respublica

terça-feira, junho 29, 2004




TOLKIEN E HARRY POTTER A Gabriela recordou, com apreço, um post antigo do "Respublica", escrito no dia 30 de Junho de 2003, sobre a obra de J.R.R. Tolkien.

E agora, ao reler o que escrevi há quase um ano, com a inocência própria dos primeiros passos na blogosfera, fiquei com vontade o voltar o publicar. Aqui vai:

"Tolkien e Harry Potter

Nunca li os livros da série Harry Potter (à excepção de uma ou duas espreitadelas no stand de uma livraria). Não me atraem. Admito que talvez seja preconceito meu contra aquele género de literatura... mas simplesmente tenho a impressão de que se trata de histórias para crianças.

Há alguns dias, numa conversa de café, falávamos de "O Senhor dos Anéis" e "Harry Potter". Há quem estabeleça comparações entre as duas obras, como se ambas pertencessem ao domínio do fantástico e das histórias infanto-juvenis. Sinceramente, não creio que assim seja. Embora não tenha lido os livros de J. K Rowling, li todas as obras de J.R.R. Tolkien (à excepção das "Aventuras de Tom Bombadil", salvo erro). Tolkien era um erudito, um professor de linguística com conhecimentos muito superiores aos da escritora britânica. A triologia do "Senhor dos Anéis", a que se juntam "O Silmarillion" e o "O Hobbit" são prova disso; Tolkien criou todo um universo, com várias civilizalações distintas, cada uma com a sua cultura, história, idioma e escrita próprias. A própria prosa do autor modifica-se consoante o assunto tratado; as crónicas dos reis elfos, anões e dunedans são bem diferentes, em termos de estilo, da narração das aventuras do Portador do Anel.

De todos os livros de Tolkien, o que mais gostei foi "O Silmarillion". É onde a imaginação de Tolkien mais se revela, com contos belíssimos. Há quem o compare ao Antigo Testamento da Bíblia; os assuntos tratados (a existência de um Ser Superior responsável pela criação do Universo, a queda do Anjo Mau - Morgoth, etc), lembram-nos o "Génesis". Além disso, o estilo de escrita das crónicas dos elfos trazem-nos à memória os Livros dos Reis e as Crónicas do Antigo Testamento. Estas analogias entre a obra de Tolkien e as escrituras bíblicas não devem ser alheias ao facto de o autor ser um católico fervoroso, para quem o próprio sexo conjugal era impuro ("no sex please... we're hobbits!").

Há quem aponte como falha em Tolkien o facto de existir uma separação clara entre Bem e Mal, num mundo a preto e branco. No entanto, não penso que assim seja; na obra de Tolkien existem seres "perfeitos" que se opõe a seres completamente "imperfeitos", mas a generalidade das personagens são seres de carne e osso, fragéis e sujeitos às tentações do mundo. Mesmo Bilbo e Frodo, os heróis de "O Hobbit" e "O Senhor dos Anéis", estão sujeitos ao poder maléfico do Anel do Poder, capaz de corromper até os melhor intencionados.

No entanto, creio que o mérito da obra de Tolkien não se fica pela prodigiosa imaginação do autor e pela tradicional luta entre o Bem e o Mal - que perpassa toda a obra de Tolkien desde os primeiros capítulos de "O Silmarillion" até às últimas linhas de "O Regresso do Rei". Existe toda uma reflexão sobre a natureza humana (e considero imbuídos de "natureza humana" seres como elfos e hobbits); ambição, sede de poder, traição, ódio e ganância, mas também amor, amizade, generosidade e fraternidade.

Creio que o "Senhor dos Anéis" é uma obra para todas as idades."