CONTO: "O Capricho de César" (IV)
De facto, as risadas eram gerais. O público delirava com a peça, à medida que os actores desfiavam o texto de Plauto.
Com capacidade para quinze mil espectadores, o Teatro fora construído pelo Divino Augusto, que dedicou o edifício ao seu jovem sobrinho Marcelo. Caius recordava-se do pai lhe contar que aquando das cerimónias de inauguração do Teatro de Marcelo, cerca de cinquenta anos antes, sucedera algo insólito; de um momento para outro, as juntas da cadeira curul do Princeps desfizeram-se, o que fez com que Augusto tombasse de costas. Alguns viram no incidente um mau presságio, quer para o príncipe, quer para a novel estrutura cénica. Mas aprouve aos deuses que tanto Augusto como o Teatro de Marcelo estivessem destinados a uma longa vida.
Depois de reorganizar a República, a cujos negócios se entregou desde a mais tenra idade e sempre com a maior argúcia, o Divino Augusto propôs-se a repor a ordem e a disciplina nos espectáculos públicos. Incomodara-o sobremaneira o caso de um senador a quem, na cidade costeira de Puteolos, ninguém dera passagem entre a assistência de um espectáculo. Daí que o princeps tenha determinado que, doravante e em qualquer tipo de espectáculo público, a primeira fila de lugares seria sempre reservada para os senadores. Ademais, proibiu as mulheres de se sentarem entre os homens e de ocuparem assentos próximos do palco. Tão rigoroso quão atento aos pormenores, reservou lugares específicos para os legionários, para as Virgens Vestais e até para os jovens que ainda usassem pretexta. Volvidos vinte e cinco anos após a morte de Augusto, estas e outras regras mantinham a sua vigência.
Enquanto cavaleiros romanos, Cais e Quintus ocupavam dois confortáveis assentos no seio da ima cavea, a parte da plateia mais próxima do palco. Já algo aborrecido com o espectáculo, Caius rodou o pescoço de modo a lançar um olhar pelo imponente edifício; não se via um único lugar livre. Pelo contrário, muitas pessoas assistiam a pé à peça de Plauto. E olhando para as vomitoria, as várias entradas sob as bancadas através das quais as pessoas acediam ao Teatro, Caius constatou que não cessava o fluxo de novos espectadores. “Qualquer dia dar-se-á uma tragédia, como aconteceu em Fidenas, quando o anfiteatro ruiu”, pensou.
De súbito, estando Caius entretido nestas e outras observações, reparou que havia alguma agitação no tribunal, o camarote especial reservado para as altas individualidades. O patrono do espectáculo, um rico mercador chamado Tulius Ausonius, fora despertado do seu indisfarçável sono por um descarado liberto que tivera a ousadia de abruptamente interromper a sua sesta; era para todos evidente que se Ausonius financiava o espectáculo não seria por amor desinteressado à arte cénica, a avaliar pela forma como adormecia durante as actuações.
Usando um barrete frígio vermelho, símbolo da sua condição, mas envergando luxuosas vestes cortesãs, o liberto falou ao cavaleiro Ausonius com uma certa altivez. E este, que a princípio acolhera o intruso com alguma indignação, parecia adoptar uma postura mais dócil à medida que o liberto lhe comunicava a razão da sua presença.
Caius assistia à cena do seu lugar na ima cavea, curioso a respeito do que se passaria. Ausonius levantou-se da sua cadeira acolchoada, aprimorou a toga que envergava e, com os dedos esticados, tentou pentear os raros cabelos que lhe restavam. Pouco depois, dois guardas pretorianos entraram no tribunal, precedendo dois escravos que transportavam uma luxuosa cadeira de estilo oriental. Atrás dos servos vinha um indivíduo de estatura mediana, tez pálida e cabelos loiros escovados para a frente, sobre a testa.
(Continua)
De facto, as risadas eram gerais. O público delirava com a peça, à medida que os actores desfiavam o texto de Plauto.
Com capacidade para quinze mil espectadores, o Teatro fora construído pelo Divino Augusto, que dedicou o edifício ao seu jovem sobrinho Marcelo. Caius recordava-se do pai lhe contar que aquando das cerimónias de inauguração do Teatro de Marcelo, cerca de cinquenta anos antes, sucedera algo insólito; de um momento para outro, as juntas da cadeira curul do Princeps desfizeram-se, o que fez com que Augusto tombasse de costas. Alguns viram no incidente um mau presságio, quer para o príncipe, quer para a novel estrutura cénica. Mas aprouve aos deuses que tanto Augusto como o Teatro de Marcelo estivessem destinados a uma longa vida.
Depois de reorganizar a República, a cujos negócios se entregou desde a mais tenra idade e sempre com a maior argúcia, o Divino Augusto propôs-se a repor a ordem e a disciplina nos espectáculos públicos. Incomodara-o sobremaneira o caso de um senador a quem, na cidade costeira de Puteolos, ninguém dera passagem entre a assistência de um espectáculo. Daí que o princeps tenha determinado que, doravante e em qualquer tipo de espectáculo público, a primeira fila de lugares seria sempre reservada para os senadores. Ademais, proibiu as mulheres de se sentarem entre os homens e de ocuparem assentos próximos do palco. Tão rigoroso quão atento aos pormenores, reservou lugares específicos para os legionários, para as Virgens Vestais e até para os jovens que ainda usassem pretexta. Volvidos vinte e cinco anos após a morte de Augusto, estas e outras regras mantinham a sua vigência.
Enquanto cavaleiros romanos, Cais e Quintus ocupavam dois confortáveis assentos no seio da ima cavea, a parte da plateia mais próxima do palco. Já algo aborrecido com o espectáculo, Caius rodou o pescoço de modo a lançar um olhar pelo imponente edifício; não se via um único lugar livre. Pelo contrário, muitas pessoas assistiam a pé à peça de Plauto. E olhando para as vomitoria, as várias entradas sob as bancadas através das quais as pessoas acediam ao Teatro, Caius constatou que não cessava o fluxo de novos espectadores. “Qualquer dia dar-se-á uma tragédia, como aconteceu em Fidenas, quando o anfiteatro ruiu”, pensou.
De súbito, estando Caius entretido nestas e outras observações, reparou que havia alguma agitação no tribunal, o camarote especial reservado para as altas individualidades. O patrono do espectáculo, um rico mercador chamado Tulius Ausonius, fora despertado do seu indisfarçável sono por um descarado liberto que tivera a ousadia de abruptamente interromper a sua sesta; era para todos evidente que se Ausonius financiava o espectáculo não seria por amor desinteressado à arte cénica, a avaliar pela forma como adormecia durante as actuações.
Usando um barrete frígio vermelho, símbolo da sua condição, mas envergando luxuosas vestes cortesãs, o liberto falou ao cavaleiro Ausonius com uma certa altivez. E este, que a princípio acolhera o intruso com alguma indignação, parecia adoptar uma postura mais dócil à medida que o liberto lhe comunicava a razão da sua presença.
Caius assistia à cena do seu lugar na ima cavea, curioso a respeito do que se passaria. Ausonius levantou-se da sua cadeira acolchoada, aprimorou a toga que envergava e, com os dedos esticados, tentou pentear os raros cabelos que lhe restavam. Pouco depois, dois guardas pretorianos entraram no tribunal, precedendo dois escravos que transportavam uma luxuosa cadeira de estilo oriental. Atrás dos servos vinha um indivíduo de estatura mediana, tez pálida e cabelos loiros escovados para a frente, sobre a testa.
(Continua)
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