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sexta-feira, agosto 29, 2003

OS FOGOS FLORESTAIS marcaram este Verão. Afinal, este ano não houve silly season, porque mesmo em férias os políticos andaram bem ocupados. Alguns deles interromperam as férias para lançar críticas à política florestal do Governo... é curioso ver indivíduos que passaram toda a vida em Lisboa e não distinguem um pinheiro de um eucalipto, falarem de políticas florestais como se fossem doutorados na matéria! E afinal, que soluções propõem esses senhores? Mais investimento na aquisição de meios de combate aos incêndios - quando está provado que não existem poucos meios, mas apenas má coordenação do uso dos mesmos - e criação de umas tantas comissões para estudar o problema dos fogos, ou seja, ainda mais jobs for the boys. Aproveitam ainda para criticar o Governo pelos cortes orçamentais no sector, esquecendo-se que o que se quer é melhores resultados com menos custos, o que é perfeitamente possível. Além disso, criticam a "falta de coordenação", mas esquecem-se que durante os seus seis anos de governo nada fizeram no sentido de criar uma estrutura central de comando no combate aos incêndios.


Deixem-me pois dar agora o meu pequeno contributo para a discussão em torno da questão dos incêndios (e creio estar "autorizado" a fazê-lo, visto que nasci e cresci numa zona rural rodeada de florestas). Penso que a solução para a diminuição dos fogos florestais passa pelo seguinte:

- Fixação de um preço mínimo para a madeira queimada (o mais elevado possível, desde que mais baixo que o preço da madeira normal). Não tenho dúvidas que a maioria dos fogos postos estão ligados a interesses dos madeireiros.

- Criar uma lei semelhante à que já existe em relação aos edifícios abandonados; quando uma destas construções ameaçam a segurança pública, devido à eminência do seu colapso, as autarquias podem expropriá-las, isto se os proprietários não procederem ao necessário restauro. Com as matas podemos fazer o mesmo: quando os respectivos donos não as quiserem limpar, o Estado devia poder expropriá-las. Tendo em conta que existem centenas de milhar de propriedades abandonadas (registadas em nome de pessoas falecidas há mais de cem anos, em alguns casos), o Estado tornar-se-ia assim no maior proprietário florestal do país. Desse modo, poderia melhorar e coordenar a exploração florestal (através da criação de uma agência estatal disso encarregue), ou simplesmente concessionar ou vender a privados essas grandes extensões florestais. Conseguiríamos assim matar dois coelhos com uma só cajadada: menor risco de ocorrência de fogos e melhor aproveitamento dos recursos florestais, com explorações mais rentáveis. E lembrem-se que estamos a falar de um sector responsável por quase dez por cento do PIB cuja rentabilidade é posta em causa pela excessiva parcelização das propriedades.

- Criação de um comando único, um "estado maior central", encarregue da coordenação dos meios de combate aos fogos e de protecção civil a nível nacional. Os militares poderiam dar um importante contributo nesta área.

- Melhor aproveitamento dos meios militares para combater os fogos. Por exemplo, na Grécia os aviões militares de vigilância marítima são utilizados na luta contra os incêndios.

AS MINHAS FÉRIAS estão prestes a terminar. Embora curtas, souberam-me pela vida; descansei a cabeça, recarreguei as baterias. Por opção própria, desliguei o telemóvel durante um mês. Por opção própria, isolei-me de tudo. Que sossego! E pensar que no início de Agosto não estava com grande vontade de "parar". Aliás, sou sempre assim todos os anos; no fim do segundo semestre, não tenho grande vontade de ir para férias ("vai ser uma seca, não se passa nada, etc"). Mas basta uma semana na minha cidade natal, Viana, para mudar completamente de ideias. E depois o cenário inverte-se: não quero é que as férias terminem tão cedo.

sexta-feira, agosto 22, 2003

UMA LUFADA DE AR FRESCO O blog Homem de Cuecas, de um bom amigo meu.

quinta-feira, agosto 21, 2003

MAGGIOLO GOUVEIA O tempo ainda não apagou por completo os vestígios da experiência colonial portuguesa. Ainda são muitos os ex-combatentes que guardam recordações traumáticas da guerra; ainda são muitos os retornados que lembram a "sua" África com um misto de mágoa e saudade... e ainda são muitos os episódios e figuras históricas controversas, que ainda hoje dividem o espectro político e ideológico português.

O Tenente Coronel Maggiolo Gouveia é sem dúvida uma dessas figuras. Antigo combatente em África, comandante da Polícia de Segurança Pública (PSP) de Dili na altura do 25 de Abril, Maggiolo Gouveia foi torturado e executado pela Frente Timorense de Libertação Nacional (FRETILIN) em 1975.

