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quarta-feira, julho 06, 2005

LIVE 8 Costumo encarar com cepticismo iniciativas do género do "Live 8". Em primeiro lugar, porque nunca se conhece verdadeiramente o destino dos fundos recolhidos. Aquando do "Live Aid", por exemplo, as receitas angariadas foram entregues precisamente ao regime causador da fome na Etiópia. Foi o ditador Mengistu quem provocou deliberadamente a escassez de bens alimentares em determinadas áreas daquele país africano, como estratégia na guerra que travava contra os rebeldes. Fechando os olhos a este facto, Bob Geldof & associados entregaram-lhe depois as verbas recolhidas pelo "Live Aid"...

Em segundo lugar, este tipo de iniciativas têm tendência a encarar os problemas humanitários de forma extremamente simplista e redutora. Ao passarem toda a responsabilidade para as mãos dos líderes do G8, os organizadores destes eventos esquecem o papel das élites africanas e da responsabilidade que estas têm no caos em que África caíu. Ainda que o Ocidente abra os seus mercados agrícolas, duplique a ajuda humanitária e lhes perdoe a dívida e respectivos juros - medidas muito necessárias -, isso não resolverá o problema africano. Enquanto subsistirem regimes corruptos e despóticos como o de Luanda, Harare e Kinshasa, entre muitos outros, África continuará a ser o continente mártir.

Além disso, eventos como o "Live 8" tendem a incutir na opinião pública a crença de que e apenas este género de iniciativas podem contribuir para acabar com a fome e a pobreza do chamado Terceiro Mundo, esquecendo o trabalho louvável - e permanente, ao contrário de eventos efémeros como o "Live 8" -, de centenas de organizações humanitárias internacionais. Existe o risco de eventos como o "Live 8" serem apenas meras assembleias em que, por descargo de consciência, os cidadãos dos países ricos se querem convencer a si próprios de que estão a contribuir com a sua parte... quando, na realidade, não estão.

Muitas daquelas pessoas que assistiram aos concertos nunca terão contribuído com donativos para instituições de ajuda humanitária; por seu turno, outros tantos daqueles espectadores serão a favor de restrições à imigração e ao acolhimento de refugiados políticos vindos de países do Terceiro Mundo. E quantos daqueles "filantropos" serão contra o fim da PAC e das subvenções à agricultura?

Em todo o caso, o "Live 8" teve o mérito de chamar a atenção para o drama que se vive em África. E isso já é muito.

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P.S.: aqueles grupelhos pseudo-progressistas que se treinam todos os anos para dar pancada e partir montras durante as cimeiras do G-8, clamam contra a presença de multinacionais em África. Não compreendem que o grande problema da maior parte dos países africanos não reside no facto de serem "explorados" por multinacionais ocidentais, mas sim exactamente no oposto... ou seja, não terem quem invista nos seus territórios.