ECCE HOMO (III) Assisti ontem à "Paixão de Cristo", pelo que posso finalmente comentar este polémico filme de Mel Gibson.
Trata-se, de facto, de um filme de grande violência. Há jorros de sangue q.b, costelas expostas, olhos desfeitos, etc. É violência a mais. Mas não creio que, como algumas pessoas escreveram, se tenha produzido uma "privatização da violência", como se o sofrimento de Jesus fosse superior ao de todos os restantes supliciados pelo poder imperial romano. Creio que, pelo contrário, o realizador quis mostrar que os tormentos infligidos ao Filho do Homem simbolizam o sofrimento de todos aqueles que, por esse mundo fora e ao longo de toda a história da Humanidade, defenderam a verdade e a justiça contra os abusos dos detentores do poder. E isto não obstante "A Paixão..." ser apenas um filme religioso e não um manifesto político. Esta é, obviamente, uma opinião minha, de que outros certamente discordarão.
Creio que a extrema violência prejudica o filme, tornando-o demasiado brutal. No entanto, a fotografia e os efeitos especiais são de grande qualidade.
Mas não foi a violência que realmente me incomodou em "A Paixão de Cristo", mas sim a imagem que o filme dá dos Judeus. Mel Gibson quis reproduzir fielmente os evangelhos (ou melhor, um deles, o de S. Mateus, precisamente o mais anti-semita); há que ter em conta que os textos bíblicos não pretendem ser relatos históricos, e que um filme baseado nos mesmos não se pode assimir como tal. Foi o que Gibson fez, infelizmente, quando disse que este filme é "uma reprodução fiel das últimas horas de Jesus Cristo". Numa altura em que os ódios políticos, ideológicos e religiosos renascem um pouco por todo o mundo, é pena que este filme contribua ainda mais para o renascer do anti-semitismo e para a demonização dos judeus enquanto povo maldito.
O Pilatos de "A Paixão de Cristo" é um governador débil, com medo de Caifás e dos arruaceiros de Jerusálem. Manipulado pela mulher - encarnação típica da matrona romana benfeitora do cristianismo - demonstra pena e humanidade para com o Nazareno. Gibson coloca de um lado os gentios simpáticos, sensíveis e humanos (coisas que, na realidade, Pilatos não era), e do outro os judeus mauzões, sedentos do sangue de Jesus. O filme fica a perder com esta visão maniqueísta das coisas e tão afastada da verdade histórica (sobre este assunto, ver os anteriores posts, "Ecce Homo I" e "Ecce Homo II").
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