No Verão de 1975, a União Democrática Timorense (UDT, movimento político que hoje consideraríamos do chamado "centro direita"), lançou um golpe de estado em Timor. Na altura, era governador de Timor o General Lemos Pires. Cumprindo ordens de Lisboa, e perante a impossibilidade de repôr a ordem, o general ordenou a evacuação dos soldados e funcionários metropolitanos para a ilha de Ataúro, ao largo de Timor. Maggiolo Gouveia, então comandante da PSP, foi aprisionado pela UDT durante o golpe. O governador, que dispunha ainda de uma companhia de páraquedistas, ameaçou o uso da força caso a UDT não libertasse o tenente coronel. No entanto, a libertação deste foi posta de parte, pois Maggiolo Gouveia anunciou pela rádio a sua adesão à UDT e a um Timor independente. Os termos que usou nessa declaração contribuiram para a sua lenda; afirmando agir em nome da sua consciência e para bem do povo timorense, rematou com vivas a Portugal, a Timor e ao Partido Socialista.
Alguns meses depois, já aprisionado pela Fretilin, foi torturado e executado juntamente com dezenas de outros elementos da UDT.

Devo dizer que concordo com a homenagem prestada ao Tenente-Coronel. Para alguns, ele é um desertor. Mas quem não foi desertor, numa época em o exército derrubava regimes (e bem derrubado foi!)? Quem não foi desertor, quando as Forças Armadas se recusaram a combater um dia mais que fosse em defesa das colónias? Quem não foi desertor, quando deixámos indefesos um milhão de portugueses? Quem não foi desertor, quando abandonámos os povos africanos a ditaduras muito mais cruéis e sanguinárias que os nossos quarenta anos de Salazarismo?

O Tenente-Coronel foi um desertor. Abandonou o posto e a patente. Mas foi porque amava o país que o acolheu. Foi porque se recusou a fugir com o rabo entre as pernas, abandonando os timorenses a uma ditadura soviética. É claro que para alguns sectores da Esquerda, é complicado aceitar os erros dos seus compagnons de route. E por isso desculpam todas as atrocidades, desde que tenham sido feitas em nome da "causa". Fuzilamentos? Eram fascistas, mereciam. Gulags? Eram subversivos, e o trabalho faz bem à saúde, já para não falar do ar puro da Sibéria! Censura? Não, pedagogia e educação das massas, defendendo o Estado através da supressão das opiniões subversivas. Repressão sindical? Não, porque num regime comunista os operários não precisam de fazer greve, porque já não existe exploração do homem pelo homem! Culto da personalidade? Não... apenas reconhecimento público e espontâneo do justo mérito de nobres indivíduos como Estaline, Mao Tsé Tung, Kim Il Sung, etc.

Claro que o que acabei de referir também é válido para aqueles sectores da direita que teimam em esquecer os defeitos ou elogiar as "virtudes" dos regimes fascistas e corporativos. No fundo, os de extrema-esquerda e os de extrema-direita são iguais; não respeitam o sagrado direito à liberdade de pensamento e expressão. Subordinam totalmente os interesses do indíviduo aos do Estado, esquecendo que o Estado vive para as pessoas e não estas para o Estado. Consideram-se donos da verdade, achando-se no direito de impôr essa mesma "verdade" aos outros. Arrogam-se ao direito de "salvar a Pátria" e de falar em nome dela, como se fossem mais filhos desta que aqueles que pensam de forma diferente da deles. Poderá um filho ser considerado mais filho que os seus irmãos? Na verdade, pode suceder que um dos filhos seja mais capaz e sensato que os outros. Mas para o seu pai, nenhum deixa de ser filho ou de ter direitos filiais por ser insensato ou incompetente.

Creio que foi Voltaire quem disse que "o verdadeiro democrata é aquele que seria capaz de dar a vida pelas liberdades cívicas dos seus adversários políticos"(1). Não podia estar mais de acordo. O verdadeiro democrata é aquele coloca a democracia acima dos seus próprios interesses, sejam estes pessoais ou políticos. É aquele que, antes de acreditar ou seguir qualquer ideologia político-partidária, acredita no ideal democrático. Se não o faz, se coloca os interesses pessoais ou partidários à frente de tudo o resto, não é um democrata. Só um verdadeiro democrata consegue ser tolerante em relação às ideias dos outros; e só um verdadeiro democrata consegue assumir que ele próprio possa estar errado... que ele não é senhor da verdade.

No entanto, a democracia tem limites, limites esses que são ditados pela necessidade de proteger o próprio sistema democrático. Mas mesmo essas limitações devem ser pensadas no sentido de restringir os direitos cívicos apenas na medida do necessário e da forma mais leve possível.

