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quarta-feira, janeiro 19, 2005

UMA QUESTÃO DELICADA O Zun, do blog Renas e Veados, escreveu um post sobre a adopção de crianças por casais homossexuais, no qual se poderá ler o seguinte:

"Instrumentalização e sofrimento

Sempre que esta questão é trazida a debate, e pelo facto de o direito à adopção, bem como ao casamento, estar intimamente ligado à defesa dos direitos LGBTs, surgem acusações de que as crianças estão a ser instrumentalizadas pelo "lobby gay".

Quem se depara com este tipo de acusações pensará que os LGBTs que desejam adoptar crianças têm em mente fazer-lhes uma espécie de lavagem cerebral para que estas crianças se tornem elementos de propaganda ou para que se tornem adultos LGBTs. Na esmagadora maioria dos casos não consigo ver por detrás destas acusações mais que um preconceito básico de que todos os LGBTs são naturalmente perversos, e que só poderiam estar interessados em perverter as ditas crianças. Quem considera LGBTs como as pessoas normais que são, certamente entende que estes têm tanto desejo e capacidade de criar uma criança como outra pessoa qualquer e que não podem impôr a sua sexualidade aos filhos, tal como os casais heterossexuais. (...)"


Antes de mais, e ao contrário de muitos apoiantes da autorização da adopção de crianças por casais homossexuais, admito à partida que possa estar errado o raciocínio que pretendo desenvolver nas linhas que se seguem. É uma questão demasiado delicada, para a qual não existem respostas absolutas. Talvez uma análise "caso a caso" seja a mais adequada à natureza do problema.

Na minha opinião, um casal homossexual poderá ter todas as condições para educar uma criança. E creio, também, que os homossexuais e as lésbicas têm o direito de virem a ser pais e mães, podendo ser excelentes progenitores e educadores. Não é por ser homossexual que alguém deixará de ser um bom pai. Mas não é isso que está em causa, creio eu.

Parece-me que em causa nesta delicada questão não estão os direitos dos homossexuais, por muito legítimos que estes possam ser. É nos direitos das crianças que devemos pensar. Independentemente dos azares e infortúnios de que tenham sido vítimas, todas as crianças têm direito a ter o que a natureza lhes destinou: um pai e uma mãe, e não dois pais ou duas mães. Creio que as instituições públicas que detêm a custódia de crianças orfãs - ou provenientes de meios de "risco" -, devem procurar encontrar-lhes um lar em que disponham de um pai e de uma mãe.

Em meu entender, o instrumentalizar de que o Zun fala neste post não terá a ver com um qualquer receio de que os homossexuais façam uma "lavagem aos cérebros" das criancinhas. Parece-me que esse instrumentalizar tem a ver com o facto de os casais homossexuais se servirem dessas crianças de modo a poderem realizar-se como pais e mães. Desejo legítimo, evidentemente, pois grande parte dos seres humanos encara a paternidade e a maternidade como essenciais à sua realização pessoal. E claro que, de acordo com este ponto de vista, esta "instrumentalização" também ocorre quando um casal heterossexual decide ter filhos ou adoptar uma criança. Mas parece-me que, neste caso, essa "instrumentalização" vai de encontro aos interesses da criança. Ou seja, vir a ter um pai e uma mãe, que lhe proporcionem uma educação o mais saudável e equilibrada possível (embora eu não veja a homossexualidade como "não-saudável" ou como um desiquilíbrio), com base na existência de um modelo masculino (pai) e de um feminino (mãe). O facto de existirem crianças orfãs de ambos os progenitores ou de apenas um deles, e de outras crianças serem maltratadas pelos próprios pais, não justifica que se venha a corrigir um erro com outro erro.

Além disso, e já para não falar de outros factores a ter em conta (por exemplo, a discriminação que essas crianças poderiam vir a ser vítimas), até que ponto teremos nós a certeza de que a educação de uma criança por um casal homossexual não moldará o desenvolvimento da sua personalidade, nomeadamente no que diz respeito à sua orientação sexual? Poderemos nós confiar nos estudos científicos em que os defensores da adopção por gays e lésbicas têm escudado as suas reivindicações? Poderemos nós ter certezas absolutas, ainda para mais numa questão tão delicada como esta? Pessoalmente, confesso que tenho muitas dúvidas sobre esta matéria.

Por muito respeito que tenha pelos homossexuais e pelos seus direitos, parece-me que eles devem assumir plenamente o estilo de vida que escolheram, ainda que isso implique, além do corajoso gesto de "sair do armário", ter de abdicar de certos direitos, como seja usufruir das facilidades de adopção de que dispõem os casais heterossexuais. E isto porque os interesses das crianças devem ser colocados em primeiro lugar.