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quinta-feira, janeiro 12, 2006

CEPTICISMO BRITÂNICO Desde sempre que os ingleses têm sido acusados de cepticismo em relação à construção de uma Europa unida. De Gaulle, acérrimo defensor da grandeur de la France, vetou durante anos a entrada da velha Albion na então CEE, porque entendia que esta seria um “cavalo de Tróia” dos americanos na Europa. E de facto, o velho general estava certo: tendo o Reino Unido como membro, a União Europeia nunca se transformaria na potência rival dos Estados Unidos - liderada pela França, note-se – com que ele sonhava.

Do outro lado do Canal, muitos políticos britânicos tinham (e têm) um entendimento semelhante, embora na lógica inversa, da presença do seu país na Comunidade Europeia. Com as notáveis excepções de Edward Heath e Tony Blair, bem como de alguns outros europeístas convictos, a maioria dos políticos ingleses não morre de amores pelo projecto europeu. Recordemo-nos que Sir Humphrey Appleby, a memorável personagem interpretada por Nigel Hawthorne na brilhante série ‘Yes, Minister’, dizia a certa altura que os ingleses entraram na CEE apenas para “espalhar a confusão”, de modo a garantir que esta não se tornasse demasiado poderosa e assim pusesse em causa os interesses britânicos.

Desde o século XVI – ou mesmo antes - que a política externa britânica tem como principal objectivo manter a estabilidade na Europa e impedir a criação de um bloco continental. Com esse propósito, a Inglaterra combateu sucessivamente a Espanha dos Áustrias, a França dos Bourbons, da Revolução e de Napoleão, a Alemanha de Guilherme II e de Hitler, bem como a Rússia dos czares e dos sovietes. E isto porque os interesses britânicos dependeram sempre de uma Europa pacífica e estável, na qual existisse um equilíbrio de forças entre as diferentes potências.

Será algo injusto acusar Londres de egoísmo, pelo facto de há séculos seguir tal política. Até porque Paris e Berlim defendem também os seus interesses nacionais. A Europa unida proposta pelo eixo Paris-Berlim vai de encontro aos seus interesses históricos. Recordemo-nos que Napoleão era francês e Hitler alemão, bem como Carlos Magno e Frederico, O Grande, respectivamente.

Os ingleses têm orgulho, e não sem razões para isso, no seu sistema jurídico e constitucional, que como se sabe é anterior à Revolução Francesa em mais de um século. Além disso, a sua tradição liberal e individualista choca com o estilo burocrático e “jacobino” de Bruxelas, que chega a dar-se ao trabalho de regular o tamanho das bananas vendidas nos supermercados...

Ao contrário dos países do Sul da Europa, o Reino Unido não deve a presente situação económica à sua adesão à União Europeia (embora tenha disso colhido benefícios), mas sim às reformas levadas a cabo nos anos 80 pelos governos de Margaret Tatcher. De facto, e após décadas de estagnação, a economia britânica voltou a ser uma das mais saudáveis e poderosas da Europa, ocupando o quarto lugar a nível mundial, ex aequo com a China. E das quatro grandes economias europeias, o Reino Unido é talvez a melhor preparada para os desafios da globalização.

Mais do que simples capital europeia, Londres é uma das duas principais praças financeiras mundiais e a cidade mais cosmopolita e dinâmica da Europa, onde afluem gentes das mais diversas proveniências. Neste domínio, a política de “porta aberta” seguida pelos governos de Tony Blair contrasta com a adoptada pela França e pela maioria dos países da União.

Do ponto de vista político-militar, o Reino Unido é hoje uma potência com interesses globais. Depois dos EUA, é o segundo país com maior capacidade de projecção de forças, o que lhe permite intervir de forma autónoma em qualquer parte do mundo (a Rússia e a China, por exemplo, embora possuam forças consideráveis, têm uma reduzida capacidade de projecção das mesmas). Além disso, a Royal Navy é a segunda maior marinha de guerra do mundo, em termos de tonelagem, e uma das mais avançadas do ponto de vista tecnológico.

Se tivermos em conta todos estes factores, talvez compreendamos um pouco melhor o eurocepticismo britânico. Porque devem os britânicos aderir de corpo e alma a uma união burocrática e centralista, com baixo crescimento económico, de tendência jacobina e dominada pelo eixo Paris-Berlim? E que caminho escolher: o da “federação super-potência” rival dos EUA, ou o da grande espaço económico e político aliado dos EUA, em pé de igualdade económica, política e militar?

Note-se que o dilema britânico também se coloca a Portugal, país cuja política externa sempre se dividiu entre a aliança com a potência marítima dominante e uma outra voltada para a “Europa” continental.

De uma coisa estou certo: o mundo é mais pacífico e estável quando as duas margens do Atlântico trabalham em conjunto. Juntas, a Europa e a América podem liderar a Humanidade em direcção a um futuro de paz, democracia e crescimento. E se os Europeus não perceberem isso, outros tomarão o nosso lugar. Em poucos anos, as nações asiáticas poderão ocupar o nosso lugar no concerto das nações, ficando a velha Europa transformada numa espécie de “fortaleza” fechada ao mundo e sem qualquer influência internacional. Não nos podemos esquecer que o mesmo aconteceu à China imperial e ao mundo islâmico – civilizações brilhantes que se fecharam em “casulos”, entrando em decadência e letargia -, com as consequências nefastas que daí advieram para eles próprios e para o resto do mundo. (Artigo publicado no Comum Online)