A democracia representativa é, sem dúvida, o sistema político mais avançado que a Humanidade jamais concebeu(2). Nesta nossa época de políticos pepsodent, sem qualquer espinha dorsal, citar um homem "duro" como Winston Churchill tornou-se muito comum; e creio que também aqui o velho estadista britânico poderá ser evocado. Disse ele que "a democracia representativa é o mais imperfeito dos sistemas políticos, se exceptuarmos todos os outros". Tomo a liberdade de fazer minhas as suas palavras.

Não sabemos se a UDT, movimento a que aderiu o Tenente-Coronel Maggiolo Gouveia, tencionava realmente implantar a democracia em Timor. Mas sabemos que a UDT pretendia manter os laços com Portugal até 1978, altura em que teriam lugar eleições seguidas da independência. Sabemos, também, que a democracia que Maggiolo Gouveia defendia para Portugal(3) era a mesma que desejava para Timor, e que foi em nome desse mesmo ideal que ele aderiu à UDT, e pelo qual seria mais tarde executado.

Sabemos também o que a Fretilin queria; a instauração de um regime comunista em Timor. É curioso ver agora o sr. Alkatiri, primeiro ministro timorense, para além de negar envolvimento da Fretilin na morte do Tenente Coronel(4), dizer ainda que a guerra civil e a subsequente invasão indonésia foram provocadas por Maggiolo Gouveia. Não é preciso ser um génio para descobrir a falácia que tais afirmações escondem; antes de mais, o golpe da UDT teve lugar dias antes da adesão de Maggiolo Gouveia ao movimento. É possível que o tenente-coronel fizesse parte dos conjurados em segredo, e que a sua prisão pela UDT tenha sido apenas um disfarce. Mas não há provas disso; logo, como poderia ser ele o causador da guerra civil? Em segundo lugar, o golpe da UDT realizou-se quando se tornaram claras as intenções da Fretilin, e que Portugal nada faria para prolongar a sua estadia na ilha até à instauração de um regime democrático. Por último, a invasão indonésia encontrou um pretexto(5) no facto de a Fretilin pretender instaurar um regime comunista na ilha.

No entanto, parece-me que o ministro Paulo Portas escolheu uma linguagem imprópria para homenagear o Tenente-Coronel. E digo imprópria porque as suas afirmações(6) deram argumentos a certos sectores para atacarem a memória do homenageado, cuja família merecia agora paz e serenidade. Por muito que concorde com a homenagem, não posso deixar de a ver como mais uma manobra trauliteira do ministro.


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(1) – Tomei a liberdade de traduzir esta expressão de uma forma livre e aproximada. Não deve, portanto, ser levada à letra, embora o seu sentido seja exactamente o mesmo.

(2) – Considero a democracia ateniense menos avançada que a nossa; embora aquela fosse directa e não representativa - todos os cidadãos podiam participar directamente na vida política - Atenas tinha menos de 30 mil cidadãos, uma gota de água quando comparada com os milhões de cidadãos das democracias modernas. Além disso, a maioria da população estava excluída da cidadania. Quanto às outras repúblicas da Antiguidade (Roma, Cartago, etc), não creio que possam ser consideradas democracias, mas sim oligarquias aristocráticas ou mercantis.

(3) – Os "vivas" ao Partido Socialista (PS), na sua célebre alocução radiofónica, deviam-se ao facto de Maggiolo Gouveia considerar o PS como o único partido capaz de salvar Portugal quer do regresso ao fascismo, quer da implantação do comunismo (in "Público", 14 de Agosto de 2003).

(4) – O último sobrevivente do pelotão que fuzilou o Tenente-Coronel revelou, em entrevista concedida ao jornalista Adelino Gomes (in "Público", 14 de Agosto de 2003), que a ordem de execução fora dada pelo próprio Comité Central da Fretilin, por considerar que Maggiolo Gouveia poderia vir a ser, no futuro, presidente de Timor. O então presidente da auto-proclamada "República Democrática de Timor Leste" (RDTL), também em declarações prestadas ao mesmo jornalista, confirmou esta versão.

(5) – Na véspera da invasão indonésia, o ditador indonésio Suharto pediu autorização ao presidente americano Gerald Ford para invadir Timor, a pretexto da instauração de um regime comunista na ilha. Refira-se que a instalação de um tal regime naquela área estratégica (perto da passagem entre o Índico para o Pacífico) seria muito inconveniente para os Estados Unidos e para a própria Indonésia.

(6) – Paulo Portas referiu que Maggiolo Gouveia lutou contra a "(...) sovietização de Timor".