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segunda-feira, junho 27, 2005

CONTO: "O Capricho de César" (VIII)

Saindo do Teatro, com as mãos amarradas atrás das costas, Caius e Quintus foram conduzidos através do Fórum pelos três pretorianos que os escoltavam. Dada a hora tardia – o sol encontrava já o seu ocaso -, não houve muita gente que assistisse à cena. Ainda assim, um ou dois curiosos que por ali circulavam não se coibiram de tecer algumas considerações. Um deles, um velhote com ar encarquilhado que aparentava ser banqueiro, a avaliar pelos rolos de papiros com números e registos contabilísticos que carregava entre os braços, desabafou:

- Mais dois equites(*) que César manda prender… Nós, cavaleiros, somos um alvo a abater para César!

Ouvindo este comentário, Caius dirigiu-lhe um olhar que não escondia um certo pânico. Que seria feito deles? Calígula era imprevisível. Poupar-lhes-ia a vida? Ou, pelo contrário, reservar-lhes-ia algum suplício atroz e desumano?

Os prisioneiros foram conduzidos até ao Palatino, onde se encontrava a Domus Tiberina, o palácio habitado pelos Césares. A residência imperial era um enorme complexo de edifícios, que compreendia os aposentos da primeira família de Roma e dos seus muitos servidores, bem como um pequeno aquartelamento de pretorianos encarregues de zelar pela segurança do Princeps. Caius e Quintus foram levados para este aquartelamento, situado nas traseiras do palácio, onde os enfiaram numa pequena cela húmida e escura.

Envoltos na penumbra, Caius e Quintus sentaram-se no frio chão lajeado, ainda com as mãos amarradas por trás das costas. O silêncio impôs-se entre os dois infelizes, quase tão denso como a escuridão que os envolvia. Caius apenas conseguia vislumbrar a silhueta do amigo.

Após alguns segundos, Quintus começou a chorar. O homem estava desesperado.

- Que será de nós? – perguntava Quintus insistentemente, entrecortando a fala com copiosas lágrimas.

- Calma. Ainda estamos vivos… ainda há esperança. – respondeu Caius, procurando esconder o seu próprio terror.

- O Princeps é louco... ainda recentemente me contaram histórias arrepiantes sobre ele...

- Por exemplo? - perguntou Caius, curioso.

- Por exemplo, esta: ele foi convidado para um casamento do filho de um consular. Gente da mais ilustre sociedade, portanto...

- Tal como o próprio Calígula... - interrompeu Caius, procurando cortar aquele ambiente de medo e ansiedade.

- Sim, tal como Calígula, gente da mais alta aristocracia. O imperador aceitou o convite com muito gosto, foi à boda e sentou-se na mesa dos noivos, mesmo em frente do jovem casal... E foi então que...

- Fez um brinde à felicidade dos noivos? - perguntou Caius, irónico.

- Não... numa altura em que o noivo, feliz da vida e orgulhoso da presença de César na boda, apertava a esposa contra si, o imperador olhou para ele muito sério e disse: "Tenha cuidado, não aperte tanto a minha esposa"...

Ouvindo isto, Caius não conseguiu reprimir o riso; apenas alguém com um sentido de humor muito apurado, embora cruel, se poderia lembrar de dizer uma coisa daquelas em pleno banquete nupcial. E Quintus acrescentou:

- De seguida, o malvado pegou na noiva e levou-a para casa! Imaginas certamente o escândalo que foi...

(Continua)

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(*) - Cavaleiros. Membros da Ordem Equestre, em que se agrupavam os homens de negócios da antiga Roma.