respublica

terça-feira, dezembro 09, 2003




SOU LEITOR ASSÍDUO das crónicas de Mário Pinto, no "Público". Além de com ele partilhar vários pontos de vista, admiro a sua lucidez e sensatez. Gostei particularmente da crónica de ontem, pelo que não resisti a aqui transcrever uma parte:

"Mais uma vez, surgiram nos últimos dias com destaque na imprensa declarações caricaturais e ideológicas do que é direita e esquerda. O grave é que sobre essas caricaturas se vai formando um pensamento politicamente correcto, que chega depois a ser arrogante e autoritário - como no caso do deputado do BE que se indignou, no Parlamento, casa das liberdades, com os debates que na Universidade Católica tiveram lugar sobre a teologia do corpo. Tratou-se de um Colóquio para aprofundar as concepções cristãs em matérias que não se reduzem à sexualidade, mas também a incluem. E pelo facto de essas ideias serem contrárias às do Senhor Deputado, embora sejam ideias legítimas, legais, morais e constitucionais, foram por ele no Parlamento violentamente atacadas e caluniadas de fundamentalismo e direitismo. O episódio foi de enorme gravidade, porque teve tons intimidatórios.

Certos políticos de esquerda gostam de se apresentar sempre como tal, implicitando que ser de esquerda é ser bom. E gostam de atacar os adversários chamando-lhes de direita, implicitando que ser de direita é ser mau. Ora, esta classificação assim linear e bipolarizada das posições políticas é um esquema primário e meramente retórico nas artes políticas. Com efeito, toda a gente sabe, e em especial os estudantes de ciência política (a menos que se fiquem por um estudo ideológico) que as várias posições políticas se situam não ao longo de uma linha cujos pólos sejam as posições de direita e de esquerda, mas sim num espaço de dois eixos rectangulares, que permite medir as duas essenciais coordenadas de cada ponto ou posição política.

Um dos eixos é o que tem por pólos: de um lado, o totalitarismo (ou, se se quiser, a ditadura ou o Estado absoluto); e do outro lado as liberdades pessoais (ou, se se quiser, o personalismo, ou o (ou, se se quiser, o personalismo, ou o liberalismo, visto que foi o liberalismo que política e historicamente proclamou primeiro as liberdades individuais contra o estado absoluto).

O outro eixo polariza-se entre as posições extremas de uns, que mantêm as desigualdades sociais impiedosamente, e outros, que defendem a justiça social como não podendo ser menos do que o radical igualitarismo; ou seja, entre o conservadorismo e o progressismo extremos.

Toda a gente conhece posições de direita que foram totalitárias e ditatoriais, e outras posições de direita que foram e são solidamente liberais. Toda a gente sabe que houve posições de esquerda violentamente totalitárias e que há posições doutrinárias de esquerda liberal. Pessoalmente compreendo bem que se possam associar posições de esquerda liberal com o progressismo reformista, mas esse não é o caso das extremas esquerdas. Estas posições acham que não é possível haver progresso de justiça social a não ser através do instrumento do poder político, e por isso estão sempre do lado de tudo que seja centralização de funções e de poderes no Estado (no qual, diga-se, eles esperam vir a poder ter influência) e contra a iniciativa privada e a sociedade civil.

O marxismo-leninismo teve o grande mérito de explicar com toda a clareza e rigor a teorização fundamentante desta acumulação de ditadura e de igualitarismo (sem classes). Mas os nossos políticos de extrema esquerda, hoje, não falam nem rigoroso nem claro. Mantêm o autoritarismo mas preferem a retórica. "