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terça-feira, janeiro 04, 2005



ATEÍSMO E TOLERÂNCIA O Sr. Carlos Esperança, do blog Diário Ateísta, respondeu ao meu artigo publicado na edição de 3 de Janeiro da Terra da Alegria. Ou melhor, não respondeu; o dito senhor limitou-se a evocar fantasmas do passado e a recorrer aos argumentos “do costume”. Não respondeu às questões que levantei no meu artigo anterior e interpretou mal o que então escrevi.

Visto que ele estruturou o seu discurso “por pontos”, também eu o farei. Reproduzi o seu discurso a itálico, sendo cada ponto seguido de um comentário meu:

“1 - O nome, Carlos Esperança, corresponde efectivamente ao «blogger» cuja foto, idade e morada aparecem clicando no nome que se encontra na lista de colaboradores do DA e é o mesmo que deu a entrevista à Agência Lusa sobre a criação da Associação Ateísta Portuguesa de que é activista.”

Sim, senhor.

“2 - O Diário Ateísta (DA) existe baseado na liberdade de expressão, direito recente em Portugal, aparecido há 30 anos sobre os escombros de uma ditadura cuja longevidade a cumplicidade da ICAR prolongou. Convém referir que o ensino da religião católica era obrigatório nas escolas do Estado e a sua prática severamente exigida e fiscalizada pelos Directores das Escolas do Magistério aos futuros professores.”

Agradeço a lição de História - embora não me esteja a “ensinar” nada de novo -, mas não compreendo o porquê da evocação de fantasmas do passado. Ao fazê-lo, o Carlos Esperança não responde às questões que coloquei no meu artigo. Nada tenho a ver com a Igreja do tempo do Estado Novo ou com a da época da Inquisição, tal como calculo que você não tenha nada a ver com regimes políticos que em nome do ateísmo – e de outros “ismos” - cometeram todo o tipo de atrocidades e genocídios.

“3 -Na opinião de Filipe Alves, o DA integra pessoas «moderadas e bem educadas», donde parece excluir-me, mas, na sua diversidade, o DA não inclui ninguém que não aceite a «Declaração Universal dos Direitos Humanos», frequentemente postergada por todas as religiões, como um conjunto de princípios que é dever observar.”

Quando disse que o Diário Ateísta integra algumas pessoas moderadas e bem educadas, não pretendi exclui-lo à partida; tão somente quis dizer que algumas pessoas que escrevem nesse blog fazem-no de forma bem educada. Outros não o fazem, ao passo que sobre outros não me posso pronunciar por não ter ainda opinião formada (que é o seu caso). Quanto à Declaração Universal dos Direitos Humanos, não compreendo o porquê da sua referência neste contexto; não creio que a boa educação e o trato gentil estejam incluídos entre os direitos enunciados nessa célebre e ditosa Declaração. Infelizmente, devo dizer.

“4 - Não tenho legitimidade para falar em nome do DA, mas, na qualidade de ateu praticante e militante, garanto que me empenho para que os homens e mulheres de todo o mundo possam abraçar qualquer religião, tenham a permissão de mudar e o direito de não professarem qualquer uma.”

Fico contente com isso, até porque partilho desse louvável ideal. Mas não quererá isso dizer que se empenha para que homens e mulheres de todo mundo possam abraçar uma forma de “violência”, uma vez que é esse o seu conceito de religião? E repare, enquanto “ateu praticante”, o que é que “pratica”? Não me estará a dar razão? Não será o ateísmo “militante” uma espécie de religião, com os seus “dogmas”?

“5 - A violência que atribuo às religiões baseia-se na perseguição e penas infligidas aos que as abandonam ou que as não praticam de acordo com a vontade do clero. A apostasia e a blasfémia são «crimes» exclusivamente de natureza religiosa que todos os credos se esforçam por criminalizar e que só a vitória da laicidade subtraiu ao braço da lei. Mas, de violência, estão a Tora, a Bíblia e o Alcorão cheios.”

Quanto à apostasia e à blasfémia, interrogo-me se os senhores aceitariam na vossa associação ateísta pessoas que acreditem em Deus... calculo que não o façam, obviamente. E não será isso também uma "violência" sobre os apóstatas e blasfemos - para usar os termos por si escolhidos - da vossa parte? No mundo desenvolvido, só integra uma comunidade de crentes ou uma corrente filosófica quem o deseja. E se o faz, é porque partilha das crenças, valores e princípios defendidos por essa mesma comunidade (claro que não pretendo defender ou justificar, de forma alguma, os regimes e sociedades em que não existe liberdade religiosa).

