respublica

quarta-feira, fevereiro 16, 2005



LIBERDADE & IGUALDADE (II) O André respondeu ao meu post anterior. Foi um boa resposta, André, mas tenha em conta o seguinte:

Eu disse que “(...) o Estado deve ainda zelar para que todos os cidadãos possam realizar-se pessoal e profissionalmente (...)”. Repare que eu disse "possam realizar-se" e não "se realizem". Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa! O Estado tem obrigação de ajudar os cidadãos a superarem eventuais circunstâncias que os impeçam de se realizar profissionalmente, como sejam o nascimento num meio pobre e desfavorecido, o sexo, a orientação sexual, o credo religioso, a etnia, etc. O sistema capitalista puro não garante que uma pessoa tenha êxito por ser inteligente, capaz e trabalhador. Quer exemplos? Um jovem inteligente e estudioso que só consegue frequentar e concluir um curso superior se tiver apoio financeiro do Estado, ou um doente canceroso que só poderá salvar a sua vida se o Estado financiar uma terapia dispendiosa. Não me diga que considera que uma pessoa deve deixar de estudar por não ter posses ou que deve morrer por não poder pagar a cura!

O André escreveu ainda que “(…) afirma o Filipe que tudo isto é um mito idêntico ao que inspirou o comunismo, acrescentando (numa crítica à Revolução Industrial que foi fruto do liberalismo económico então surgido) que, “o camponês inglês “médio” do século XVII vivia mais e melhor do que o operário “médio” dos séculos XVIII e XIX”. O que o Filipe não explica, é porque razão o camponês do século XVII se tornou no operário do século XVIII e XIX. Como ninguém foi obrigado ao quer que seja, só podemos concluir que foi aquela a melhor solução pelo simples facto que quem fosse trabalhar nas fábricas viveria melhor que aqueles que se mantinham nos campos. Este pequeno pormenor explica toda a diferença com o comunismo e é exemplificativo de algumas ideias pré - concebidas que por vezes temos.”

Em relação às migrações de camponeses ingleses para as grandes cidades industriais, devo recordar o André de que nas décadas que se seguiram à Glorious Revolution, a gentry tomou o poder em Inglaterra. E com o Parlamento a autorizar a divisão das terras comunais e os encercamentos das propriedades (enclosures), beneficiando a gentry e deixando milhares de camponeses sem terra, aumentou exponencialmente o número daqueles que migravam para as cidades industriais. Aliado a este facto, o aumento da população verificado ao longo do século XVIII (de seis milhões em 1700 para nove milhões em 1790), fez com que existisse um excesso de mão de obra nos campos. Mão de obra essa que, privada de terras para cultivar, viu-se obrigada a migrar para as grandes urbes industriais. Aliás, este afluxo de mão de obra desempregada (e barata) foi um dos factores que contribuiram para a consolidação da Revolução Industrial.

Parece-me, portanto, que não foram propriamente as (hipotéticas) melhores condições de vida nas cidades que fizeram com que centenas de milhares de camponeses abandonassem as suas terras ancestrais. Foi a necessidade pura e dura de quem se viu privado dos meios necessários ao seu sustento, quer devido às enclosures, quer devido ao aumento populacional nas zonas rurais, que conduziu ao êxodo maciço para as cidades.

Bem sei que, com o passar dos anos, a Revolução Industrial possibilitou a melhoria das condições de vida das populações. Mas a verdade é que, na sua primeira fase, conduziu à destruição da classe dos artesãos urbanos, bem como a uma diminuição da qualidade de vida das classes populares. E tudo isto porque assentava num capitalismo selvagem e verdadeiramente desumano, que nos nossos dias existe ainda na China e nos chamados "Tigres Asiáticos", entre outros países cuja performance económica os neo-liberais tanto louvam. Trabalho infantil, salários miseráveis e situações de escravatura "encapotada" ou semi-legal são produzidos por esse tipo de capitalismo sem quaisquer preocupações sociais. Porque em nome da liberdade e da competitividade cometem-se todo o tipo de abusos sobre os mais fracos.

_________________

P.S.: neste momento, não disponho de elementos concretos sobre a comparação entre o nível de vida e a esperança média de vida dos camponeses do século XVIII e dos operários do século XIX. Assim que puder, disponibilizarei esses dados.