Monteiro
Com: João César Monteiro, Joaquina Chicau, Rita Pereira Marques
Outros dados: Portugal, 2003, Cores, 179 min.

Napoleão, armas quí­micas e os neo-conservatives


Robert Kagan, um dos chamados "neo-conservatives", continua a apoiar o presidente Bush na sua cruzada global contra o Mal... a quem quer compreender melhor as ideias destes republicanos que se consideram imbuí­dos da sagrada missão de construir um mundo à  semelhança dos States, aconselho a ler dois artigos de Kagan, publicados no Washington Post, "Napoleonic Fervor" (Post, 23 de Fevereiro) e "A plot to deceive" (Post, 8 de Junho).


No primeiro destes artigos Kagan critica os franceses por ainda estarem imbuídos do "espiríto de Napoleão", em que se age de acordo com o mote "victory or death, but always with glory". Deixando de parte estas considerações sobre o sentido de honra e glória dos gauleses, é curioso verificar que a "vocação messiânica" dos neo-conservatives é muito parecida com a ideologia napoleónica. Napoleão queria construir uma Europa unida, dirigida pela França. A ideia de grande Império era indissociável dos ideais da Revolução; daí­ que as Invasões Francesas tenham espalhado pela Europa os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Por isso os maiores inimigos de Napoleão eram os reis absolutistas por ele depostos e as classes privilegiadas do Ancien Regime (alto clero e nobreza). Em tudo isto, vejo muitas semelhanças com os ideais dos neo-conservatives... e também estes não se importam de destruir meio mundo para atingir os seus objectivos.


No segundo artigo, Kagan ataca a hipótese de existir uma conspiração para falsificação de provas da existência de armas químicas no Iraque. Para Kagan, mais importante que o facto de estas armas nunca terem sido encontradas, é o facto de os dirigentes americanos dizerem que elas existem. Parece o dogma da infalibilidade pontifí­cia; se George W. Bush diz que existem, é porque existem, pois ele é infalí­vel...

quarta-feira, junho 25, 2003

Jornal de Poesia

Para quem gosta de poesia, um jornal online de poesia.

Encontrei-o numa das minhas deambulações pela net. Bastante interessante.

100 anos de George Orwell

Comemora-se hoje o centenário do nascimento de George Orwell (1903/1950), autor de "1984" e "O Triunfo dos Porcos", entre outras obras. Tomei a liberdade de aqui reproduzir um artigo da autoria de Alexandra Lucas Coelho, publicado na edição de hoje do "Público", a respeito do escritor britânico:


O Big Brother está no meio de nós


Para a maioria dos espectadores de televisão - ou seja, para a maioria das pessoas -, o Big Brother é aquele concurso. A obra em que George Orwell o concebeu, "1984", será desconhecida de grande parte. O que isto significa não é que Orwell tenha uma importância obscura, passados hoje cem anos sobre o seu nascimento. Pelo contrário. Como (quase) todos os escritores, Orwell é, de facto, um nome sem notoriedade global. Mas, como (quase?) nenhum outro escritor político do século XX, o que ele escreveu entrou no subconsciente colectivo, faz parte da linguagem comum.

A expressão Big Brother - o olho que tudo vigia, literalmente aplicado no concurso: a câmara ligada 24 horas, emitindo para fora da Casa tudo o que se passa dentro da Casa -, é tão imediatamente reconhecida em Trás-os-Montes como numa povoação da Amazónia, havendo televisão. Despojado da sua complexidade política, o Big Brother foi absorvido e difundido como nunca pelo Big Brother - o écrã que representava a omnipresença do ditador, no livro visionário de Orwell.

E, de forma menos abrangente, adjectivos como "orwelliano" ou a frase "todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros" (de "O Triunfo dos Porcos", sátira à revolução corrompida pelo totalitarismo) continuam a ser usados na comunicação - são um significado, mesmo quando a sua origem não é reconhecida.