“6 - Não pretendo «converter» ninguém ao ateísmo. O proselitismo é uma tara exclusiva da evangelização a que as religiões se dedicam. Chegam ao ponto de baptizar crianças recém-nascidas sem o mínimo respeito pela autodeterminação religiosa das pessoas, entrando em concorrência pela hegemonia, sem hesitarem no recurso à guerra. Não falo da Idade Média, falo do milénio que há pouco começou, da Europa, do catolicismo, do islão, do protestantismo e da Igreja Ortodoxa.”

Ora vejamos: se não pretende “converter” ninguém ao ateísmo, então porquê apregoar as suas ideias? Não será porque gostaria que mais pessoas as adoptassem e difundissem?

“7 - Dizer que não há publicações católicas fundamentalistas é ignorar centenas de publicações paroquiais que pululam pelo país e cuja leitura faz corar de vergonha qualquer crente urbano ou alfabetizado. Falo de publicações actuais e não no diário «Novidades», órgão do patriarcado de Lisboa que desapareceu após o 25 de Abril. Podia ainda referir as posições do poderoso cardeal Joseph Ratzinger da cúria romana.”

Eu não disse que não existem publicações católicas fundamentalistas. Apenas disse que o vosso blog é muito semelhante – em termos de tom “militante” e atitude fundamentalista –, a essas publicações! O que vos coloca exactamente ao mesmo nível dos Ratzinger’s que temos na Igreja, embora do outro lado da “barricada”.

“8 - Reconheço que também há crentes tolerantes mas, apesar da linguagem vigorosa que uso, fui incapaz de referir às autoridades democráticas o padre da Covilhã que em 1961 me denunciou à PIDE e era incapaz de ficar indiferente à prisão ou ao assassinato de um crente. Ao contrário, a Igreja portuguesa silenciou crimes desses, cometidos durante a ditadura, com a excepção honrosa de um único bispo, António Ferreira Gomes, que pagou com o exílio a honradez.”

Mais uma vez, obrigado pela lição de História. Eu não tenho relatos dessa época para contar, porque ainda não era nascido; mas o meu pai e o meu avô – também católicos praticantes -, sempre lutaram pela liberdade política e religiosa, pagando caro por isso. A luta contra a tirania não era exclusiva dos ateus, como o senhor bem deve saber…

“9 - A tolerância existe mais nas atitudes do que nas palavras. Pode considerar-se tolerante uma igreja que exige uma concordata que reserva para si privilégios que nega às outras religiões? Que pretende servir-se das escolas públicas para se promover? Que reservou direitos para a sua Universidade que nenhuma outra, particular, possui?”

Cabe à Igreja defender os seus interesses e, por outro lado, cabe ao Estado conceder direitos iguais a todas as religiões. Além disso, a Igreja Católica tem levado a cabo numerosas e louváveis iniciativas de cariz ecuménico e de diálogo com outras religiões.

“10 - Acerca de Deus, sobre quem os crentes fazem recair a suspeita de ter criado o mundo, não há o mais leve indício da sua existência nem o mais insignificante esforço da sua parte para provar que, depois disso, tenha feito o que quer que seja. Assim, não é possível provar a sua não existência mas cabe-lhe a ele fazer prova de vida.”

Com certeza. Nem eu pretendo provar a existência de Deus, com Razão ou sem ela. Mas não acredito que o Ateísmo consiga explicar a origem da Vida e do Cosmos, ou provar sem sombra de dúvida que somos apenas produto do “acaso” e que não existe, de facto, um Ser Criador. Se pretendermos explicar o Sagrado com recurso à Razão, então creio que chegaremos à conclusão que o Agnosticismo será mais “racional” que o Ateísmo, uma vez que o Agnosticismo prefere não se pronunciar sobre um assunto que a Razão não consegue explicar – quer pela imperfeição dos seus instrumentos, quer pela limitações inerentes à nossa condição humana.

“Correcção: «A religião quer-se como o sal na comida, nem de mais nem de menos» são palavras de António Alves Martins, bispo de Viseu no reinado de D. Luís, palavras frequentemente apagadas da sua estátua, durante a ditadura salazarista, e de novo repostas clandestinamente por anónimos. Para mim, a religião está como o sal para os hipertensos - a mais pequena dose é prejudicial, mas o bispo acreditava em Deus. Ninguém é perfeito.”

Agradeço a correcção e peço desculpa pelo lapso. Mas mais uma vez não vejo em que é que respondeu a algumas das questões colocadas no meu artigo anterior. E tem razão: ninguém é perfeito, e ninguém consegue explicar o mistério da origem da Vida e do Cosmos. Nem os Ateus, com toda a sua Razão.

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