respublica

quinta-feira, maio 06, 2004




DUPLICIDADE DE CRITÉRIOS (II) O Alex escreveu o seguinte, a respeito do meu post "Duplicidade de Critérios": "(...) O regime era mau, mas era dos mais "democráticos" dos Países Árabes, então se compararmos com a Arábia Saudita. Acima de tudo, era um problema deles a ser resolvido por eles. Assim como nós tivémos um 25 de Abril eles podiam ter um!"

Primeiro, gostava de comentar a comparação com as restantes ditaduras da região. Países como a Síria, a Arábia Saudita, o Egipto e a Líbia são, como todos sabemos, ditaduras ferozes. Mas nenhum destes regimes fez o que Saddam fez: invadir países vizinhos, usar armas químicas sobre o seu próprio povo, e executar sumariamente mais de 300 mil concidadãos. Além de ser uma ameaça para os seus vizinhos, o Iraque de Saddam era um perigo para o seu próprio povo. Era um regime muito mais brutal que o da Arábia Saudita.

Em segundo lugar, a expressão o "problema deles a ser resolvido por eles", tão do gosto dos anti-americanos, também poderia ser aplicada na presente situação. Pela tua lógica, a ocupação e os distúrbios no Iraque seriam também um problema deles a ser resolvido por eles. Certo, Alex? Assim sendo, nem tu, nem eu nem nenhum português tem alguma coisa a ver com o que lá se passa!

E agora dir-me-ás tu, Alex, que isto passou a ter que ver connosco, porque a situação no Iraque deu mais força aos terroristas (o que é discutível...) e tornou o mundo mais perigoso. Mas não acontecia precisamente o mesmo com Saddam no poder? De facto, ele podia não ter armas de destruição maciça na altura da invasão (ou passou-as para a Síria), mas já as teve no passado, e chegou a usá-las! O governo de Saddam foi o primeiro e único a usar armas químicas, desde o fim da Primeira Guerra Mundial (1918). Por muito que se discorde da invasão, penso que qualquer pessoa lúcida reconhece que um regime daqueles era um perigo para todos nós, tal como o era o dos talibans do Afeganistão.

O Alex escreveu ainda o seguinte, a respeito de um recente texto de José Pacheco Pereira:

"Haverá algo mais anedótico do que tentar defender George W. Bush? Pacheco Pereira tentou: «Outro caso dessa manipulação é a notícia de que a "opinião pública árabe", que não se sabe muito bem o que é, tinha ficado "revoltada" com a divulgação destes abusos de soldados americanos. Se tal aconteceu, é muito positivo porque talvez os leve a serem mais exigentes com a sistemática prática de torturas que ocorrem na maioria dos seus próprios países» (Público, 6/5/04: 5)

1º Não sabe o que é a opinião pública árabe que coloca entre aspas! 2º Coloca dúvidas a que tenha ficado revoltada! 3º Positivo? 4º Próprios países, bem dito, deviam ter pensado nisso antes de começarem a invadir países só para roubar petróleo e relíquias arqueológicas!"


Ao que eu comento: 1º - De facto, não se sabe se existe uma verdadeira opinião pública árabe, pelo menos uma que seja livre de manipulação por parte da censura e de outros métodos de controlo aplicados por aquelas velhas ditaduras. 2º - Terá ficado revoltada? Saberemos nós isso? Ou será mera especulação dos nossos media, com o tipo de declarações tendenciosas que todos os dias se ouvem nas nossas televisões generalistas? Podemos, com certeza, supôr que a revelação de tais factos tenha contribuído para um recrudescer dos sentimentos anti-americanos. Mas, em boa verdade, ninguém pode afirmar tal coisa com absoluta certeza. E de facto, será positivo se tal servir para que essa tal "opinião pública árabe" (que é mais heterogénea do que se possa pensar, tal como as próprias sociedades muçulmanas) se comece a interrogar sobre a situação - mil vezes pior - dos seus próprios países.