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sexta-feira, janeiro 20, 2006

PROGNÓSTICOS Henrique Raposo escreveu o seguinte no Acidental:

"As declarações de Chirac são o reflexo daquilo que é mais angustiante na actual visão europeia: os europeus ainda não perceberam que a Europa já não é o centro do mundo. E já não é o âmago da política mundial há muito tempo. Desde 1945. Durante a Guerra-Fria, os europeus construíram a impressão de que ainda eram importantes. Só não perceberam uma coisa: a Europa era importante como palco e não como actor. A guerra-fria teve como palco central a Europa. Por isso, era natural que os EUA tratassem a Europa de forma especial. Mas esse tempo acabou. Hoje, a Europa é tão importante para os americanos como a Austrália, Brasil, etc. E é, com toda a certeza, menos importante que Japão e Índia. A Europa é apenas um dos pólos demo-liberais do mundo. Só. Mais: não é a guardiã da moral mundial."

De facto, a Europa perdeu o lugar central que ocupava antes da segunda guerra mundial. E é também verdade que as chamadas potências emergentes - China, Índia, Brasil e mesmo a Rússia, em certa medida -, ultrapassam a Europa em vários aspectos, como o crescimento económico e o peso geo-estratégico. Mas parece-me precipitado julgar que a Europa está por isso condenada a uma inevitável e inexorável decadência. Não está, pois ainda é possível dar a volta à situação. Reparem que nos últimos 2000 anos, o nosso continente atravessou crises gravíssimas, guerras destruidoras, colapsos civilizacionais, pandemias terríveis... e no entanto sobreviveu.

É verdade que a Europa passa por um período difícil e que as suas opiniões públicas vivem na doce (e fatal) ilusão do multiculturalismo, do estado-providência e do falso pacifismo; é também verdade que a Europa cresce menos que outras regiões do mundo e que muitos dos seus políticos e empresários vêem a globalização como uma ameaça e não uma oportunidade. Mas tudo isto tem solução, pois talvez quando as coisas doerem a sério - quando os "imperialistas" americanos se fartarem de nos proteger, ou quando a concorrência asiática se tornar insuportável... -, os europeus "caiam na real". É em momentos difíceis que o engenho e a capacidade dos povos se revela. Se a China, um país semi-feudal e atrasado, o conseguiu fazer em poucos anos, porque é que a Europa do século XXI não o conseguirá também?

Além de que as previsões quase apocalípticas que se fazem sobre o futuro domínio mundial por parte da China não são mais que futurologia. Nada nos garante que a China vai continuar a crescer a 10% ao ano, até porque terá grandes dificuldades em obter matérias primas - petróleo, minérios, madeira, etc - suficientes para sustentarem esse crescimento. Pode ocorrer uma guerra civil, uma mudança de regime ou até um confronto com os Estados Unidos. Isto para não falar dos problemas que a China tem a nível da formação dos gestores e demais decisores - que em muitos casos são simples patifes sem escrúpulos, ignorantes e incompetentes.

É sempre arriscado e precipitado fazer futurologia. A título de exemplo, reparem que a Rússia de Estaline também crescia a níveis recorde, mas que anos depois o sistema acabou por ruír. E também que em finais do século XIX a Rússia era vista como o país do futuro, crescendo a um ritmo avassalador... mas que as reviravoltas da História alteraram tudo. Ou bem mais recentemente, dizia-se que o Japão ia suplantar os EUA, mas nada disso aconteceu.

Poderíamos fazer uma analogia entre a Europa e a Grécia dos séculos I a.C. a IV d.C. Pacificada pelos romanos, a velha Hélade perdeu o papel político que desempenhara nos seus séculos de ouro. Mas embora submetida por Roma - que poderíamos comparar aos EUA -, a Grécia prosperou imenso. E quando a própria Roma se tornou bárbara, a Grécia ressuscitou e transformou-se naquele que durante 800 anos foi o mais rico, poderoso e influente império da Cristandade: Bizâncio. A moral da história é que os "prognósticos só se devem fazer no fim do jogo". Não nos precipitemos, portanto, a escrever o obituário de uma "Velha Europa" que ainda tem muito para dar ao mundo.

Quanto à importância da Europa para os EUA, as coisas não são tão lineares como Henrique Raposo sugere. Do ponto de vista militar, o Reino Unido e a França ainda são potências credíveis, capazes de travar guerras (e vencê-las) em qualquer parte do globo, e não apenas devido às armas nucleares que possuem. Além de que a Europa tem ainda a capacidade financeira para se rearmar em poucos anos, se a necessidade a isso obrigar e se as opiniões públicas "abrirem os olhos" para a realidade do nosso mundo. A título de exemplo, recordem-se que nas vésperas do ataque a Pearl Harbour, o exército dos EUA contava com apenas 130 mil homens, menos que as forças do Portugal de então. Bastam poucos anos para alterar por completo o cenário militar, se existir vontade política, 'know how' e capacidade económica.

Não obstante o fosso tecnológico em relação aos EUA, as marinhas de guerra britânica e francesa são ainda a segunda e terceira marinhas mais poderosas do mundo, em termos de tonelagem e de armamento. Quem domina o mar tem a vantagem em qualquer guerra. E as suas forças terrestres e aéreas são ainda respeitáveis.

Isto para não falar dos laços culturais existentes entre a América e os EUA e das fortíssimas relações económicas que se mantém. Os EUA continuam a investir fortemente na Europa e vice-versa. As coisas não são, por isso, tão lineares.