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segunda-feira, fevereiro 14, 2005

LÚCIA Sou católico praticante, mas a minha opinião sobre as Aparições de Fátima é algo agnóstica. Aliás, a crença em Fátima não é condição essencial para que alguém se afirme como cristão católico apostólico romano.

Tenho lido os comentários da esquerda "bem pensante" à morte da Irmã Lúcia. Na sua maioria escritos por não-crentes, colocam em causa o percurso de vida da vidente.

Por exemplo, o Rui Tavares, do Barnabé, escreveu o seguinte:

"(...) Hoje em dia há muita conversa acerca de como os valores do Ocidente são mais correctos, mais respeitadores da liberdade, do que os outros. E de como o cristianismo é todo ele sobre a "dignidade humana". Mas aqui temos uma história do Ocidente, do cristianismo – uma miúda de 14 anos que passa a viver às ordens de autoridades religiosas porque "viu" coisas. É tão escura e tão perturbante como as outras histórias, as que não são do Ocidente, e revela tão pouco respeito pela dignidade humana como elas. Aconteceu em Portugal, com uma pessoa, durante décadas do século XX e do XXI. Parece coisa do século VIII. Mas aparentemente não faz confusão a muita gente, que de repente fica temerosa de chocar as convicções de terceiros. Para mim o respeito pelas convicções dos outros ainda não me levou ao ponto de ser insensível à lavagem cerebral, ao sequestro e ao silenciamento (mesmo legal e com bom aspecto)."

Terá a pequena Lúcia sido raptada pela Igreja? Terá a vidente de Fátima sido silenciada e manipulada pela hierarquia católica durante décadas?

Em primeiro lugar, a Igreja de 1917 não tinha a força e a influência política de que viria a gozar durante o Estado Novo. Era uma Igreja perseguida pelos governos republicanos, que não tinha poder para sequestrar uma jovem. Acredito, contudo, que a tenham influenciado - com a ajuda da família e dos amigos, que temiam a perseguição por parte dos republicanos -, no sentido de se recolher à vida religiosa. Mas Lúcia deve ter demonstrado alguma vontade em abraçar tal vocação. Tal como deve ter escolhido viver como religiosa durante as oito décadas seguintes. Não acredito que se tenha deixado "aprisionar". Refira-se, ainda, que Lúcia apenas começou a viver em regime de clausura em 1948, aos 40 anos de idade.

Quem não compreende a religião e a vocação de pessoas como Lúcia - refiro-me à sua vocação como religiosa carmelita e não como vidente -, não entende que nem toda a gente tem como objectivo viver de forma hedonista e consumista. E então efabulam cabalas, não aceitando a hipótese de uma pessoa mentalmente sã desejar voluntariamente afastar-se do mundo.

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P.S.: o aproveitamento político que Santana Lopes e Paulo Portas fizeram da morte de Lúcia é realmente deplorável. Foi uma falta de respeito pelos eleitores, pela democracia e, antes de mais, pela própria vidente. Só mesmo quem interpreta as campanhas eleitorais como "festas" poderá pensar que estas seriam desrespeitosas à memória de Lúcia.