Num domínio ainda mais estrito, o do pensamento sobre o mundo contemporâneo, a obra de Orwell - sobretudo "1984" e o ensaio "Politics and English Language" - continua a impressionar pela sua espantosa antecipação de como o poder se amplia e perpetua através do uso da tecnologia e da manipulação da linguagem. Em meados dos anos 40, o desenvolvimento da TV e da propaganda política estavam a anos-luz da sofisticação que Orwell visionou, e hoje reconhecemos.

Quanto à eventual perda de actualidade de "1984" e de "O Triunfo dos Porcos" depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, a denúncia que ambos contêm não se dirige apenas ao totalitarismo comunista, mas a qualquer forma de totalitarismo ou opressão. Assim quis Orwell. E será bastante inútil, hoje, instrumentalizá-lo à esquerda ou à direita. Escreveu contra o imperialismo britânico, escreveu e lutou contra o fascismo, escreveu contra o comunismo a partir da Guerra Civil de Espanha. Foi até ao fim, declaradamente, "um socialista democrático".

Deixou no armário um esqueleto, a lista dos 38 nomes eventualmente membros ou próximos do Partido Comunista que ele entregou a um departamento semi-secreto do governo britânico em 1949. O historiador Timothy Garton Ash divulgou a lista na última edição da revista do "Guardian" (21/06). E no ensaio que acompanha a publicação defende Orwell, à luz do contexto, político e pessoal, da época (ver texto nestas páginas).


A experiência do império

Eric Arthur Blair, que viria a usar como pseudónimo George Orwell, nasceu a 25 de Junho de 1903 em Motihari, na Índia, numa família de funcionários da administração colonial britânica - "classe média baixa-alta", ironizava ele, ou seja, com as aspirações e os preconceitos da alta e a capacidade financeira da baixa.

Viaja ainda em bebé para Inglaterra, faz o liceu em Eton, entre os privilegiados, e decide alistar-se na polícia imperial aos 19 anos, em vez de ir para a universidade. Entre 1922 e 1927 vive a experiência colonial na Birmânia, até não a suportar mais. Denunciaria anos depois a opressão do império no livro "Burmese Days" (1934).

De 1928 a 1932, entre a escrita e trabalhos pontuais (como lavar pratos), deambula pelas zonas operárias ou boémias de Londres e Paris. Tenta, e falha, criar novelas "à Joyce". É em Paris que pela primeira vez será hospitalizado com pneumonia. Tem então apenas 25 anos. Regressa a Inglaterra para dar aulas, publica "Down and Out in Paris and London", o seu primeiro livro, assinando George Orwell. Desiste de dar aulas, começa a colaborar em jornais e revistas, em 1935 conhece Eileen O'Shaughnessy, uma estudante de psicologia com quem virá a casar. Investiga a vida nas zonas industriais no Norte de Inglaterra, torna-se socialista.


A experiência da Catalunha

Em 1936 parte com Eileen para combater os fascistas na Guerra Civil de Espanha, integrado no Partido Operário de Unificação Marxista (POUM). É aqui, na Catalunha, que vê os estalinistas perseguirem camaradas que supostamente estariam do mesmo lado: os marxistas heterodoxos do POUM, e depois, numa repressão maciça, os anarquistas. Ferido na frente por uma bala dos homens de Franco, Orwell recupera num hospital e foge para Inglaterra em 1937. "Homenagem à Catalunha" (1938) é o livro em que descreverá a matança cometida pelos comunistas fiéis a Moscovo - tentando contrariar a recepção branqueada dos acontecimentos entre a esquerda britânica.

Passa a II Guerra em Londres, depois de se ter tentado alistar (recusaram-no, por causa dos pulmões). Escreve nos jornais. Em 1941 a BBC contrata-o para as emissões destinadas à Índia. O desencanto com a máquina de propaganda televisiva em tempo de guerra leva-o a demitir-se - e será recuperada, recriada em "1984".

Acaba de escrever "O Triunfo dos Porcos" em 1944. Concebido inicialmente como uma sátira ao que aconteceu à revolução russa, o livro é recusado por mais do que um editor - incluindo Jonathan Cape, a conselho de T.S. Eliot. A URSS era aliada na guerra contra Hitler, a paródia constituía um embaraço.

