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segunda-feira, junho 07, 2004




O DIA "D" Chamou-me a atenção um artigo do francês André Glucksmann, intitulado "O significado do Dia D", publicado na edição de ontem do "Público". Aqui fica um pequeno excerto:

"(...)Actualmente, debatemos despreocupadamente a "legitmidade internacional". Mas a primeira e única verdadeira legitimidade internacional foi inaugurada nas praias da Normandia. Se as Nações Unidas, apesar da sua paquidérmica organização, não se parecem com a falhada Liga das Nações, é porque os seus fundadores em São Francisco juraram que o Japão e a Alemanha não seriam nem conquistados, nem colonizados, mas simplesmente libertados do fascismo. Assim nasceram os dois princípios que silenciosamente constituíram a Carta das Nações Unidas e conduziram às suas inevitáveis contradições: primeiro, o direito dos povos a serem libertados e, segundo, as restrições sobre o direito do vencedor, que não pode conquistar mas pode introduzir a democracia.

O direito dos povos a serem libertados de despotismos extremistas - o direito ao Dia D - sobrepõe-se ao habitual respeito pelas fronteiras e ao velho princípio da soberania. Em relação à Declaração Universal dos Direitos Humanos, e com o nosso conhecimento do totalitarismo, o direito essencial dos povos à autodeterminação não deve garantir nem implicar o direito dos governantes a escravizarem o seu povo. O desembarque na Normandia justifica por isso as recentes intervenções no Kosovo, no Afeganistão e no Iraque, mesmo sem a autorização do Conselho de Segurança. Por uma razão determinante: a legitimidade original que presidiu à criação da ONU prevalece sobre a autoridade em relação à jurisprudência comum das instituições que a originaram. Além disso, o recente décimo aniversário do genocídio tutsi no Ruanda não deixa que esqueçamos esse terrível fiasco das Nações Unidas. Embora o seu líder, Kofi Annan, defenda, em vão, a reforma radical das suas instituições e da legislação internacional.(...)"


E a respeito da França, e da sua política internacional muito pouco "olimpiana" - para usar uma expressão de Pacheco Pereira - quando se trata de defender os seus interesses, o autor escreveu o seguinte:

"(...) Em contrapartida deixem-me recordar que a França, tão generosa quando se trata de dar lições aos outros, em 40 anos nunca indiciou, julgou ou condenou um único dos seus soldados que cometeram actos de tortura durante a guerra da Argélia. Só em 2000 é que os chamados "eventos" (1954-61) foram oficialmente rotulados de "guerra" pelo Parlamento. Só passados 50 anos de tudo estar terminado, em 1995, é que o Presidente admitiu a responsabilidade do país pelos acontecimentos entre 1940 e 1945. E até à data, dez anos depois dos massacres e, contrastando com a Bélgica, as Nações Unidas e Washington, o nosso país continua a recusar, à direita e à esquerda, pedir desculpas aos tutsis, que foram vítimas de um genocídio. É isto que nos eleva a nós, franceses, nos eleva moralmente, tornando-nos muito superiores àqueles broncos, aos "yankees", angustiados com uma imprensa insolente, um Senado inquiridor e governantes obrigados a abrir os seus "dossiers" e a explicarem-se em tempo real.(...)"