OS IDOS DE MARÇO O Abrupto e a Bomba recordaram o assassinato de César, ocorrido a 15 de Março do ano 44 a.C.. Da minha parte, e como que a assinalar a efeméride, republico um velho post meu (10/12/2003) sobre esta personagem central na história da Roma Antiga e da própria Europa:
"Dois mil anos depois da sua morte, César (Caius Iulius Caesar – 100 a 44 a.C.) continua a dividir opiniões. Muitos consideram-no um homem obcecado pelo poder, capaz de tudo para o atingir. Vêem-no como um inimigo da liberdade, um general que derrubou a república romana e instituiu a tirania. Eu, contudo, admiro César pela sua genialidade, coragem e ousadia.
A República que César derrubou não era propriamente uma democracia. Algumas dezenas de famílias aristocráticas – tanto da nobreza patrícia como da nobreza plebeia - controlavam a vida política e económica de Roma, sendo igualmente os principais beneficiários das grandes conquistas do séc. II e I a.C., pelas quais se tornaram proprietárias de gigantescos domínios fundiários na Itália, África e Hispânia. As províncias eram exploradas de forma brutal pelos governadores nomeados pelo senado; não tendo de prestar contas a ninguém, estes procônsules viam as províncias como possessões pessoais que sugavam até ao tutano. Ao fim de contas, a libertas que Bruto e Cícero tão apregoavam era o direito dos poderosos usarem as leis e as instituições em seu próprio proveito.
A enorme extensão do império tornava necessária a instauração de um poder central forte. O império não podia continuar a ser dirigido por um senado dividido por violentas facções rivais e sacudido por sangrentas guerras civis. Este estado de coisas tornava Roma extremamente vulnerável face aos bárbaros, como se pôde ver pela invasão dos Cimbros e Teutões (104 a.C.), que quase destruiu o império.
É verdade que César cometeu actos cruéis: os massacres dos lusitanos (que acabaram definitivamente com a resistência destes ao domínio romano), e das tribos belgas e gaulesas; a mutilação dos dois mil defensores da fortaleza gaulesa de Uxoledonum, para dar o exemplo aos restantes combatentes gauleses; e a execução de Vercingetórix, depois do seu triunfo. No entanto, e por mais condenáveis que nos pareçam tais actos, a verdade é que César agiu conforme a mentalidade da época, dando ao mesmo tempo provas de grande generosidade, honradez e magnanimidade. Recusou decretar proscrições, amnistiando todos os partidários de Pompeu, à excepção dos que, depois de perdoados, pegaram novamente em armas contra ele. Reabilitou os filhos dos proscritos de Sila. Promulgou leis a favor do povo, com a criação de colónias no ultramar para veteranos das legiões e proletários das cidades. Não perseguiu os adversários políticos, por entender que a oposição era necessária para aperfeiçoar o seu governo. Concedeu a cidadania integral aos italianos, tornando-os iguais em direitos e deveres ao habitantes de Roma. Obrigou os governadores provinciais a prestar contas pelos seus mandatos. Pôs em marcha um vasto programa de obras públicas, tanto em Roma como nas províncias.
Do ponto de vista militar, César foi um comandante brilhante. A rapidez com que se deslocava, a consideração que demonstrava pela vida dos seus soldados (chorou os quinhentos homens que perdeu em Gergóvia), e a ousadia das suas campanhas fazem dele um dos melhores generais de sempre. As vitórias de Alésia, Farsália, Alexandria e Munda revelam que a vitória não depende do número ou da logística, mas da capacidade dos comandantes e da qualidade e motivação das tropas.
Paradoxalmente, ao assassinarem César, os conspiradores dos Idos de Março acabaram por dar ainda mais força ao cesarismo. A guerra civil que se seguiu permitiu a instituição do Principado e pôs fim a cinco séculos de república aristocrática. Augusto e os seus sucessores levaram o cesarismo ao extremo, suprimindo as liberdades públicas e instaurando um regime monárquico sob uma fachada republicana."
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