Orwell torna-se correspondente de guerra do "Observer", vai a Paris (onde se encontra com Hemingway), à Alemanha, à Áustria. Eileen morre, entretanto, ao ser anestesiada para uma operação. "O Triunfo dos Porcos" é publicado, com grande sucesso, em 1945. Orwell refugia-se com o filho adoptado, Richard, numa pequena quinta, numa ilha escocesa.

É aí que, cada vez mais doente, começa a trabalhar na sua obra derradeira, em que representará minuciosamente a distopia de um mundo futuro, dominado pelo Big Brother, em que cada cidadão é permanentemente vigiado por um écrã, em que o amor, o prazer, a liberdade, são crimes. Um mundo com três máximas: "Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força". Em que o rosto dos dissidentes é projectado em sessões chamadas Dois Minutos de Ódio. Em que existe uma Polícia do Pensamento. Em que o Inglês, velha língua, foi substituído pelo Newspeak, nova língua - uma língua que agrega, mutila, exclui, anula, enfim, serve o poder, revisionária ao ponto de proceder à tradução da literatura que está para trás. É "1984".

O livro é publicado em Junho de 1949, com sucesso imediato. Em Outubro, Orwell casa-se com uma velha amiga, Sonia Brownell, em parte para dar uma tutora a Richard. Morre a 21 de Janeiro de 1950 no hospital. Não chega a cumprir 47 anos. Há uma frase em que resume o seu projecto da sua obra: "Tornar a escrita política numa arte".

Regulamentar o jornalismo universitário


O jornalismo universitário constitui um primeiro contacto estudantes universitários com a prática jornalística. Esse primeiro contacto é particularmente importante para os estudantes de cursos de comunicação social e jornalismo.

Portugal conta com dezenas de jornais universitários, na sua maioria publicações mensais ou semestrais. Neste terreno, a Universidade do Minho é particularmente fértil; a nossa Academia pode orgulhar-se de contar com o único semanário universitário nacional, o "Académico", o quinzenário "UMdicas Jornal", e ainda o mensário "UMjornal". Há também dois projectos independentes, o "Universum" e o "Impacto", num total de cinco publicações periódicas. Além disso, subsistem numerosos jornais e revistas pertencentes a associações ou núcleos de curso, de periodicidade semestral ou mesmo anual, como a "RAE", a "Comum", o "JornalECO", o "Derectum", etc.

Perante esta proliferação de jornais universitários - e dada a importância que estes assumem enquanto "laboratórios de jornalismo" e complementos práticos de cursos por vezes demasiado teóricos - há quem pretenda regulamentar o sector, de forma a conferir-lhe melhores condições de trabalho e elevar a qualidade jornalística das publicações. Entre outras coisas, fala-se na criação de um cartão de jornalista universitário, que facilite o trabalho dos meios de comunicação social académicos e que os reconheça enquanto tal. Em meu entender, esta regulamentação só peca por atraso; há anos que devia ter sido feita.

No entanto, creio que tal regulamentação deve ser feita sem esquecer que a maioria das publicações universitárias são extremamente dependentes das instituições que as financiam (universidades, associações académicas, etc). Essa dependência deve-se a dois factores: em primeiro lugar, a maioria dos jornais universitários não têm departamentos comerciais encarregues da angariação de patrocínios e publicidade que lhes garantam a auto-subsistência. Privados da sua independência financeira, vêm-se obrigados a estender a mão à porta de quem detém o poder político/económico... e como diz o Prof. César das Neves, "não há almoços grátis"! Em segundo lugar, muitas publicações universitárias são institucionais, o que à partida significa que devem defender a imagem e as posições oficiais de quem as possui. Nesses casos, trata-se de orgãos oficiais de determinadas instituições, com uma linha editorial definida e condicionada pela sua própria natureza.

Tendo em conta estes factos, creio que a referida regulamentação deve procurar fazer o seguinte:

1. Apenas conceder o estatuto de jornalista universitário a quem provar conhecer e respeitar todos os princípios éticos e deontológicos do jornalismo. Caso contrário, os jornais universitários tornam-se escolas de maus hábitos.

