respublica

quarta-feira, maio 05, 2004




O MAL MENOR A vida é feita de escolhas, e nem sempre fáceis. Por vezes, as circunstâncias obrigam-nos a optar entre dois males. "Venha o diabo e escolha!", diz o povo. Ou então, fazendo apurado uso da Razão, vemo-nos forçados a optar pelo mal menor, aquele que nos causa menor prejuízo.

Para mim, a política internacional é uma das áreas em que melhor se aplica esta teoria do mal menor. Porque nem tudo o que parece é, e porque, não raras vezes, Deus escreve certo por linhas tortas.

Fui contra a invasão do Iraque. Não porque entendesse que Saddam não deveria ser derrubado, mas porque discordava do método escolhido para atingir esse fim. E isto por quatro razões essenciais: primeiro, os elevados prejuízos humanos e materiais causados por qualquer conflito armado; segundo, porque existiam outras formas de lidar com o problema, ainda que demorasse mais tempo (um "putsh" apoiado pelo Ocidente, a eliminação física do próprio Saddam, etc); terceiro, porque as opiniões públicas ocidentais não estavam preparadas para os custos morais da intervenção; e, last but not the least, porque a guerra me causa profunda aversão. Ninguém no seu perfeito juízo defende de ânimo leve o despoletar de uma guerra, com todo o cortejo de horrores que a acompanha.

No entanto, creio que uma vez disparado o primeiro tiro, as consequências de uma retirada ocidental seriam mil vezes piores que os reveses da guerra. A América e a Europa não podem abandonar o Iraque, ainda que isso signifique manter uma guerra sangrenta durante longos anos. Fugir do Iraque seria, no mínimo, catastrófico para aquele país e para a própria estabilidade e segurança mundiais. Seria a vitória do terrorismo, dos falsos pacifistas - os mesmos que há alguns anos atrás, defendiam o desarmamento unilateral face ao colosso soviético - e das forças fundamentalistas e anti-democráticas que, cada vez mais, minam o desenvolvimento económico e social dos países muçulmanos.

Não acredito em mundos perfeitos ou sociedades ideais. Creio que a ocasião faz o ladrão, e nada corrompe mais que o poder. Não foi por mero acaso que as maiores atrocidades da História humana foram cometidas por regimes que pretendiam construir a sociedade perfeita, sacrificando os interesses (e as vidas) dos indíviduos no altar da ditadura do proletariado ou do Reich.

Com todos os seus defeitos, a democracia representativa continua a ser o mais perfeito sistema político alguma vez concebido pelo Homem. E porquê? Porque garante liberdade de pensamento e de expressão. Porque permite a todos os homens - pelo menos em teoria - alcançarem o poder político e trabalharem para o bem das respectivas sociedades. Porque retirou os espartilhos da mente e os véus obscurantistas que durante tanto tempo subjugaram a Humanidade. Porque consagra o estado de direito, com igualdade perante a lei e protecção contra os abusos de poder.

Não se trata de dizer que a nossa cultura é melhor que a dos outros; trata-se de dizer, e isto sem qualquer sombra de dúvida, que o nosso sistema político é mais avançado que o de países como o Iraque de Saddam, a Cuba de Fidel, a Líbia de Khadafi ou a Coreia de Kim Il Sung. E porquê? Porque é tão livre - e, logo, promovendo a realização do Homem enquanto pessoa humana - que até permite que os seus detractores falem livremente contra ela. "Não concordo com o que dizes, mas defenderei até à morte o teu direito a dizê-lo!"

É óbvio que não foram considerações filantrópicas ou humanitárias que estiveram na origem da intervenção aliada. Só um ingénuo pensaria isso. Mas não tenho qualquer dúvida de que, por mais negros e imperialistas que sejam os desígnios dos estrategas do Pentágono, os iraquianos vivem agora melhor que no tempo de Saddam. Não acredito que, por ser árabe ou muçulmano, um homem deixe de aspirar à liberdade. Não acredito, ao contrário da nossa esquerda, que os iraquianos sejam todos uma cáfila de pobres de espírito, sem capacidade para disporem de si próprios e do seu futuro enquanto nação soberana. O que eu sei - e só não vê isso quem não quer- é que, pela primeira vez na sua história milenar, os iraquianos poderão finalmente eleger os seus governantes e viver num verdadeiro estado de direito. E isso só foi possível com a intervenção anglo-americana, digam o que disserem os críticos.

Nesta era de tristes políticos pepsodent, tornou-se muito frequente citar Sir Winston Churchill, um homem sólido, de convicções inabaláveis e astuto sentido político. E é isso mesmo que vou fazer, recorrendo a uma velha história que li algures. Não posso atestar a sua veracidade, é certo, mas aqui fica a parábola: aquando da intervenção franco-britânica no Suez (1956), e da humilhação que daí adveio para as duas potências europeias, perguntaram ao velho leão o que ele faria no lugar de Anthony Eden, então primeiro-ministro britânico e que lhe sucedera em Downing Street: "Em primeiro lugar, - respondeu Sir Winston - nunca nos meteria naquele sarilho. Mas se o fizesse, nunca saíria de lá daquela maneira".