AS MOURAS ENCANTADAS Num interessante post, cuja leitura recomendo, o Marcos fala das "Xanas", seres encantados que, segundo a crença popular, habitam os bosques e as serranias das Astúrias. Quando li este texto do Marcos, pensei: serão esses seres mitológicos o equivalente às nossas "mouras encantadas"?
Na minha terra natal (nos arredores de Viana do Castelo), existem várias lendas sobre mouras encantadas. Houve até um antepassado meu que contava ter tido um breve encontro com uma. Segundo reza a lenda familiar, esse meu antepassado (tio avô da minha bisavó), encontrou uma dessas fantásticas criaturas numa pedreira abandonada. A moura, que era de uma beleza indescritivel, disse-lhe que estava ali presa há mil anos, e que só um beijo a libertaria. Em troca do ósculo, prometia-lhe riquezas e glória. Desde criança que o meu antepassado ouvia histórias sobre criaturas maléficas que, fazendo uso das mais variadas seduções e artifícios, roubavam a alma dos comuns mortais... daí que, perante a proposta da moura, tenha fugido assustado. E estava ele alguns metros adiante, quando um grito lancinante se fez ouvir em toda a floresta... ele apressou o passo, ainda mais assustado, e de seguida ouviu uma forte explosão. O tio avô da minha bisavó nunca mais pôs os pés naquele local.
Encontrei um interessante site dedicado às Mouras. Lá encontrei um texto sobre o assunto, que passo a transcrever:
"(...) A tradição popular refere, amiúde, a existência de mouras, em menções de várias lendas. Os factos são complexos e baralhados. Vamos dividi-los em dois grupos, para melhor os estudar. Assim, temos:
1. Mouras encantadas. São seres, diz Leite de Vasconcelos, dotados de força sobrenatural, que vivem em certos locais, como se estivessem adormecidos, enquanto certas circunstâncias não lhes quebrar o encanto. Estes locais são, normalmente, poços, fontes, cisternas, montanhas e ruínas. Por vezes têm um aspecto sedutor e apresentam-se aos viajantes que passam pelos seus domínios, convidando-os a passarem no dia seguinte, com alusões a objectos preciosos que guardam e propostas diversas. A crença popular acredita na possibilidade de se transformarem em serpentes. Martinho de Dume, o evangelizador do Minho (Séc. VI), designava as mouras da época (lamias) como mulheres-demónios expulsos do céu!
Diz ainda a opinião popular que estas mouras se encontram nesses locais a guardar tesouros deixados pelos mouros, até que alguém os possa descobrir.
2. Mouras fiandeiras. Estão associadas às construções dos antigos monumentos porque, acredita-se, enquanto acarretavam as pedras à cabeça iam a fiar com uma roca à cinta. E até se dizia em tempos, lá para os lados da Citânia de Briteiros, que se via de vez em quando uma moura a fiar enquanto pastoreava o gado.
Tudo indica, no entanto, que as histórias das mouras encantadas ou fiandeiras tenham origem muito anterior à presença dos mouros no país. Sabe-se que, no primeiro século da nossa era, tinham "sido vistos" à beira mar, perto de Lisboa, um tritão, com o seu búzio, e diversas nereides. O tritão (sereia-macho) é um símbolo mitológico-cabalístico com origem na lenda de Perséfone e que significa que "alma sobrevive ao corpo" 1. Foi complexa a evolução da sua imagem. Entre os Gregos tem forma alada. Depois tomou a forma de mulher, com as pernas em forma de peixe. É assim que aparece nas pinturas e esculturas nas igrejas. Com o tronco masculino e cara barbada surge nos documentos náuticos dos séc. XV e XVI e em alguns monumentos, como os de Conínbriga.
E em Lisboa também se encontram facilmente restos dessas crenças, o que não admira sendo uma cidade tão antiga. Ainda hoje há um sítio, nesta cidade, chamado Cova da Moura. De facto, na região existem muitas covas, lapas e grutas, que tiveram serventias diversas. Da cova da Moura não resta o menor vestígio, estando o sítio ocupado pelo casario.
A relação das mouras com o elemento líquido é evidente. A santificação e o culto das águas tinha, para os antigos lusitanos, grande importância. Não diminuiu na época lusitano-romana e em muitos casos mantém-se ainda. A água tem mesmo grande importância em qualquer cerimónia religiosa. É um importante símbolo, que se relaciona com a vida, com as origens, com o renascimento e a regeneração.
Na crença popular há também, ainda hoje a convicção da existência de "águas mortas" (a que está fora de casa, à meia-noite) e de "águas vivas" (as que brotam da terra e têm prestígio sagrado. As águas mortas podem ser vivificadas com uma fórmula que todas as crianças conheciam 2 . Todavia, na manhã de S. João, todas as águas são consideradas sagradas, porque são fecundadas, nesse dia, pelo Sol. E daí a existência dos banhos santos no dia de S. João, como é hábito, por exemplo, na praia de S. Bartolomeu do Mar (Esposende)
3. Ficámos a saber que as mouras são seres sobrenaturais, normalmente associadas às águas, e que a sua existência é assinalada muito antes das invasões dos árabes. E que são, pelo menos em parte, as herdeiras das tradições culturais greco-latinas. Deve-se dizer, agora, que na Idade Média, muitas pessoas ainda tinham restos de clarividência negativa e viam seres chamados elementais, cuja função estava associada às forças que designamos por leis da Natureza. As ondinas e as ninfas eram os espíritos sub-humanos que habitavam nos rios e nas correntes de água. Além disso, as mouras também estão associadas às Parcas 4, que eram divindades que presidiam ao nascimento e depois ao casamento e à morte. Eram as "fiandeiras da vida e da morte". Uma segura o fuso e puxa o fio da vida (o cordão prateado); a segunda enrola-o, registando o "filme" da vida e a base da existência futura e determina o momento da morte; e a terceira corta inflexivelmente esse fio. Na arte, as três parcas foram associadas às "três graças".
Compreenderemos melhor, agora, este assunto, se nos lembrarmos que a palavra moura não deve ser considerada o feminino de mouro, mas um sinónimo de moira, palavra grega que significa "destino", como se pode ver em Horácio 5.
O conceito popular de Moira atribui à fatalidade qualquer série de coincidências à primeira vista inexplicáveis e, sobretudo, as mais infelizes. Os mais conhecedores relacionam a Moira com a justiça e a providência, quer dizer, com a cadeia de causas ou série de causas, que determinam um efeito (lei de causa e efeito). E falam, por isso, em moira maléfica e moira benéfica relacionando-as com divindades ctónicas, que são seres sobrenaturais que habitam as cavidades da terra."
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