2. Apenas reconhecer como orgãos de comunicação social os jornais cujas direcções não estejam "reféns" de poderes universitários ou associativos que possuam ou financiem o jornal. Ou seja, as publicações que possuam estruturas legais que lhes garantam independência editorial total perante quem os financia, de forma a que sejam realmente orgãos de informação e não de propaganda...

3. Criar estruturas a nível nacional que zelem pela qualidade, isenção, rigor e independência dos jornais universitários, condicionando por estes parâmetros o seu reconhecimento como orgãos de comunicação e a eventual atribuição de apoios estatais.

4. No caso das publicações institucionais, impôr a obrigatoriedade de estas se assumirem claramente como tal, mediante a publicação da sua linha editorial. Desta forma, impede-se que jornais institucionais se assumam como orgãos de informação geral, distinção esta que a própria lei já contempla, mas que tem sido "esquecida" por muitos, induzindo os leitores em erro...

Para terminar, gostava de lançar um repto a todos os "jornalistas" universitários: não "vendam" o vosso talento e a vossa dignidade. Lembrem-se que mais importante que publicar uns quantos artigos - e, para muitos, o que importa é publicar não importa onde, apenas para fazer currículo e criar "portfolio" - é exercer o jornalismo de forma verdadeiramente digna, isenta e independente. Não pactuem com a censura, pois o tempo dos "coronéis de lápis azul" já lá vai! Dignidade acima de tudo. Pois como dizia um velho amigo meu, "quanto mais um homem se baixa, mais se lhe vê o rabo..."

F.A.


Elogio aos desalinhados


Diz-se que o português típico é acomodado e egoísta, preocupando-se apenas com o interesse próprio e deixando para segundo plano o bem comum. A causa pública é a causa dos outros, e não a causa que também é dele. Não sei se esse estereótipo será adequado, mas vejo que existe uma falta de civismo dos portugueses em geral, que se reflecte em questões como o respeito pelo Estado ou a defesa do ambiente, entre outras. Todos criticam os empresários ou os políticos desonestos, mas todo o português que se preze foge aos impostos. Todos criticam as empresas poluidoras do ambiente, mas todos atiram para o chão o seu maço de tabaco vazio.

O português típico é também avesso a riscos; prefere ter uma pomba na mão do que duas a voar. Cautelas saudáveis de um povo inteligente, dirão alguns. Receios estúpidos de gente mesquinha e medrosa, sem garra e ambição, dirão outros.
Ser dinâmico e ousado, em Portugal, é ser um "desalinhado", por destoar do cizentismo dos seus concidadãos. O ânimo dos desalinhados incomoda aqueles que sofrem de cinismo crónico. Como refere Francesco Alberoni no seu magnífico "Esperança", nada incomoda mais a um cínico do que alguém com entusiasmo, porque este constitui uma ameaça à sua posição social. E daí que tente, a todo o custo, abafar esse entusiasmo que existe nos outros. O cínico sabe que nunca teria capacidade para sentir esse entusiasmo que dá côr e vitalidade à condição humana. O cínico inveja o desalinhado que ousa sonhar com um mundo melhor, porque há muito que ele próprio perdeu o dom de sonhar. O cínico limita-se a fazer o que a sociedade lhe pede, pensando por isso que tem direito a mais recompensas do que aqueles que trilham o seu próprio caminho. Mas são geralmente aqueles que ousam trilhar o seu próprio caminho que conseguem mudar a sociedade para melhor. Contudo, o cínico não vê isso... prefere caluniar ou atacar quem é diferente, especialmente se esse alguém tem sucesso a nível social ou profissional.

Fala-se muito do mal de Portugal. Alguns pôem as suas esperanças na mudança de governo. Mas não creio que a solução passe por aí. O mal de Portugal é um mal civilizacional, ligado à mentalidade dos portugueses. O mal de Portugal é o facto de o Cinismo ter sido promovido à categoria de valor social. Os portugueses têm de redescobrir os verdadeiros valores, que sempre existiram na nossa cultura mas que nunca foram suficientemente estimados.

F.A.